terça-feira, 25 de novembro de 2008

Assombração

Será que infelizmente todo o mundo tem
uma árvore abatida no coração
ou que ambos pinheiros são o mesmo?
Também não é nada má a versão da história do Manoel Carlos.


Já antes de comprarem a moradia estava ali o pinheiro. Com os anos foi crescendo, engordando o tronco, espairecendo pelo chão as acículas e no ar o aroma da resina. Ninguém lhe sabia a idade: só que era velho e manso. Quando chegou a carta o dono da casa não acreditava. A denúncia da viúva desdentada que morava ao lado recebera sentença favorável e o pinheiro devia ser abatido porque lhe fazia sombra no jardim. Baixou ao garagem e pegou na motosserra. Colocou-se ao pé da árvore, circundou-a medindo os passos em volta, olhou para cima: na copa avistou um pisco que cantava. Saíu à rua e timbrou no portal da vizinha.

—Bom dia, minha senhora. Vai me ter de desculpar, mas está a fazer sombra na minha vida.

Entre o barulho do trânsito e o da máquina ninguém sentiu os gritos.

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Moral da estória: Até um cadáver ruim dá bom esterco.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Questão de honra

Miss Anyeska virara cínica com o tempo, mas não perdera o sorriso, antes ao contrário, conservava-o como um tesouro, consciente da sua valia, e chegara a dominar a arte de embelecar atacando sempre com o marfim dos dentes numa táctica irresistível. Havia, com certeza, gestos discretos que contribuíam a facilitar a submissão da presa, aparentemente inócuos e espontâneos, como a forma de cruzar as pernas, aquele ligeiro toque da língua partindo da comissura dos lábios a humedece-los inteiros para terminar adentando no inferior, ou o jeito que punha a alisar desnecessariamente a saia, por diante, num movimento de mãos destinado a concentrar a atenção do objectivo elegido. Método clássico e, todavia, infalível. Só quem arriscasse a afundar no verde triste dos seus olhos salvava a algibeira e a honra.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Qué va a ser, caballero?

Pois, si, xa non bastaba isto de asumir que unha xa non é unha rapariga, que a traten de vostede e incluso de señora. Tampouco son desas ás que cando alguén trata de "vostede" se defende cun non-por-favor-atúame, porque despois do choque inicial, ese que senta coma unha patada no cu, non queda outra que asumila e sempre lembro que cando tiña vinte anos, os de trinta (criaturiñas eles que me parecen agora), parecíanme anciáns decrépitos ao bordo da xubilación e agora até os sesentóns ao bordo da xubilación me parecen mozos.
Resumindo, que teño que máis que facer. Fun á Moinobreemoileal, por causas de choio, e como estaba na hora do café de despois do xantar, parei para tomar un, que sempre son dous, nun local que me dixeran que aínda estando da beira de acá facía café como se estivese da beira de alá. Total que aparco a moto á porta -non son unha incivilizada, non estorbaba-, entro co meu casco na man, a chupa posta, a mochila ao ombro, o meu metro e medio con todo o que ten que ter un corpo de muller, sen máis nin menos... e saúdo. O camareiro que anda a fedellar, arrombando non sei o que, responde case sen levantar a cabeza. Collo un xornal, e vou para a barra (son rapariga de barra... en fin, rapariga, quen me dera!, unha forma de falar). Entón achégase para me atender e cando vén a virar a curva dime, todo cheo el:
-Qué va a ser, caballero?
-Posme un café, por favor -E arrisquei medio sorriso, por non largar unha gargallada.
A cara do fulano, claro, até me deu pena, coitado, do que desinflou de golpe e sen terra que o tragase. Foi para a máquina e xa, sendo que parecía que era muller, seguíu porfiando nos roles establecidos, non fora ser o demo:
-Con leche? -case afirmando, coma con medio signo de interrogación se o houbese.
-Non, só, só -respondín, que unha con leite... só outras cousas.
Entón xa pasou a atuarme, pediume perdón pola confusión todo azorado, e aínda rimos un pouco.

Cando marchei, até me deu a impresión de que lamentaba bastante que non fose caballero, mira ti, e pudese chegar a ser algo máis ca café só.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Fogo!

O doutor Segismundo estava no gabinete com a porta entreaberta, a fazer de conta como era costume que despachava assuntos de vital importância. Na verdade, ultimamente apenas havia movimento, por mor das estritas ordens da chefia de só conceder empréstimos a pessoas de reconhecida solvência, e essas onde estavam? O bairro já não era o que era. Suspirou. Tinha desde ali um ângulo perfeito para controlar os funcionários e não tirava os olhos da menina Jennifer. Estava visto que ia ter de ser ele a dar o passo.
Pegou no auscultador do telefone e marcou quatro cifras da linha interna.
—‘Tou, sim?
Foi ouvir a voz cálida e grave e desatarem-se nele os mais baixos instintos, quer-se dizer, um calorão à altura do ventre, mais ou menos.
—Ehem, sim, menina Jennifer. Faça o favor de passar pelo meu gabinete.
—Ai, xôtor, vou sim! —Não demorou meio segundo a assomar pela porta— Dá licença, xôtor?
—Passe, passe. À vontade. Queria-lhe comentar um assunto. Mas sente, tenha a bondade, menina.
—Então diga lá, xôtor.
Ela debruçou-se deliberadamente sobre a secretária, colocando-lhe ao nível dos olhos o decote libérrimo que exibia aquela manhã. O director sofreu uma breve crise de estrabismo, que cedeu ao tempo que a menina Jennifer pousava com uma lentidão pasmosa o cu, a sacudi-lo como se quisesse varrer o pó da cadeira.
—Fogo! —exclamou calado o doutor Segismundo sem que se vissem labaredas por parte nenhuma—. Eu arder hei arder, mas a ti há-te ferver, rapariga!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Projectos

O bom de passar um tempo à sombra é que sobram horas para pintar as unhas de vermelho. Habilmente, como a mais veterana das secretárias, ia-as limando, com um tris-tris-tris que sabia que seduzia os vigilantes. Depois, agitava o frasco de esmalte entre as mãos, para o aquecer, fazendo tintinar o vidro contra os anéis. O guardinha, teso ele, em mais dum sentido e direcção, olhava de esguelha para dentro da cela. E dentro, ela sorria também de esguelha, acautelada, medindo cada gesto com a inteligência racional do sobrevivente nato. Fora estava um lindo dia de sol e Miss Anyeska tinha projectos de futuro. É que há outra classe de projectos?

sábado, 15 de novembro de 2008

Lima da Ponte










Miñas señoras e meus señores...
Xa está na casa. Chámase Lima da Ponte, nome de pedigrí para unha vira-lata, e para evitar a chanza: Lima limón? Non! Lima porque rilla moito? Esta si podía ser... pero non é! É Lima, como o río Lima!!! E mais um motivo para vos ter abandonados, por se fosen poucos, pero é que a pequena estraña moito a mamá Chispa, o papá Sur, os irmáns e o tío Les. Paciencia, que estamos en período de instrución... Hoxe demos moitos temas: o do nome, o do non, o de ir no coche e o de quedar soíña a chorar sen que ninguén lle faga caso... Que dura é a vida de dona!










Unha santiña é o que é.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Animaladas










Como non teño tempo para dicir nada nin nada que dicir nin que tivese tempo, clicade aquí e aplicádevos o conto! Non teñen desperdicio!!!

Grazas, Van e Fausto!

E non se me asusten, furricosos, que non fai falla saber idiomas para entendelos.

Ah, e o da foto sei que parece un porco, pero é un can. Claro que cando me dixo a finada da miña veciña, que non me deixa mentir, que co gasto que me daban os cans criaba un porquiño, respondinlle:
—Un porco, o que? Unha granxa enteira!

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Regreso á infancia










Hoxe levo o día enteiro con isto e isto na cabeza. Será que vou vella.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Polo si ou polo non










Ninguén me preguntou nada, pero se mañá fose o derradeiro día da miña vida, agora estaría onde estou para abrir mañá os ollos onde estou e fechar os ollos para sempre onde estou agora, como se mañá fose o derradeiro día da miña vida. Quen sabe se non é?

sábado, 1 de novembro de 2008

Véspera de defuntos redivivos










Cantiga de escárnio e mal-dizer à pimba
Natura fez de mim dama,
por isso se tenho fome
não procuro pão nem mama,
mas quem diga que me come.

Tu disseste: tenho manhas,
e esgrimiste competência,
falaste-me de façanhas,
eu ardi em concupiscência.

Prometeste dar a lua
se eu te dava a minha flor
e eu disse: dá lá essa tua,
que eu dou-te cá o meu penhor.

Presto tiraste a arma,
que eu presumia potente.
Foi só ires afundar-ma
e acanhou tão de repente,
que disse olhando o defunto:
É p'ra isto que estou nua?
E pronta a esquecer o assunto
pus-te no olho da rua.

Mas por não fazer um drama
e apagar a comichão
chamei-te de novo à cama
e tu não disseste não.

Começamos do princípio
e metemos mãos à obra.
Se mais não, deu para este rípio
e p'ra dar vida a uma cobra*.

E assim terminou a história
bem sepultado o morto,
pois não cabe maior glória
do que endireitar o torto.










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*Cobra1: Objecto em forma de cobra; pessoa perita no seu ofício e a sua arte.
*Cobra2: (Do latim copula, pelo provençal cobla) Ant. copla: Pequena composição poética, geralmente em quadras, para ser cantada.
(Fonte: Novo Aurélio Século XXI)