sábado, 31 de outubro de 2009

Com a mesma moeda

Querido Oscar

Estou a precisar de escrever e não consigo. Nunca pensei que fosse padecer esta angústia absurda. Antes quando não tinha blogue não me acontecia, mas agora parece que preciso escrever sempre e quando não sai nada, fico exasperada. Parece mesmo que a causa é que nada sucede à minha volta que merece ser contado ou recriado. E eu nem posso acreditar que estou a dizer tal estupidez. Mas é que não sei criar nada ab novo, tudo o que escrevo vem dalguma coisa que li o vivi antes. E não acontece nada.

E esta carta vai ficar assim truncada agora, porque nem sei o que quero dizer. Só tinha vontade de escrever, era isso. Não respondas, digo-te a sério. É só que estou a matutar muito. Pensei que ia conseguir alguma coisa exprimindo-me, mas isto não dá nada.

Ah, liguei-te ao telefone mas não queria nada. Era para saber de ti, se estavas mais animado e tal. Acho que vou sair a dar um passeio. Vai ser melhor.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Realidade vs. ficção

Aqueles que após ler o texto anterior reclamaram um excesso de ficção (inverossimilhança!) nele, façam favor, sigam a ligação.

(Com os meus pêsames ao "galego" falado pelos apresentadores do programa.)

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Apontamento curioso sobre o caso: Para quem não sabe, na Galiza há um ditado: "A Sto. André de Teixido vai de morto quem não foi de vivo".

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Ensaio de defunto

No discurso da vida estão as histórias todas inscritas como alcouve de pimentos. É só pegar nelas e interpreta-las —cada quem à sua maneira e consoante os dias e a disposição—, que é transplanta-las, estruma-las, rega-las e mais catar-lhes, no fim, as erveiras adjectivas, para elas crescerem coloridas e saborosas, a fazerem cócegas de pontos picantes na garganta ou na barriga —isto também, consoante.

De aí a dar-se a gente de encontro com elas é um passo só, de nem perna comprida, nem pouco sossego: aparecem na volta da curva saudando num boa tarde educado que exige correspondência, sem escapatória. É assim com todas. Foi assim com esta.

A primeira intuição da novidade veio pelos carros no cruzamento, dois, insólitos: um branco, outro prateado (ou argênteo, poetizando), ordinários, à direita. Estavam os olhos dos motoristas espetados no outro caminho, à esquerda; os meus despregando-se em trajectória idêntica, travando devagar, acautelados ante o imprevisto. Foi aí que deparei com a segunda e principal cena. Em bairro de vizinhos contados eram os mais presentes, crianças e velhos, mulheres sobretudo, ao fundo, como séquito de falecido ainda morno, mas sem os prantos, nem elevados nem esmaecendo; só rumores de léria despreocupada, intranscendências. Na frente, luzes de ambulância faiscando silêncios, que como se nada, até parecia partida para casamento não fossem as roupas de cotio e o rapaz na maca, distendido, coberto pelo lençol até o peito (era vivo, por tanto), braço direito dobrado e a mão respectiva em concha baixo a cabeça, como quem matuta se se levante se não e se deixa bem deitado, já logo se vê.

—E então? —inquiriu a minha voz dissimulando curiosidade em cortesia interessada— Aconteceu o quê ao neto?
—É execução de ensaio —tranquilizou-me a inquietação a avó Gaudência, o reflexo do sol a tilintar-lhe músicas no ouro dos dentes.
—Teatro ou cinema? —perguntei procurando sem achar câmaras, apontador, claquete.
—Vida —respondeu—, ou mais precisamente: morte.
—É grave, logo, a doença? —aventurei num pesponteado tímido a resposta.
—Qual doença? Olhe para ele, que tem duas rosas a florescer, meu anjo, na cara! —ofendeu-se-me.

À minha expressão transparecida de interrogantes esmiuçou os detalhes, a lengalenga decorada como papel de actriz protagonista quase, demorando-se no que eu resumo. Da única certeza que temos é bom estarem as pessoas preparadas, que depois no último momento sempre faltam flores ou figurantes. Não vá ser...

—Como hoje mesmo. Não viu? Já lá vai a criatura definhando pela boca os ânimos e o padre cura nem apareceu com os óleos. Imagine só, no dia das verdades, que tal ausência se desse!

Fui-me indo, promessa engastada na despedida de passar no regresso (só beber o café e vir, aleguei adiantando desculpas) a dar os pêsames.

—Não tenha pressa em voltar —gritou-me num fio soluçante—, que ainda chega vivo ao hospital e o velório, com sorte, se não demorar muito a morrer, é só na anoitecida! Tem castanhas e vinho quente, da casa! Não perca, que estão frias as noites, e a televisão não dá coisa nenhuma!

Na arrancada, enxerguei pelo retrovisor a batina do sacerdote na distância, como asas de corvo cansado, o rostro ao rubro pelo esforço da corrida, diante o coroinha aos pulos acirrando-lhe na pachorra, capote alvíssimo de renda de Guimarães guarnecido e os sapatos lustrados, descaindo a cruz a meio pau, como num baile de máscaras sem trilha sonora.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Lamento (vinheta)












Tristeza mais triste é aquela que não se ouve.

Em "De como se vazou a vida de Ascolino do Perpétuo Socorro"
no Vozes Anoitecidas de Mia Couto


Por isso deito pela janela fora a mobília das palavras caladas, não se me vaze a vida para dentro, não vá virar o mundo um silêncio de atear fogo em pontes, cavar abismos com os dentes aguçados, erigir montanhas altas de pedras como desesperanças à minha volta, oceanos de ervas com seus chapeuzitos de orvalhos afogando-me os sentimentos dos pés.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Jacuzzi e pantalla plana

Saio do cine máis fría ca o río conxelado que atravesan as protagonistas carrexando seres humanos, carne de explotación. Non conecto con ese mundo absurdo, insensible e consumista —e non vou pedir perdón— en que non hai cartos para comer decentemente e si para para pagar un televisor que non colle nas paredes da casa, onde o almorzo e a cea son flocos de millo e tang augado, cando polo mesmo diñeiro se lles pode dar aos fillos un vaso de leite. Non me conmove. A película será bestial, será. Pero non me emociona ese ambiente racista e ignorante en que vale todo por conseguir os cartos con que comprar unha casa con jacuzzi (non, non é para sobrevivir, ollo!, non se confundan, sobrevivir e nin iso é o que tentan os inmigrantes, maltratados e enganados cos seus tópicos ás costas), en que un adolescente egoísta e idiota para lle mercar un xogo ao irmán máis novo estafa vellas que o perdoan porque é branco e bo rapaz (?!). Non me emociona, non, a coraxe desas nais, de ningunha das dúas. Non vexo esperanzas nin de lonxe para unha xente capaz de arriscar a vida sobre unha capa fina de xeo por gañar nunha noite os cartos que non gaño eu nun mes (e vivo con dignidade), transportando persoas no maleteiro do coche como se fosen fardos de droga ou cartóns de tabaco mentres a policía mira para outro lado porque quen conduce ten a pel algo máis clara.

Saio do cine sen entender o que acabo de ver. E talvez sexa esa a intención última: mostrar algo que non se comprende. Ou serei eu que me consolo así da perplexidade?

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

De soidades e finais










De todos os terrores nocturnos e diurnos o do transtorno mental é o maior. O esquecemento, a loucura en calquera das súas formas, múltiples e perversas, róldanme coma teimudos aparecidos desaparecidos. Cadaquén ten os seus. A min habítame a obsesión cando vou tras a túa sombra pola cidade, sendo como é a túa sombra a que me segue. Nas películas made in USA, nin que sexa cine independente, obsesiónanse cos finais felices, o que sempre me deixa con moitos efes nos labios, desinchándome.

Vén todo isto a conto (ou non) de que pasei o sábado na Invicta, aproveitando que tiña que ir recoller ao Sá Carneiro os turistas que regresaban da city á noite. O primeiro que fixen ao chegar foi visitar a librería de segunda man por ver se encontraba algunha sorpresa. E encontrei. Collino con certo pudor. Ler as cartas de amor dun vivo... Aínda que fun lendo algunha entre café e café, polo de agora repousa na mesa de cabeceira, que ando no Brasil de finais do XIX, pero xa intuín que o tema recorrente é a soidade.

E falando en soidades, volvo ao principio: dediquei parte da tarde á película de Joe Wright. Pouco teño para dicir, fóra de que me gustou, non fose o final (certo, iso son eu e os finais, que teño tendencias tráxicas) e unha escena da ex-muller e xefa de redacción do xornalista que amarra tremenda lascarda nunha cea fina (paripé de premios e promesas que os políticos entenden á súa maneira: medallas para os deles; porras para os outros, sempre os outros), á que só encontro xustificación se foi para mostrar persoas con virtudes e defectos, xente coma nós, con medo da soidade. Porque no fondo debe ser iso a loita de quen ten algo e o perde, de quen non ten nada e encontra algo.

Xa digo, non fose o final tan simetricamente equilibrado, sinfónico e harmónico, todo ben, e mesmo ese, pódese ouvir de ollos fechados, desde a butaca, mentres os espectadores marchan lentamente da sala, até que soa a derradeira nota. Porque soa ben. Aínda que logo a vida non termine onde termina o relato e veñan unhas frases sobreimpresas innecesarias a chapodar a fantasía, lembrando que aquilo esta baseado nunha historia real. Por favor.

Como sei que non se me entende nada, que quede claro: conmoveume a película, e non fose polo final, ou case, púñalle o superlativo. A ver se así.

domingo, 18 de outubro de 2009

Elogio da ignorância (ou do comer mosca)

Foi assim, é. Começa-se o relato pelo final, estragando-o. Fiquem sabendo, pois, que não engoli a mosca.

Os olhares convergiram em mim todos: uns poucos, que me desconheciam, horrorizados pela blasfémia que saíra pela minha boca; os restantes, que eram os mais, admirados ante a grosseria, nada habitual em mim, no mínimo, em tão elevado tom de voz e lugar público. Arrependi-me no logo-logo, não porque me aflija obrar para não-seres em cuja existência desacredito, antes porque faltando-me escasos pontos para o ingresso na categoria dos desvariados, receei somar mais alguns. Não disse, mas estava num café, felizmente, na Aldeia —nem quero saber se isto me acontece num botequim qualquer de passagem. Pedira um pingo (ninguém me mandou!) e acheguei a chávena aos lábios, a tactear a temperatura. Ao primeiro e sempre breve golo, notei no centro da língua um lixo como de meio centímetro, que levei à ponta para examinar a consistência, entre mole e dura, seca, palhenta, descartando aí que fosse migalha de pão ou bolinho perdida e achada. Impunha-se uma análise visual. Em má hora. Quando percebi que aquilo era uma múmia, preta, mate, os brilhos só do líquido, sacudi a palma da mão como quem se escaldou e proferi as tais palavras podres que provocaram nos clientes sossegados de sábado e meia manhã, as cabeças debruçadas sobre o jornal, o sobressalto referido.

Todo o dia, no lugar exacto da língua onde premi contra a parte interior dos incisivos centrais superiores para melhor identificar o objecto estranho, conservei a sensação repugnante do díptero desalado, como a marca fóssil dum pé de dinossauro na pedra, e deplorei, deploro ainda, que a curiosidade me impedisse traga-lo, eu e o bicho dessabidos, sem considerações nem inquéritos.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Não é nada sério rir











Talvez mesmo, meu amor, que compre uma tapeçaria como a do Senhor Ferreira: podes achar idiota mas preciso de qualquer coisa que me ajude a existir.

António Lobo Antunes, Memória de Elefante


Era matéria pendente. Quando na feira da Invicta, há já alguns meses, me enfrentei a uma parede empapelada das obras suas, vacilei entre me deixar seduzir pelos títulos (apetência minha de norma geral) ou começar num dos dois extremos. Decidi atacar pelo princípio no fim. Depois, o volume escolhido pousou na mesa de cabeceira mudo, na espera de que as mãos minhas cirúrgicas e os meus olhos sôfregos mergulhassem nas suas tripas. A hora chegou e foi meu companheiro de cafés desta semana. Nessas andava e gozando em cada frase, nos tons agres de humor e nos outros, pungentes, de misérias, quando deparei com a entrevista que lhe fizeram no JL. Aí matou-me, porque acabei por adorar nele tudo, e porque me obriga a lê-lo inteiro ("Quero fazer o que mais ninguém fez": JL 1018, pg. 23), que não é tarefa de dois dias e meio. Mas, por enquanto já prometi que o próximo vai ser o último e agora já sim guiada pelo título, que só ele merece a minha rendição.

No entanto, as últimas páginas calharam-me na mesa duma tasca de Âncora, Vila Praia de, a onde fui instigada pelo estímulo das bancadas de peixe fresco na ribeira sob os guarda-sóis coloridos, Atlântico em pano de fundo rebrilhante e a calor morna deste outono. Enquanto vinha da cozinha o crepitar do óleo em que se fritavam, coitados bichos mortos!, as fanecas, enquanto não chegavam para eu as espulgar de espinhas e saborear a carne branca em lascas com reflexos irisados em forense necrofília, slurp, tive de conter mais dum sorriso, virar o rosto contra a parede, agachar a cabeça, que não é sério a gente rir sozinha, menos chorar na linha a seguir, sobre uma toalha de papel que cobre a clássica marinheira, quadros azuis e brancos, na sala de jantar (no rés-do-chão, apenas desta volta, sem rima de primeiro andar), onde operários de fato-macaco convivem com executivos engravatados em barulhos de talheres e copos, pratos, bocas. Safei num naco de pão trigo que me disfarçou os dentes e me suavizou a linha dos lábios.

Bebo o café na esplanada e remato o livro. Penso que Âncora é um bom lugar para morar no inverno e fora os fins de semana das invasões colectivas de ouropéis dominicais ou fato de treino. Sei que não é sério sorrir ao mar e ao relato que ainda me bole na moleza das vísceras, desafiando a nostalgia da noite em que não nos encontrámos. Lembras? Podes achar idiota, podes: a mim é ler o que me ajuda a existir sem ti.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Eu non morrín nunca... aínda


Á Ismenia, que coa súa clasificación concisa
das formas de morrer, desencadeou este delirio

As formas de morrer son poucas e fáciles de clasificar, cavilaba a funcionaria do rexistro civil, a quen vou chamar Ismenia (porque é o segundo antropónimo que se me ocorre, após o que sempre teño no maxín, tan gastado), mentres inscribía no ficheiro de nacementos o nome impronunciable do seu neto. Na pantalla, abriuse un cadro de diálogo.

—Quere facer copia de seguridade?
—E non vou querer?! —case se ofendeu.

E premeu no si, quero. Era decote a mesma cantilena. Ismenia colleu un pano estampado de flores do bolso, limpou as mans da capa fina de suor, abriu con parsimonia o libro, tamaño A4, de pastas duras, procurou a última páxina escrita, apartou o papel secante que imitaba un pétalo colosal e engadiu cunha caligrafía primorosa (lóxico) e simple (práctico) o mesmo apuntamento, coidando moito de non descolocar o hache intercalado. Durante uns segundos quedou a contemplar o deseño elíptico das letras cavalgadas, o brillo da tinta húmida que reflectía os tubos fluorescentes do teito. Primeiro sorriu, despois ceibou unha airexa vestida de salaio que apagou a luz do escrito nun mate melancólico. Devolveu ao sitio a avidez hídrica do papel rosa, ben centrado, e fechou con unción o libro, coma quen garda as alfaias de familia coas que vén de provocar ondas de pasmo e bile nos aseos de señora dunha galería de arte.

Na sala só se ouvía o ventilador do ordenador e o troupeleo periódico entremediado de zunidos dunha impresora láser que ciscaba páxinas en branco polo chan coma vidas baleiras. A imaxe engrenou na Ismenia a liña argumental do pensamento. (Non é que basease o discurso interno en experiencias propias de morte, senón que posuía unha tendencia natural ao empirismo dos avatares alleos.) Porén, clasificar as formas de vivir vén sendo, como obxecto de ensaio, labor inxente e mais baldío, isto é, un despropósito, pois son innúmeras, reviritadas e altibaixantes coma os sistemas montañosos, en suma e segue, complicadas. Hai quen confunde vivir e morrer, xulgando que morreu, ben porque perdeu o interese en distinguir o canto dos pintasilgos do dos verderolos, ben porque a vida lle pasa ao lado sen sentir ou inasible. Pero por moito que unha persoa, virando autista das pequenas cousas, se instale nese xénero de alento apático que case linda coa morte e se funde virtualmente nela, desouvindo os borboriños mansos da follaxe cando os ventos mudan, con preguiza de se erguer e présa por se deitar, alimentando de somníferos cíclicos a inapetencia... queira que non, está viva o mesmo. Vivir e morrer, concluíu como tantos outros militantes do ateísmo aséptico concluíran, eran estados antagónicos desencompenetrados. En xeral, non se pode desistir de vivir por capricho, matinaba, porque son superiores sempre as probabilidades de supervivencia en calquera das súas infinitas variedades ás de morrer, parcas por definición. Hoxe en día, fiaba Ismenia o texto dunha conferencia inédita, xa embalada, consonte uns supostos avances da medicina forense, catalógase a morte con etiquetas múltiplas, pero (e aquí no cismar facía unha pausa de efecto que incluso nela suscitaba suspense) o certo é que polos saecula seaculorum, entre a xente que no mundo houbo déronse só dúas formas, incompatibles entre si, de morrer: de cólico miserere ou de repente.

Chegada a este punto, a Ismenia adoptou un ar profesional e abriu o documento de defuncións do ordenador, onde agregou unha saída, que era como adicionar subtraendo. Repetiu a cerimonia sobre o libro tanxible cumprindo os ritos en todo idénticos. Entón soou teléfono. Cubriu co carapucho a pluma antes de pousala sobre a chapa de nogueira brunida do escritorio e durante uns segundos contemplou a obra rematada. Non chegou nin a sorrir. A tinta escintilaba aínda sobre o papel pautado cando saltou o contestador.

domingo, 11 de outubro de 2009

Abraços e pedaços

Deixei-os com as malas na porta de partidas do Sá Carneiro e fui estacionar ao parque. Quando cheguei ao pé deles estavam já na fila de facturação, pacientemente à espera, diante dum cartaz em que se indicava que só se permitia um único volume de bagagem de cabina por passageiro, bebés excluídos. Nunca pensara nos bebés como simples volumes, mas imagino que a efeitos práticos é assim mesmo. Ainda bem, não trouxeram bebé. Isso, todavia, explicava que detrás deles, um yorkshire terrier adulto assomasse timidamente a cabeça pelo fecho semi-aberto da malinha da dona, numa tentativa inteligente de passar inadevertido. Volume eu?, pensaria o bicho, onde já se viu?!

Enquanto tomávamos o café de despedida, perguntaram-me pelo filme que ia ver eu, aproveitando o passeio à Invicta.

Abraços desfeitos —disse, citando a tradução do título ao português.

O Condado olhou para mim, perplexo.

—Desfeitos? Não me parece.
—Não vi o filme ainda. Não posso julgar, em princípio. Tudo depende do significado exacto que lhe quis dar o director a esse "rotos" em espanhol.

Desfazer pode significar partir, quebrar, romper, mas carece, ao meu entender, da conotação obrigada de truncar que contêm os últimos. Desfazer é ambíguo, pois se por um lado significa despedaçar, fragmentar; pelo outro pode-se insinuar macio, mais próximo do desmanchar, diluir. Visto o filme, agora sim com conhecimento, podo dizer que os abraços foram partidos (e prefiro o brasileiro quebrar, que parece sugerir mais agressividade no surdo fonema de início, como onomatopeia de rachar, estalar) e brutalmente, sem espaço para esvaecimentos nem dissipações. Os abraços não foram desfeitos nada, foram partidos abruptamente em pedacinhos pequenos, impossíveis de recompor.

Porém, a metade exacta da lua, que me mostra o firmamento ao leste no regresso, enquanto na memória persistem as imagens do acidente e do puzzle de fotografias, lembra-me um pedaço enorme de melancia, que me faz água na boca e me deixa com sede, como sede é a que tenho ainda dum outro abraço, não roto, nem partido, nem quebrado, antes aquele em que sonhei os ossos todos estalando, poderoso, eu a me partir, quebrar, romper nele, e que descreve no cabeçalho deste blogue o Jaime Gil de Biedma, eterno.

sábado, 10 de outubro de 2009

A lingua en ti nunca










O idioma é a pel que nos tapiza o interior, endoderme de lingua papiluda, retórica, que ofrece a alma descosturada ao voraz espazo do silencio roto. O meu é camisa de cobra que muda consonte os días e os humores, biliares, líricos, inhóspita de ti, anfitrioa dos baleiros que deixaches, opacos coma este mar que me contempla e agarda, aceno das ondas no sobrancello de escumas. Por detrás prorrompe o pregoeiro do home salvaxe, besta peluda de feira circense con cheiro a farturas, óleo gordo, denso, que mata o hálito invadido de alfabetos alleos como alfombras pesadas, poboadas de ácaros simpáticos, espirros. E sobre as losetas de seixos miúdos mido os pasos preguiceiros, remisos aos paradoxos da realidade. Velaí o mar que desiste de acollerme. Que morte ingrata a miña. Na praia mestúranse as pegadas das gaivotas e os pés ausentes dos humanos descontraídos, leves, colesterólicos, pensativos, remoendo milenios de pedra lavada no ir e vir da maré, como esta lingua tacto en ti nunca foi, nin o meu idioma de agora, 10:24, vibrou na tumba dos teus tímpanos.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

De portas para dentro

Cento cincuenta persoas xúntanse un xoves á noite nunha aldea do sur da Galiza para ver unha película. Parece ficción, case rozando o inverosímil, pero é verídico. O comezo do curso iniciouse ben no Poleiro. Postos en inverosimilitudes, acaeulle coma unha luva a curta coa que se iniciou a sesión, Entorrados, e que se tedes vagar e gana de sorrir un pouco vos recomendo. En contraste co absurdo anterior, Entre les murs devólvenos á realidade en forma de docudrama, con actores non profesionais, situando as cámaras nunha aula de instituto durante un ano lectivo. A loita entre a autoridade do profesor e a afirmación persoal do adolescente, a dificultade de tomar unha decisión que poida determinar a vida doutra persoa...

Polos comentarios á saída, en xeral gustou. Nótese que entre o público hai unha porcentaxe elevada de profesores e mestres. A min sobráronme minutos e faltoume paciencia: nunca tiven vocación docente, pero para ben dos meus potenciais alumnos (e da miña pobre saúde mental) soubenme retirar a tempo. E ademais, había que facer por aguantar até o final: a cervexa (ou o zumito, vaia) á saída cos colegas non se perdoa. Que é case o mellor.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O pasado inoportuno










Decidín ir a Cidadeabertaaomar despois do dioivo, antes que rematase a semana sen ver unha peli que andaba adiando por motivos e senrazóns varios: sábado convidáronme a cear os pais dun dos meus J que viñeran de visita, domingo invadiume non sei se o cansazo se a preguiza, luns decidín dar outro repaso nun traballo antes de entregalo e como xa só me quedaba hoxe ou mañá, e mañá nunca se sabe...

Cheguei un pouco antes da hora e entrei nunha cafetería coa idea de ler. Como non había onde elixir, resigneime a ocupar unha mesa baixo o televisor. Pedín un cortado e abrín o libro de Jo Nesbø no que ando mergullada ultimamente (cando remate conto, non se me precipiten). Imposible concentrarme. Tocáranme ao lado dous tratantes de hamburguesas! Un deles era catalán e discreto, case nin lle entendía o que dicía do baixo que falaba, pero o outro, que era o xefe e español! (el dixit, ofendidísimo porque o interlocutor aludiu ao seu lixeiro acento venozolano), tiña volume de tenor e debía pensar que estaba na ópera o impresentable. En fin, a min que me máis me dará.

Non me acabou de entusiasmar a película. Quero dicir no fondo. O argumento estaba claro, trama de espionaxe e contraespionaxe, dominación do mundo, corrupción, o pasado que nos persegue. Branco e negro fronte a cor, para que non se lle perda o fío. E de cando en cando unha atacada de violencia brutal, non nos vaia vencer o sono. En fin, que non é que me chistase pero tampouco me matou vela. Saín indefinida. E non me apetece facer unha análise máis exhaustiva. Confórmense.

Todo o camiño de volta paseino á procura dun programa interesante na radio. Ao primeiro aínda ben, que cachei o final dunha tertulia co tema do día, pero aquilo acabou e empezaron as nocturnidades: que se a muller é invisible a partir dos corenta (gran descubrimento!), que se unha que chama porque se namorou dun home casado pola internet e sabe que non ten futuro ningún con el pero mesmo así... (nihil novum), paro un pouco a escoitar os Erros meus do Camões pola Amália (isto tamén, eterno) e logo acabamos en Madame Butterfly, desamor e suicidio (o tiro de graza), mentres abro o portal, xa cismando nas mil e unha formas de me anestesiar (sálvome que non teño a katana a man). Aínda ben, a Lima recíbeme como se me quixese...

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Outonando

Que onte chovese insisten-te-men-te-te-te-te-te-te tras uns días de calor e sol abafantes (verán de san Miguel, nada insólito no calendario) plantou caldo a fumegar e tobo na imaxinación dos agoireiros.

—Chegou o inverno!

Isabel, a vendedora da ONCE, devólveme así o saúdo, antes de se introducir no coche, a amparar co corpo da molladura a cea preparada que acaba de comprar no da Diana, mentres paso coa Lima, pitiños pingantes nós, felices (e non tendo eu rabo para abanar sorrío):

—Non chegou nada! U-lo frío?!

E o vento por ningures, calma de fíos en vertical desabando só, gloria de chapuzar nas pozas. Está o tempo de escacharen os ourizos de castañas nos camiños, todo corazón lustrado de espurgar, cru, asado, cocido... E máis nada.

sábado, 3 de outubro de 2009

A tirapuxa










Había dous elementos que me seduciron á hora de elixila. Un, que o anterior e primeiro filme dese director me gustara; dous (que en realidade é múltiplo), proxectábana nun cine resistente, dos de antes de vila pequena, con sala de butacas en lixeira pendente e apenas a vinte quilómetros da casa, no que adoitan exhibir bos traballos. E agora explico. Porque esta noite pasada foi de parellas e vergoñas. Un matrimonio de vida acomodada e éxito profesional que non pode ter fillos de seu decide acoller un rapaz con problemas. O experimento sae mal, até aí todo ben (!), polo que xusto cando están para iniciar o proceso de adopción, discuten se devolver se non o "paquete". Tamén non é nada de particular na sociedade de consumo. A muller que quere quedar con el, o home que non, que non se adapta, que non o adopta. El é unha fervenza de emocións, agora ri, agora chora, agora rebenta, agora afunde. Porén, ela, tesa que nin un pau, non transparenta nada: o mérito de actores así é conseguir permanecer en impertérrito baleiro da alma durante os meses de rodaxe, que non é pouco (Pronto, creo que por iso lle deran o figurino a aquel do país que non era para vellos... nin para vivos). Así que durante gran parte da historia asistimos a unha tirapuxa: que non, que si, que non, que si. Non fose polo peiteado da guicha, tipo cunca sobre a cabeza coa perrera á propia altura das cellas, que me daba gana de saír a correr para a pantalla a meterlle unha tesoirada (xasús, que comechón!), até era capaz de botar unha soneca. Pero de socato todo muda. Saben aquilo de que a un neno para que faga unha cousa hai que lle dicir que non a faga? Pois iso.

Logo fun tomar un couso cun dos meus J a falta doutro. El mandoulle unha cervexa, eu precavidamente un zume de laranxa (se bebes non conduzas, ou se conduces non bebas, nunca sei como é.) E ala, descalzarse, pantalóns da moto, calzarse, chaqueta, quitar lentes, pór braga, casco, lentes ao sitio, luva esquerda, luva dereita. Acelerar devagariño e na seguinte curva, pirolito fosforito e parella da garda civil en control de alcoholemia.

—Ensíname o carné de conducir, caballero?
—Señora, se non lle importa, axente.
—Ups! Perdón.

O benemérito ía morrendo de vergoña, pero era guapiño de cara e lanzal de corpo e dediqueille o mellor dos meus sorrisos.

—Tranquilo.

E quita luva dereita, luva esquerda, lentes, casco... os meus cabelos todos ao vento —é un falar. Doulle o carné. Xa sei que está a facer o paripé, que me vai mandar seguir sen facerme soprar. É que non falla.

—Bebeu alcol?
—Nada.
—Grazas. Pode seguir.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Divina eu

Hai textos e textos e textos e textos. A xente escribe, escribe, escribe, escribe. Punto. Ou coma. Ou punto e coma. Tanto dá. O mundo, ai, está inzado de libros, de follas de papel escritas, impresas, repartidas: follas mortas  (Oh! Je voudrais tant que tu te souviennes / des jours heureux où nous étions amis. / En ce temps-là la vie était plus belle, / et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui. / Les feuilles mortes se ramassent à la pelle. / Tu vois, je n'ai pas oublié...). Estaba eu así sen saber o que escribir e mira. Non, non hai sol, só neboeiro. Escribo. Que parvada. Reflexiono. Non, eu tampouco te esquecín, nin esquecín eses días en que eramos amigos. E é que non avanzo nada. Corrixo e recorríxome. O oficio apréndese lendo o que está ben escrito. É así: facilísimo, non? Teño días en que soño con palabras descolocadas que me descolocan sempre. O meu (castigo, destino, amor apaixonado) son os crecabezas de palabras, puzzles, enigmas, misterios de desenterrar ideas entre a ferralla, lustrar é dar esplendor, sen excesivos brillos, que cegan, matan, apampan pouco (masoquismo en estado puro, confeso, e non preciso penitencia máis), palabras como zapatos, cepillo, betume (cuspe en tempos de miseria), cepillo, pano. O sol daquela ardía máis ca hoxe, claro. Hoxe son eu quen abrasa. Hai días en que co rotulador vermello na man me creo Zeus: zas, zas, zas!

Vou mercar um boli-láser...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Testamento

Decidiu rescatar as lembranzas, desenvurullándoas dos labirintos arrevesados do cerebro, esticándoas como papel de aluminio, brillante e liso, nos detalles imprescindibles, imperdibles. Negábase a interpretar como causa dese abrollar da memoria a dor ou o cansazo crecentes, continos, pero era obvio que había un certo cheiro de disposicións derradeiras e de reparto ao ar da herdanza discreta. Talvez fose hora tamén de arrumar a casa e abrir as fiestras, que entrase o ar agarimoso do outono. A humidade e o balor non acaen nos ósos.

Escoitas telefónicas

Na aldea o mundo era simple. Tan simple que os teléfonos non tiñan nin dial (as teclas estaban en lista de espera para inventos futuros). Descolgábase o auricular e pedíaselle a unha case sempre señorita o número co que se quería comunicar. Na central, fronte a un panel inzado de buraquiños, a operadora tiraba dunha caravilla cun cable para fóra, metíaa noutro buraco e pronto, comunicación establecida: unha arte misteriosísima que eu espreitaba de ollos estartelados cando ía pola casa da miña amiga a atropelada. Alí nin o número se pedía, non porque non se soubese, senón porque parecía de mala educación tratar en cifras a quen tiña nome.

Un día, miña avoa mandoume chamar ao bar para preguntar se estaba alí meu tío, para que viñese á casa.
Descolguei e ao momento atendeume a voz da telefonista, a nai da Marimar (por máis que me mate, que me perdoe, pero non me acorda como se chamaba):

—Teléfono?
—Hola. Que me ponga con el bar del Jesusín, por favor.
—Te pongo.
—Quién?
—Hola, que soy la Sun Iou Mioucita, que dice mi abuela que si está mi tío por ahi*.
—No, por aquí no ha venido.

E entón, sentiuse a voz da nai da Marimar do Teléfono, incontenida, revelándose na súa misión de espía ao servizo do Estado:

—Que lo acabo de ver pasar yo por aquí...

Desde ese día aprendín que se quería manter unha conversa privada, era mellor non utilizar o teléfono. O da correspondencia aprendino máis tarde... pero iso dá para outra historia.

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*Si, falta o acento gráfico deliberadamente. Pronúnciase "ái".