Ode com meias até aos joelhos
nos dias em que chegas a casa triste
o meu corpo é triste para que nada te fira
nos dias em que chegas a casa triste
sou só um corpo com meias tontas até aos joelhos
um corpo nu no medo claro da noite
os seios no redondo azul da tua esfera
e a sombra deles na parede do quarto.
nos dias em que chegas a casa triste
sou uma Salomé num desassossego de licor
o teu lado esquerdo com um sexo de flores
a ternura somente insuportável
de te saber triste sem te poder tocar.
ana salomé. Odes
Quintas-feiras havendo hóquei são boas, por decreto, isso aqui toda a gente sabe. Se há
Leituras então, ai...! Era estranha esta. Havia muita malta nova pululando diferente da habitual. No fim viu-se porquê. No princípio viu-se pessoas que falam ao telemóvel antes de entrar na sala, pessoas que brincam com o telemóvel quando se apagam as luzes da sala. Depois não. Depois foi com as palavras que se brincou. Por exemplo.
Foi a repetição: não por mudar de idioma, chega mais o que se diz, quando nada chega porque nem se percebe bem. E os gestos repetidos, os pulos... aqui já calo.
Deu laranjas e luz, e fez bolas de sabão, "aquilo para que nascemos". Em crianças, muito crianças, fazíamos bolas de sabão com uns macarrões longos como espaguetes que já ―penso― não existem: era uma brincadeira efémera porque a massa amolecia com a água e não nos era permitido estragar mais do que um canudo cada; era uma brincadeira especial, porque esse dia havia macarrões ao forno no almoço.
Aos nove anos era a maior poetisa de todos os tempos. Já naquele então ―e isso se calhar é bom para a supervivência― tinha o ego maior do que a perspectiva e a voz.
Ela é uma maneira de concentrar as miradas e os músculos num ponto: ali onde o corpo é música, e vibrando estremece. É o ventre; às vezes, segundos só, olhos e mãos.
Veio acompanhada dos seus mitos femininos e as histórias da infância, da poesia como forma de estar com muita gente, e estava. Foi pena o tom monótono da voz. Se importante é escrever, tão importante é modular-dizer para explorar a beleza das palavras.
Ora, com a discrição duma folha de outono em forma de carta para uma tia de Lisboa, fez magia desde o tamborete, prestidigitando sorrisos, gargalhadas, ela que se quis entre cientista e palhaça, e acabou, coisas!, jornalista numa sala de teatro, com baratas que esperam na cabeça pacientemente a transformar-se em poema da Adília Lopes.
E a malta jovem, aí entendeu-se que era o público fiel do músico, a agasalha-lo no palco. Prendeu-me também, mas na distância. Imagem e som, cada música uma mulher e todas as mulheres. Eu tanto querendo tirar uma foto de fundo vermelho, guitarra vermelha e o vermelho do fundo assomando entre as pernas entreabertas. Mas não deixam e um dia destes vai-se-me perder o enquadramento na desmemória.
Só não foi uma quinta-feira-feliz porque ao chegar a casa descobri triste um meu amigo, um meu amigo que chorara, eu tão longe e ele mais longe ainda.
Assim, rapaz, não tem felicidade que resista.