quinta-feira, 17 de junho de 2010

Café à sombra em que vence à Salomé o Jodorowsky










Desviei a derrota com propósito de almoçar na Póvoa, mas fui indo-me sempre em frente e foi na Vila que descavalguei. Arrisquei num tasco qualquer que me pareceu bem, pequeno, à minha medida, e não sendo mau, nem grande, nem desmesurado, esqueci apreender o nome para não programar regressos. Rumei mais tarde na procura dum aroma turvo, cor castanha ao lusco-fusco, centrípeto, à sombra duma esplanada e mar de fundo em todos os sentidos. Pequei, sim, pequei contra mim própria e quando acheguei às narinas a chávena morna, quase ia desmaiando de prazer: só o pudor e a falta de mordaça me abafaram o grito entrecortado.

Eis-me sem borbulhinhas de Pedras fresca coma cócegas na boca que me façam rir-te. Eis-me sem ti para me protegeres do assalto dos pedintes que brandem como carta de referência o deus desleixado de que descri uma tarde qualquer sumida no remorso duma culpa não minha, como agora sumo numa alternância de vozes de impulsos contrários até que enfim me vence a palavra antiga do náufrago enquanto afogo a da esperança luminosa que não mais me cega.

Perla sola
La voluntad de crear al mundo
no es tuya,
es una culebra que desciende
de la impensable bruma
para inocularte
por debajo de la mente
el veneno de los números,
sueños sin límites, balbuceos de niño,
océanos muertos, cometas epilépticos,
esqueletos más líquidos que el agua,
mil láminas de mustios universos.
Todo esto
consolidando el sufrimiento
crea una perla.
Inmensa perla
que a altas horas de la noche
mientras te esfumas dormido
cae de tu boca y gira
en la oscuridad
gestando el engaño
del nuevo día.

Alejandro Jodorowsky, Pasos en el vacío


e bastava isso para que todo o meu corpo
se estilhaçasse

Ana Salomé, excerto de "Ode veloz", em Odes

4 comentários:

Anónimo disse...

Pensavas que eu não vinha mais por aqui?

Venho sim.

E fico contente pela tua produção.


Ando cheio de trabalho mas logo logo vou ficar mais tempo com tuas palavras e teus temas lindos.
Mil beijos

Manoel Carlos

ella disse...

dos días en traducir, imposible interpretar, pero no importa: es bello, no necesito entender.

Sun Iou Miou disse...

Pensava mesmo que não vinhas mais, Manoel Carlos. Alegro-me de que voltasses. De qualquer maneira, se continuas a vir, repararás... os temas lindos já não andam muito por aqui e talvez então não gostes nada. Acho que até deveria mudar o subtítulo do blogue.

Sun Iou Miou disse...

Así, por riba, Ella, digamos que nunha escapada ao Porto, parei a comer en Vila do Conde. Mentres tomaba café (do que non podo abusar, e por iso, cando tomo un e dos bos é case unha éxtase...), terminei de ler os dous libros de poemas que levaba na mochila, diamentralmente opostos: un luminoso, dunha rapariga que aínda cre no amor; o outro, negro, como eu. E gústame moito como escribe a Ana Salomé, pero... non teño corpo para iso.

Espero que agora o entendas mellor.