sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

E non me fechedes os ollos












Como parece os deuses están tan distraídos nos seus incestos, orxías e bacanais que nin se lembram dos mortais contribuíntes que por aquí andamos, turrando contra todo e nada, facede o favor de esforzarvos (uffff!) en construir un 2011 mellor, porque o futuro, non che me vos enganedes, somos nós quen o diriximos a cada paso que damos (ou non damos).

P.S.: Se celebrades o rito da pasaxe ao Aninovo com uvas ou pasas, tentade non esganarvos, que a familia e os amigos non teñen culpa ningunha da vosa torpeza.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

De sentenças de morte (e indultos)

Como propósito para o ano novo é mesmo nada disparatado. Vive-se tantas vezes, às vezes, sem dar por isso, pela vida, que incomoda. Sentir os dedos doer, por exemplo, e os olhos a perseguir sonhos é um exercício de concentração estrito. Não foi isso o que aconteceu ao touro. Quis não morrer na hora que lhe marcaram e fugiu. Mas assim morreram-o antes ainda, matado, a caminho do regresso ao matadouro, adormecendo-lhe o instinto, domesticando-o quimicamente para virar de ali a uns dias posta com arroz e salada, filet-mignon com batata a murro ou rabo estufado com ervilhas. Assim morremos antes da hora nós tantas vezes, às vezes, e no fim, miséria, só daremos boa janta aos vermes... ou nem, incineraditos, que é moda de poupar espaço, as cinzas a entrar por olhos e bocas e narinas alheios, raispartam o vento, rosmam os presentes cuspindo lixos do defunto.

Pois não indultaram o bicho depois de eu ter escrito esta porcaria? E agora faço o quê?! Mando o rascunho à lixeira? Vou ver eu se quando me chegar a hora me indultam também, e os vermes que se lixem.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Pestanejar na escuridão












A Poeta é incerteza, suma sacerdotisa do paradoxo ponto ela ou dúvida que arrasta à pesquisa dissecante pelo território trépido e fluido dos significados. Assim é que oscilando dissolve interrogações para atingir espaços acústicos que são ecos pelas margens dos ouvidos, espelhos nos horizontes dos olhos e no hálito pulsátil dos lábios, um tremor de oásis. A leitora segura-se nas velas páginas à distância pouca dos antebraços telescópios e enfuna em orgulho, vasto, a húmida estreiteza do peito (transido de nevoeiros) que estoira num foguetório sinfónico, por ser ali, numa página ímpar, nome que se escreveu em digressão e cursivo, por primeira vez, tinta em folha-papel de livro-poemas, sombra clara.

Obrigada, Suzana ―era sem tempo que eu dissesse.

: Descartes aconselhou-me a duvidar de tudo, mas duvido dele e apetece-me não questionar algumas vezes; e gosto desta dúvida ―dá-me uma espécie de asas; dói-me, contudo, aristocraticamente a cabeça e escuto zumbidos transversalmente ao silêncio e ao meu pestanejar na escuridão; pergunto-me, pergunto-me sempre: da própria incerteza. do sentido da dor. da subsconsciência dos sentidos, das ignorâncias, da ignorância da ignorância. do caminho da liberdade. da via do compromisso, dos trilhos do apego. dos desvarios do controle. dos sacrifícios dos orifícios. do que Deus estará a fazer. e fico incerta, insecta, zunindo em torno daquilo que julgo ser a minha cabeça
Suzana Guimaraens
"Dispersões insones" (excerto). Parodox.sou (2010)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Durmir













Espertou na mesma postura en que se lembraba a fechar os ollos, con el a protexela do mundo, abrigándolle as costas e a desistencia. Nove horas. Seguidas. Sen unha miserable dor que a arrancase da cama no medio e medio da noite ou co sono tan profundo que os vidros ciscados polo sangue non deron quebrado a suspensión da consciencia. Nin un pesadelo de corredores en penumbra que se abrían a abismos, resplandores. Nin un soño en tons grises de conquistas compartidas. Falaba de si en terceira persoa, como se fose personaxe ficticio en filme alleo, porque cando prendeu o ordenador, no ceo da boca o amargor do café chirlo con que eludía a prescrición médica e a dozura pesada dos figos secos no centro da lingua sobrepostos á pasta de dentes, aquilo parecíalle mesmo sobrenatural. E nunca crera en nada que excedese a natureza simple do palpable. Nunca?

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Os livros, sempre



BARRETO NUNES, Henrique. Amigos Maiores que o Pensamento. Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. 2010





No passado 21 de dezembro, o Henrique Barreto Nunes lançou uma colectânea de artigos e textos em volta das suas lutas e dos seus livros e que dedica, parafraseando o Zeca Afonso, aos seus amigos.
O volume, publicado pela Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, foi apresentado na sede desta pelo geógrafo Álvaro Domingues.

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Improviso para saudar numa ca(u)sa um grande Amigo...
Para o Henrique Barreto Nunes

Deixa que nesta noite polar
a memória ocupe o pensamento todo
e não sobre lugar na mesa
para mais ninguém
foi aqui (lembras-te?)
que interrogámos o destino
e o ganhámos
talvez tudo o mais tenha sido em vão
menos aqui
nesta antiquíssima liberdade
que nenhuma ruína calou
nenhum esquecimento.

Ademar Ferreira dos Santos. Em Abnóxio
08.01.2010

domingo, 26 de dezembro de 2010

sábado, 25 de dezembro de 2010

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Aparecem-me cadáveres

Pronto, para aqueles que não tiveram hipótese de iluminarem o seu desentendimento com a leitura em papel, já está disponível em versão pdf a história verídica que o pessoal de Novas da Galiza arriscou a publicar-me.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Regresso ao passado

Não, não ando com saudades doutros tempos. É só que ontem fixem um experimento científico: fui ao Porto pela EN13 desde Viana do Castelo: 70 quilómetros em duas horas e meia. Prodigioso. O total do percurso, 110 quilómetros em três horas.

Em 31 minutos fiz o trajecto que vai de minha casa a Viana do Castelo, pela A28 (incluídos aqui os caminhos da aldeia, a ponte e uma parte pela EN13 desde Cerveira até à entrada da A28 em Lanhelas, uns quarenta km). Depois, já no lusco-fusco (felizmente sem chuva), trás atravessar o Lima, saí em Darque, mas ao não encontrar indicações para seguir para o Porto (havia uma estrada cortada, talvez era esse o caminho?), voltei para a A28. Passei pelo primeiro arco a sorrir e penteadinha para a fotografia e abandonei a via CCUT na primeira saída. A partir de aí fui tentando não atropelar idosos com carros de mão ou de bicicleta, vestidos de preto rigoroso, quem sabe se prêt-a-porter para o seu futuro enterro, e parando nas passadeiras, tudo como é devido, sem livrar o Estado da carga onerosa dalguma (miserável) pensão de reforma. A velocidade nunca era muita: por três ou quatro segundos e só em duas oportunidades consegui colocar o carro a uns vertiginosos 70km/h, que quase me iam descolocando a queixada. Do resto a velocidade de cruzeiro era, aparentemente, de 50km/h, mas pelo troço que atravessa Póvoa de Varzim e Vila do Conde, sempre em primeira, em arranca-pára, até os sapos iam mais rápido. A última vez que olhei para a velocidade média TOTAL do percurso, pouco antes de passar às vias de acesso ao Porto, era de 50km/h, que com certeza deveu descer, pelo muito que demorei a entrar.

Para mim foi uma aventura que levei com muita paciência e música. Mas há quem tenha de fazer isso cada dia...

É lamentável não existirem comboios com mais frequência, porque visto isto, as duas horas que se demora da estação de Vila Nova de Cerveira à de Campanhã no Porto levam-se muito mais descansadamente.

(Não digam a ninguém, mas voltei pela A28: 1 hora e 10 minutos, desde que arranquei o carro no Porto até à minha casa.)

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Depois de ouvir as notícias, quase é melhor assim: 50 km/h sempre.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A preciosa inutilidade da poesia










A poesia não precisa de ser útil. É no valor imenso da sua inutilidade que se fixa a sua importância. As imagens que possa oferecer ―como quem diz, o dia que se inicia com jogos malabares de pedras, corações-calhaus a dançar no ar que a ninguém alcançam, a ninguém ferem, ninguém é ninguém que passa, o chão que os recebe, prontos para mais um amanhã: a circular persistência do sonho inatingível― podem ser uma verdade qualquer, e a verdade tem frases assim que tocam (música).

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projecto de vida

de manhã
jogo calhaus ao ar e
faço o cômputo das pedras
que não ferem nenhum passante
os passantes não passam
as pedras estão no chão e
os calhaus cairam todos
novamente

Ana Saraiva. 19 de dezembro de 2010
(Versão para português de María Alonso Seisdedos)

domingo, 19 de dezembro de 2010

O silencio roto da Rosa





Será que as rosas de inverno falan?

sábado, 18 de dezembro de 2010

Alguén que poña orde nisto

Dígovos que no meu eido, a estas alturas de decembro, hai rosas. Rosas.

Flipo en cores, tons de rosa.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

¡Felicidades, Profesor!

Sei que ele não vai ler isto, e com certeza (lá vão tantos anos) nem se lembrará de mim, mas eu cada vez que me cruza a palavra "professor" pela mente é este homem que lhe põe imagem e som.

Os outros mestres

Uma loja de ferragens decente é um naco de paraíso metalizado. (Fosse o mundo uma livraria, uma loja de ferragens e mais um rio de águas bravas, eu pedia para mim a eternidade no aquém.) Desde a porta até ao meio fundo há metros cúbicos de prateleiras que estreitam os corredores. Ainda não alcancei o balcão e já a menina me interpela intuindo a minha insegurança.

―Eu queria ―digo― uma coisa que não sei se têm aqui.
―Temos ―responde e, revelando o caminho à imensidade, manda-me descer as escadas.

Desço e peço pela minha boca o que o funcionário, sem hesitar no labirinto, mostra. Tomamos medidas e ele explica-me qual a maneira de montar a engenhoca, como quem dá uma aula à minha ignorância com a paciência e sabedoria duma escola antiga.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A resolução do problema

―Já imaginou o que seria beijá-la?
O homem escancarou os olhos como quem abre os postigos da mente à luz. Cegou-se.
―Eu...
―Não, assim não. É ela o primeiro, o preâmbulo, o sonho. Só depois, e nem sempre, vem um, o próprio.
O homem calava, embaraçado, e a nuca carregava-se-lhe com o peso do mutismo, o olhar enterrava-se, as mãos contorciam-se, a vergonha crescia reconhecendo-se.
―Imagine então que ela entra na sala quando ninguém mais está, só o senhor e o luar que tudo invade ao abrir ela a porta.
O homem tem no peito bastantes cavalos que o destroçam e abafa um grito, a ansiedade.
―Só eu?
―E o luar, disse.
―Só eu e o luar.
―Isso. Mas o luar apaga-se logo, quando ela fecha, trás de si, a porta ao mundo. Aí é a escuridão.
―Não pode haver, que só seja, uma vela a arder, num canto, que ilumine o seu vulto, o dela, e o embale no seu oscilar?
―Pode.
―Então, sou eu, o luar que já não está e mais a vela prendida num canto ―sussurrou o homem, o hálito avivando a chama da fantasia no ventre, nos pulsos.
―E o vulto dela a flutuar, derramando um perfumo à fêmea intocável ―avançou a voz sobre o homem, que quase ia asfixiando no odor que o investe e o repele.
―Intocável? Intocável porquê?
―Não porquê, mas por quem, ou melhor, para quem. Para si. Repare: a covardia prendeu-lhe as mãos.
O homem tenta disfarçar a turbação engolindo o sapo, que por sua vez devora toda quanta réplica lhe acode ao estômago. Até que enfim o silêncio se estremunha na penumbra puxando o fio dum gemido da garganta sufocada do homem.
―A covardia aproveita a debilidade para tirar nenhum proveito. Não tem nada a fazer. As mãos nunca obedecerão um mandato frágil. Mas eu perguntei se já imaginou o que seria beijá-la e o senhor não respondeu.
―E como a havia de beijar se nem tocá-la posso?! Ah, pronto, perguntou se já imaginei...

Ao fundo, onde nenhum arquitecto pensou em traçar um vão, ardia uma vela de que escorriam lágrimas pela sua própria consumpção, enquanto o fume tingia de vermelho líquido os olhos do homem que estava no chão sentado. De repente, a porta abriu-se e no contraluz recortou-se uma figura cujo cheiro assaltou as narinas sôfregas pela espera. Reconheceu a fragrância que, claro, era inebriante e pungente. Ao fechar ela a porta expulsou o resplendor tíbio que o luar propiciara. À luz da vela a sombra da mulher adiantou o rosto, acordando ondas de desejo além daquelas paredes secas e desenhou no homem um reflexo canino: este arrancou com os dentes lábios e língua e cuspiu-os contra o sorriso trémulo da quimera.

De costas ao infinito

Talvez esa noite o tempo se detivo sobre o escritorio en que redactaba as súas memorias inventadas. Cando o día se espreguizou, non canxaba a luz de fóra coa das cifras que indicaba o espertador desconectado. Xa perdera a conta das horas que levaba morto... ou eran anos? Xoán Lobo Vieira achegouse á fiestra a descorrer as cortinas. Nin lle feriu a claridade nos ollos sen pálpebras, desasombrados. Que facer?, dixo en voz alta (e sooulle á pregunta mítica). Sobre a cama que xa non usaba estendíanse dezasete camisas lavadas, engurradas coma a súa pel antes do óbito. Pasar o ferro sempre lle parecera unha perda de tempo absurda. Por iso, foi ao cuarto dos trastes, colleu a táboa e o ferro, volveu ao dormitorio e de costas ao infinito, estirounas ben estiradiñas, unha tras outra, devagar e con esmero, coma se o mundo fose acabar.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Criatura











Nasceu um blogue que não é mais um, antes é UM muito especial para mim e que faz parte do melhor legado que nunca sonhei receber.

Chegou a hora de ouvir a voz que nasce do pensamento da Maria Garrido.

As marcas no rostro

Digo que na historia a violencia, a visual e a oculta, é brutal desde o primeiro instante, e por iso, tal como afirmei onte á noite, camiño do coche, pola húmida beira do río Miñor, esta mañá, que xa durmín desacougada por pesadelos de colleita propia, non entra nos meus cálculos repetir sesión. Digo, con todo, que é unha película imprescindible na memoria de calquera amante do cine. A interpretación extraordinaria do rapaz protagonista, o proceso de transformación interior que asoma ao seu rostro, merece, ao meu xuízo hoxe aínda estremecido, o bater de asas en aplauso de centos de paxaros liberados.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Cadeiras, bonés, batatas... uma visão (pintura abstracta*)










Era essa a lista da compra para uma sexta-feira de dezembro. Tantos quilómetros para isto. Um chocolate quente em Verín, com churros: paragem tópica obrigada. Depois um troço pela A-75, recente o asfalto (só por vê-la, que a gente já sabe que leva ao casino e não íamos vestidos adhoc-uadamente) e retorno à estrada velha, à fronteira abandonada, Feces de Abaixo - Vila Verde da Raia. Até que enfim, Chaves. Estacionamos. Atravessamos o Tâmega, que nem repara em nós, no olhar de nosso a deslizar, céu contra água. Azul de inverno, está um dia bom, até que mesmo bom, de passeantes, ciosos, ociosos, flâneurs que contemplam nas montras nada de nada, ou aí que sim, chapéus, o capricho: dois bonés por un módico prezo... talvez, que a loja fecha já, nós depois voltamos, voltaremos após o almoço.

Ei-lo: presunto, sopa (de legumes), salada de bacalhau ou alheira com grelos, leite-creme, tinto e broa. Assim tudo, todos, tão nós de ementa turística, e o sotaque brasileiro do empregado, a música. O gajo, um dos gajos, que se levanta com a desculpa de ir mijar e paga a conta ―pouca finura para tanta gentileza.

O café num café que cheire ao café. Três. Um por cada. Chega e já foi de mais. Paga-se ao balcão.

Os bonês, então, foram dois e mais a conversa: total, meia hora e quase não nos deixávamos largar com a história do chapéu de pêlo de rato (!), em Lisboa, nessas lojas tão careiras cento e vinte euros, quando aqui... Aqui agora fiquem vocês com a curiosidade desconfortável, que eu não digo (mas a senhora disse, sou eu que não digo).

As cadeiras, seis, máximo de comensais admitidos em casa nova, fique assim claríssimo, depois não digam que também queriam. A mala e a estratégia da disposição. Uma cómoda que ficou atrás, que a carrinha é grande mas não é camião.

Passa-se a fronteira e agora é sim, desvio a Riós, a vez das batatas. Vermelhas. Reviravoltas da estradinha até Piornedo. No cu do mundo, num deles. E afinal, haviam-de lhas dar, as batatas, aos porcos, que eles, que as plantam, que as sacham (regar é que não, antes regavam, antes toda a gente regava as batatas, agora ninguém as rega), só comem das brancas, ou só come das brancas o homem, porque a mulher cozinha-as, não as quer (ou não as pode querer?), são para os porcos e para nós. E um saquinho de castanhas, de primeira. No Natal irão a Barcelona, a casa dos filhos, de autocarro.

E nós continuamos o regresso. E atravessámos a fronteira, mais uma vez, em Valença. E jantamos. Nem merece a pena dizer o quê. Excessos nem se contam em público. Ou não haveria caixilhos que chegassem para esta tela.

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* Não tenta aqui ser arte, é apenas a falta dela. Estou desinspirada.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Recado

E tu não escrevas, não! Aparece e desaparece conforme... conforme? Inconforme! Ou será desconforme? Perco-me nos prefixos enquanto tu ―tu, sim, não esquives o olhar, não me interrogues, mudo, é comigo? Há alguém mais aí por acaso? Deixa-me acabar uma frase ao menos! Dizia que estás guadiânico, mas é novidade isso? Pois, sempre estiveste num surjo-sumo e vocês (ou seja nós com o eu de mim dentro) fiquem aí com sede de beber, que esta água ninguém bebe a não ser que eu (eu de tu, tu a pensares, se pensares) diga bebam, me der a beber, bebam-me, ponham o gelo. Dizia que apareces e desapareces e não és lua nenhuma tu para ter a terra inteira à espreita dos teus movimentos elípticos, os teus claro-escuros de cara oculta e mostrada, nocturnos, iluminados, assombrados os lobos todos aqui a uivar a tua inexistência ausente, e tu aí, ali, não, no além duma nuvem, afundado, acenando, bezerro de ouro, digo de letras mentidas, ouropel nos mercados, pedraria esplendorosa e vadia pelos firmamentos, universos do nada. Dizia... dizia o quê? Ah, sim, não escrevas, não, digo, escreve-te, corpo devassado, deus que se cria do verbo, esculpe-te em barro-embuste e levanta paisagens, reinos animais e vegetais, apsicologias diversas, esfuzia gritos como metralha (e os seus silêncios fundos que estremecem os ninguéns que escutam), nunca cales tanto tempo que o tempo cale, ouviste? Pronto.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

49: o presente

Uma cifra qualquer é o que é, um dia em que sempre chove desde há tantos anos, anos que agora, vistos de aqui, parecem nada: nada não como no tango, apenas nada como nada: o passado é um invento, uma criação necessária para segurar os pés à beira do precipício que dizem futuro.

O presente, porém, existe mesmo: foi-me oferecido e está aqui.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O suicidio do periquito (conto de Nadal)

Espertaba así, con ansia de non espertar, a cama a termar dos membros grávidos, os ollos negándose á luz, unha lentitude de tempo que se descomprime, de baleiro inflado que a pouco máis estoupa. Sede. Azucre, os niveis de azucre subiran e rozaban, pérfidos, o límite. Un día destes diríanlle:

―Andas a comer o que? Acabou o azucre. Tes diabete.

Había unha lata cun anaco de turrón do duro aínda na cociña. E talvez fose iso o único que a empurrase a rebelarse, a abrir os ollos, por fin, calzar as pantuflas, agarrarse ás paredes, cambalear sobre o chan, vacilar sobre a vida, camiñar, descender polas escaleiras ben suxeita ao pasamáns para non caer, non tombar no absurdo, árbore fráxil que corta o paso no escuro. Na cociña arrímase á billa e o son da auga nin tintina no fondo do vaso. A avidez da secura que se suspende cando o ve: mergullada, bico abaixo, a cabeza no bebedeiro dos pardais, as asas estendidas contra a pedra do beiril nun voo raso truncado, o brillo das pingas a escorregar polas plumas, deitado, hirto, inerte, duro e lixeiro nunha consistencia de pedra pómez, como turrón... Lembrouse do turrón na lata e foi como se entre os dentes lle triscasen ósos, dentes de chacal quebrándoos.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Estado: invísivel

A poeta futurista dum século passado atravessa com uma sombra ao lado o vestíbulo do teatro em direcção à sala onde se vai concelebrar um recital poético e um nu integral. No caminho, que nem é tal, antes passagem, um editor pedrês de abrigo azul, com um chocolate em cada mão, detém a poeta e oferece-lhe o chocolate da mão direita e um sorriso. A poeta, que nem gosta de chocolates, hesita, devolve o sorriso, toma o chocolate também na mão direita e dissimuladamente deita-o ao lixo, de onde a sombra com a mão esquerda, num gesto discreto, o resgata, o desembrulha e, antes de introduzi-lo na boca, diz:

―Gracias.

O editor, pedrês e de abrigo azul, a suster uma perna no ar e um chocolate na mão esquerda, lança um remoque à poeta, futurista e dum século passado, que leva uma sombra ao lado:

―E então? Agora falas castelhano?

Ninguém responde. Ensinaram-lhe a não falar de boca cheia e a não dar muito nas vistas.