domingo, 28 de novembro de 2010

As palavras não voaram

Ou de como uma conversa privada virou pública

Era sábado de tarde, ontem, e fui a um encontro de que regressei de certa maneira desiludida. Ou não. Em qualquer caso, culpa minha, que decidi não renunciar ao passeio diário com os cães monte acima, monte abaixo e (uma) margem do rio e monte acima de novo: encostas. Perdi a melhor parte, que era o "Poetas na rua", com o Isaque Ferreira de coordenador, a quem já vi/ouvi várias vezes nas Quintas e (julgo eu que) é um excelente dizedor de poemas, o melhor que eu conheço, ai, isso é: não que o meu universo de dizedores de poemas seja amplíssimo, mas um número nem bom nem mau deles já ouvi. Cheguei, pois, só(-zinha), ao que supostamente era um lançamento de livros, mas foi apenas um desventramento (as palavras, dentro dos respectivos livros, não voaram), lições de teóricos do acto de poemar, estudiosos de vidas e obras, leitores-inquisidores de cartas alheias, já se sabe, e eu sem espingarda nem faca de matar porcos à faca (agora matam-se com pistola e, diz-que ―aos porcos ninguém perguntou nem depois de mortos―, é indolor). Não se assustem: são alergias minhas a aulas de literatura. Nada de grave para o mundo.

Depois estava o Adolfo Luxúria Canibal, que disse quatro ou cinco (ele disse que diria quatro, mas eu contei cinco, só que não contei pelos dedos e eu na aritmética perco-me) estilhaços-poemas do Cesariny (Mário), com piano (que teclava o António Rafael) e contrabaixo (a dedilhar, acarinhar, pelo Henrique Fernandes), mas a música, que era para ser fundo, passou a primeiro plano, abafando a voz. Aliás, estava lá muito público, e a menina Sun Iou Miou, que é meio metro e uma polegada de gente, deixou-se ficar para atrás: gosta de se encostar numa parede, pelo menos uma zona do corpo protegida de alentos e contactos afísicos indesejados, península.

Mas finalmente estive a departir com um casal de amigos (de amigos meus, ambos, digo, que enquanto casal ela é a mulher dele e ele, o homem dela) e apresentaram-me inúmeras pessoas ―a que dei a mão ou beijei, consoante a nada―, que nem irei lembrar a próxima vez que as vir, nem elas, seguramente, a mim. E convidaram-me para ir a Braga, ao Museu de Arqueologia, que haverá lá um recital no sábado vindouro. E eu irei, mesmo que me pese na lembrança demasiado o café que bebi ali, no dia da consagração, quase a correr (acabaste?), porque não se podia fumar dentro.

E foi bom, contudo, com tudo. As palavras afinal ninguém as prende.

7 comentários:

Sun Iou Miou disse...

Para mim é um honor ser roubada por ti, Rosa, mas agora que fiz testamento, talvez os meus herdeiros decidam processar-te sobre o meu cadáver.

Mas fiquem sabendo os sacanas dos meus ricos herdeiros que subscrevo ponto por ponto a dor (muita) da Rosa Oliveira aqui descrita.

r disse...

não consigo soprar nadinha. estou sem fôlego.

Sun Iou Miou disse...

Em postagens próximas, Rosa, se calhar, incorporarei um sistema de ventilação assistida.

Kapikua disse...

Gosto da forma como a tua alma fica marcada de cada evento que lhe dás a assistir!

Beijo grande

Sun Iou Miou disse...

Eventos não, peloamordedeus, Kapik, eventos não! ;)

Kapikua disse...

não tem de ter conotação social!

tu é que lha deste, sua preconceituosa

Sun Iou Miou disse...

Não dei conotações nenhumas, Kapik. Eu é que detesto a palavra "evento". (De aí, confesso-me preconceituosa.)