segunda-feira, 13 de abril de 2009

Seguro de morte / Seguro de morte

Botei dous meses de angustia inconstante, sendo aquela mina de carozos en que me empeñara o inferno propio —non réplica deste como presumía? Con receo de non me encontrar nin me ollaba ao espello, escusándome no pretexto de que nin para min era exemplo que debese imitar (dobrada en xeira e en imaxe desdobrada?). De cando en cando soaba o teléfono, eran sempre os que manexan o látego; as cartas recibidas eran só confirmacións de recepción deses churros que dei en fabricar agora en serie, sen que ninguén se alporice, mentres vaian normativamente coordenados. E se me transmutara así na apatía do desespero, na inercia do que vos dean merda polo mesmo prezo, pola mesma presión, total para se anestesiaren os estúpidos topeneando no sofá, que non merecen máis... que me certificaba a prórroga do óbito? O seguro de morte!

Passei dois meses de angústia inconstante, sendo aquela mina de caroços em que me empenhara o inferno próprio não réplica deste como presumia? Com receio de me não encontrar nem me olhava no espelho, escusando-me no pretexto de que nem para mim era exemplo que devesse imitar (dobrada em jornada e em imagem desdobrada?). Vez por outra tocava o telefone, eram sempre os que governam o chicote; as cartas recebidas eram só confirmações de recebimento dessas farturas que acabei por fabricar agora em série, sem ninguém se irritar, enquanto forem normativamente coordenadas. E se me transmutara assim na apatia do desespero, na inércia do levem é mais merda pelo mesmo preço, pela mesma pressão, afinal para se anestesiarem os estúpidos a cochilarem no sofá, que não merecem mais... o que me certificava a prorrogação do óbito? O seguro de morte!

Así é, a primeiros de cada mes desde hai mil e un anos, aparece puntualmente o Pepe do Fadista ou a muller del, no seu defecto ou virtude, a cobrar a póliza con que me aseguro a incineración polo ben de amigos e parentes que non enterre eu antes. Non imaxinan a mala chispa que me come cada vez que sinto o telefonillo e vexo a calquera dos dous na cancela a me lembrar a miña condición mortal, como frades nas misións a esbardallar arrepentídevos pecadores que a fin está próxima pola boca podre, cilicios pingándolles nas costas sanguinolentas. Foi, non obstante, decisión previsora que tomei, cando me morreu o primeiro morto, meu máis vello, e á dor sumouse a rabia do atraco a man armada dos coveiros traxados contra os desvividos sen vontade (non é que me importe o que fagan cos meus restos, fóra o acto inomisible da homenaxe do tan boa como era coas medallas moi póstumas elas).

Era assim, a primeiros de cada mês desde há mil e um anos, aparece pontualmente o Pepe do Fadista ou a mulher, na falta dele ou virtude, a cobrar a apólice com que me garanto a incineração pelo bem de amigos e parentes que não vá enterrar eu antes. Não imaginam como me ponho cabreira cada vez que ouço o intercomunicador e vejo um qualquer dos dois na cancela a me lembrar a minha condição mortal, como frades nas missões a farfalhar arrependei-vos pecadores que o fim está próximo pela boca podre, cilícios pingando-lhes nas costas sanguinolentas. Foi, contudo, decisão previdente que tomei, quando me morreu o primeiro morto, meu mais velho, e à dor somou-se a raiva do assalto a mão armada dos coveiros bem trajados contra os desvividos sem vontade (não que me importe o que fizerem com os meus restos, fora o acto inomissível da homenagem do e ela era tão boazinha com as medalhas muito póstumas).

Na primeira quincena de xaneiro e sen calefacción nin auga quente nos días máis xélidos que sementou o ano acoitelándome, amortallada en cobertores fronte ao ordenador, coa Lima aos pés, non tiven dúbida da miña existencia, por iso desatendia as voces que me alertaban da alteración da rutina. (Han de pasar a cobrar, han de pasar, respondía eu repetitiva, non hai présa. Sempre pasaron —ben o sabe a historia— por riba dos nosos cadáveres aínda quentes.)

Na primeira quinzena de Janeiro e sem aquecimento nem água quente nos dias mais gélidos que semeou o ano esfaqueando-me, amortalhada em cobertores frente ao computador, com a Lima aos pés, não tive dúvida da minha existência, por isso desatendia as vozes que me alertavam da alteração da rotina. (Eles passam a cobrar, eles passam, respondia eu repetitiva, não tem pressa. Sempre passaram —bem sabe a história— por cima dos nossos cadáveres ainda quentes.)

Veu febreiro e nada, nada, o telefonillo sen soar, nin un tintinar sequera, eu cismando xa polo baixo, o sol abrindo flores, a conta corrente algo máis recuperada, veña a debullar espigas de millo anacarado para os porcos amarrados polo piercing (noutrora brinco) á doméstica causa, a desconfianza asolagándome: será que morrín mesmo e os cabróns intereseiros, na certeza do meu billete pago ao inferno, avaros en custes e emanacións de CO2, deixaron o cargo da miña cremación no demo?!

Veio Fevereiro e nada, nada, o intercomunicador sem tocar, nem um tintinar sequer, eu cismando já com os meus botões, o sol desabrochando flores, a conta corrente um bocado mais recuperada, sempre a debulhar espigas de milho nacarado para os porcos amarrados pelo piercing (noutrora brinco) à doméstica causa, a desconfiança alagando-me: será que morri mesmo e os cabrões interesseiros, na certeza do meu bilhete pago ao inferno, avaros em custes e emanações de CO2, deixaram o cargo da minha cremação no demo?!

Apalpei nos pómulos osudos, na nítida liña dos dentes, nas rótulas marcadas, no ángulo agudo dos nocellos, os artellos un por un, exquisitos no renxer tan autoinmunes, e en desconcerto vivo, baixei ata a casa do Pepe do Fadista, petando na porta con medo de meter medo, se é que, barrunto apenas, asustan os espectros a quen ten trato cos mortos:

—Ai, ola, Sun Iou, eras ti!
—É que como non aparecestes a cobrar o mes pasado nin este, pensei que…
—Pois aínda estiven esta mañá alí e tiñas a moto na porta. Chamei un par de veces no telefonillo...

Apalpei nos pômulos ossudos, na nítida linha dos dentes, nas rótulas marcadas, no ângulo agudo dos tornozelos, os artículos um por um, esquisitos no ranger tão auto-imunes, e em desconcerto vivo, desci até a casa do Pepe do Fadista, batendo na porta com medo de meter medo, se é que, conjectura apenas, assustam os espectros a quem tem trato com os mortos:

—Ai, olá, Sun Iou, era você!
—É que como não apareceram a cobrar no mês passado nem este, pensei que…
—Pois ainda estive de manhã lá e estava a mota na porta. Toquei um par de vezes no intercomunicador...

E eu sorrindo aliviada, notando a lingua en carne a rozar nos incisivos. O telefonillo, claro, nin polo maxín me pasara que puidese estar avariado, habendo como houbo andazo de máquinas desafiuzadas, e eu morrendo así aos poucos, feita idiota.

E eu sorrindo aliviada, notando a língua em carne a roçar nos incisivos. O intercomunicador, então?, nem pela cabeça me passara que pudesse estar avariado, havendo como houve andaço de máquinas desafiuçadas, e eu morrendo assim aos poucos, feita idiota.

25 comentários:

condado disse...

É sempre o mesma quen non ten fio non comunica... A min resultame imposible pensar nisto

Sun Iou Miou disse...

Para iso estou eu, Condado, para pensar niso e no outro. De todos modos tamén existe a comunicación sen fíos nin fiíños...

Teté disse...

Às vezes parece praga mesmo, quando as máquinas começam todas a avariar em simultâneo e o dinheiro a ficar curto para as mandar reparar! Isto quando os técnicos não adiam a reparação lá para o próximo milénio, que a eles aquela máquina não faz falta nenhuma...

Esse Pepe do Fadista - e respectiva esposa - parece ser do mais simpático que há! Para além do nobre motivo com que te bate à porta pontualmente, nem deu conta que a campainha não tocava?! (`_^)

Beijocas, Sun!

Sun Iou Miou disse...

Não deu conta, Teté, eles estão mais habituados ao sistema por ondas (leia-se "grito") do que por fio (porteiro electrónico) e como não tenho normalmente muitas visitas (se são amigos, eles entram no quintal sem tocar), também eu não reparei em que estava avariado.

E, sim, parece que avariou tudo de vez, junto comigo.

Beijo

Anónimo disse...

Tu és GRANDE!
Acima de tudo, um texto extraordinário para contar uma história simples e normal para quem depende cada vez mais de máquinas.
Ainda há dias tive de desmontar o intercomunicador (ou porteiro electrónico, como lhe chamas), que só funcionava num sentido, e bem que eu podia berrar (com a cadela a ladrar sempre que tocam a campainha), que ninguém lá em baixo ouvia.
Desculpa só agora cá vir, mas tenho andado ocupado com outra máquina enferrujada, que é a minha e não tenho parado aqui por muito tempo.

Beijinho.

Tá-se bem! disse...

Fantástico Sun Iou! :)
Nem imaginas o que tenho cismado assim por um mal entendido.. que nem sei se entendi mal, ou se não mo quiseram explicar... Eu sou um pouco como tu... ando ali a enrolar, a amargurar, sem saber se sim ou se não.. confiando ou não.. desconfiando talvez.. e sem querer desconfiar.. Vou esperando até ao dia d sem mais incomodar alguém..

Bolas que isto hoje está confuso.. dasss :p

Beijooo já de quarta! e com chuva!:)
(deve ser da chuva.. :|)

Sun Iou Miou disse...

Metro e meio apenas, Cão(somente), meço. E vais-me tu falar de histórias simples contadas brilhantemente tu, que a dor de coluna tua convertes em dor de queixada minha?

Estás desculpado. Enquanto não enferruje o programador electrónico que levas por baixo do cabelo, tudo bem.

E obrigada pelo do "intercomunicador" (já corrigi): é como se diz também em galego normativo, mas usei "telefonillo", que é em espanhol, porque é o termo mais habitual.

Beijito

Sun Iou Miou disse...

É o que tem a minha cabeça, Tá-se bem!, à mínima que a deixo um pouco livre, lá se põe a enrolar...

Beijo de quarta já?????

Fui!

Rafeiro Perfumado disse...

Só não percebi a cena de "quando me morreu o primeiro morto"...

Beijoca!

Sun Iou Miou disse...

Nem te faz falta perceber, Raf, mas se queres saber é só que ele morrera muito antes de lhe certificarem a defunção.

Abracinho

Anónimo disse...

A mulher e a sardinha, quer-se da mais pequenina.
Nós (eu e a malta cá de casa), também não crescemos muito e a "herdeira" (dos genes, que fortuna não existe eheheh), que foi quem saiu mais "curta" e mal chega aos pedais do carro, todos os dias me dá demonstrações de grandeza.
Por isso, deixa-te de falsa modéstia porque num metro e meio de gente, há espaço suficiente para armazenar o bom e o mal da humanidade. Depois é só saber escolher o caminho...

Beijinho.

Anónimo disse...

Talvez substitua aqui grandeza por grandiosidade.

Sun Iou Miou disse...

O carapau pequeno também é bom, Cão(somente), (`_^).

Nem sei que diga, mas já te aviso que ando muito sensível, de maneira que por hoje, só por hoje, vou aceitar os cumprimentos, até porque estava a precisar.

Um abraço

(Grandeza era mais do que suficiente.)

Marreta disse...

Não me digas que aqui se está a falar (escrever) sobre chupistas.É impressão desta minha cabeçorra marreta, ou tudo isto terá a ver com qualquer coisa que começa por um S e termina num O?
Se sim: Sanguessugas!

Saudações do Marreta.

Sun Iou Miou disse...

Fala-se de chupistas, sim, Marreta, mais fala-se é sobre tudo de morte, de solidão, de olhar-se para o umbigo, até de história recente (1 de abril, 14 de Abril?), de decepção por primeira vez com o trabalho e de quanto quem ler quiser entender. Afinal, quem escreve Sou Eu, meu, mas quem lê São Vocês, meus.

Mas é verdade, quem compreende que até para morrer tenhamos de pagar?
Podia dizer que se lixe tudo, mas os meus amigos são capazes de me mandar a uma fossa comum e se não gostei de multidões em vida, achas que de morta havia gostar? Isso era bem pior do que inferno. Assim que vou pagando e garanto-me uma linda fogueira. Das cinzas já podem fazer o que quiserem, mesmo nada, que nem para esterco acho que sirvam.(`_^)

Abraço

Tá-se bem! disse...

Sun Iou, where are Iou??
Olha que o sol está de volta, pelo menos por aqui...

Beijooo semanal de quarta outra vez.. ;) que o tempo passa a voar..

Sun Iou Miou disse...

Nem sei onde estou, Tá-se bem! Ando à minha procura sempre.

Beijinho de menos um dia...

Anónimo disse...

Fantástico o seu texto, minha amiga.

Sun Iou Miou disse...

Obrigada, Carlos.

Anónimo disse...

Vou ali e volto já. Amanhã explico tudinho no CR

Sun Iou Miou disse...

No entanto, Carlos, ando a ver se sou capaz de lhe tecer uma despedida.

LM disse...

chegou o andazo até cá! até a tampa do wc morreu e nom temos seguro de defunzom nim um pepe do fadista!!!!
beijos

Sun Iou Miou disse...

Pois, tápame o wc, LM, non se vos vaia coar ningún pequeno por aí abaixo (un dos meus maiores temores de cativa era ese, coarme polo váter abaixo...).

Pero xa cho digo eu, o único que temos de certo é o seguro de defunción: outra cousa é que o pago vaia por adiantado.

Pena quedoume de non coñecer o Fadista, o pai do Pepe, porque con ese nome debía de ser un personaxe. E fado foi ao cabo o destino do fillo.

Biquiños

LM disse...

pois... fado lisboeta...?
nunca tinha pensado no de cair pelo wc mas de certeza desta tarde nom passa que ponha um cartaz ou algo avisando porque a imagem resulta aterrecedora... buf...
jocas

(olha, nom é visita obrigada o blogue. entra quando quiseres mas sempre á vontade. lá sempre há um carinho para ti)

Sun Iou Miou disse...

Ai, LM, é un dos meus escasos recordos da infancia, estar no váter e gritar: "Mamá, mamá, socorro, que me cuelo! Que me cueloooo!" Logo, cando lle perdín o medo, xa o facía de chiste, pero mesmo así, a tapa do váter sempre fechada, que para iso está.

Ben sei que as visitas non son obrigadas, até aí podiamos chegar, hehehe! Pero faille ben ao meu sorriso ver o mundo polos ollos dos vosos cativos.

Bicos