Prova de que a poesia não me (nos) faz melhor(es) pessoa(s)
É, já foi dito, domingo de entrudo. Escolho o canto mais apartado, que tem por ali à solta duas crianças a engrinaldar tudo quanto é mundo com serpentinas ao tempo que a mamãe ralha nelas com inhóspita correnteza de voz e proveito zero (o pai, ao que parece, é felizmente surdo ou de espécie muda... e quase ainda bem). Porém (ei-lo, como previsto) terei azar. Chega agora a priminha com os pais ―beijos, alaridos e abraços― e os três putos resolvem deslocar a bagunça justamente (engulo cuspo, pigarreio para temperar a secura da garganta) por tris-trás de mim, para uma zona, sedutor o chão tapizado de seixinhos brancos, a que uma fita atravessada no vão sem porta supostamente veda passagem sob pena capital nenhuma (pena!, franzo o sobrolho, a alma encrespa-se-me...). O Huguinho e a Mariana, travestidos de punkie (com muletas) e ratinha Minnie (com orelhas), respectivamente, entretêm-se com a Fada (com chapéu) Cor-de-Rosa Helena a remexerem nas alvas pedras e procuram, sem pejo nem sigilo, tesouros!!! (vidralhada multicolorida, enferrujadas caricas finiseculares, alumínicos anéis de indegradáveis abrefáceis..), acompanhados pela gritaria já-se-sabe improfícua que a mãe arremessa por cima da minha paciência: que não fossem sujar as mãos, nem os vestidos, que era, aliás, aquilo em que o trio em venturosa impunidade se empenhava, aproveitando a parede que cega a materna pose vigilante. Entretanto, pugna o monstro em mim: sangue num ferve-não-ferve, blups-blups, babas que fermentam sob a língua, bafo a assomar pelas narinas fora, escamas que se excitam sobre a palidez verde da pele... Herodio-me.
6 comentários:
E explodiste ou não?
A fiel narração dos factos não se fica por aqui, Rafeiro. É um drama em três actos.
Abracinho assustador!
Há dias assim, em que não se consegue sossego para ler um bocadinho descansada... Mas ainda vem terceiro acto? Fico a aguardar os finalmente... :)
Beijoquitas!
Ora essa! tanta tensao!! Venha, fala! Com certeza que fizeste de ogro e saíste ameaçante a perseguir a infantaria... o que se passou?
Nem sossego há para o terceiro acto, Teté. Paciência.
Ainda não sei o que se passou, Pau. Tenho de matutar a ver.
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