quarta-feira, 8 de julho de 2009

Não há café













Nem acreditei, de primeiras, quando me agredindo com o sorriso tímido de costume, ele disse —seus olhinhos verdes a destacar na pele morena do rosto de menino lindo, lindo, que não quer crescer, todavia o corpo e o tempo mandaram, a gente obedece a passagem dos dias sem remédio reflectida em barbas e avultadas evidências:

—Não há café.

Eu, como digo, julguei-o brincadeira dele, menino grande, a confiança mínima assentada de tantos cafés servidos, agora basta um aceno, palavras pronunciadas nos lábios mudos e no entendimento, que já nem são precisos os com-licenças tantos nem os muitos obrigados, os sons substituídos por olhares e sorrisos, as consumições servidas na esplanada devem ser pagas no momento, he, não é connosco.

—Não há café?! —inquiri incrédula, as sobrancelhas tão arqueadas, que a testa sumiu.
—Não, não há —sempre o sorriso, agora já menos tímido, desculpando-se—. Houve uma avaria, tenho o bar em obras. Fiquei sem água.

O silêncio podia-se cortar a catanada. Nem as moscas se ouviam —com certeza nessas horas também não tem muita mosca a chatear a vida. Era ciente de que o resto dos fregueses nos observava, solidárias vítimas da afronta, aos pés o Lucho, o cãozito que vem cada dia a me cumprimentar, ávido de cheiros nos baixos das minhas calças. As conversas, se alguma havia, suspenderam-se e os pardais encresparam as penas, como cheios de frio, todo o calor em mim concentrado, subindo-me à cabeça, e eu: tranquila, tranquila, rapariga, calma. E assim, com toda a calma, levei a mão à mochila, tirei a faca de matar porcos e de pulso firme, sereníssimo, espetei-lha no pescoço (na jugular disque disseram depois que lhe atinara), que não houve maneira humana de eliminar a mancha de sangue que me estragou a camisola preferida, brutal o esguicho que largou.

—Então não há café? —sussurrei, a indignação contida—. Por hoje passe, mas outra dessas não te aguento.

__________
P.S.: Não, não se assustem. Isto não aconteceu assim. Na verdade, resolvi pedir uma Pedras e sentei resignada, mas enquanto tentava ler, nem por um instante deixei de pensar no café que não estava a beber, imaginando esta cena toda, tintim por tintim. Então pensavam que a gente anda por aí com uma faca de matar porcos na mochila? Era boa! Isso sim, hoje levo-a e que arrisque a dizer com esse sorriso bonito e os olhinhos verdes, o morenaço giro, que não há café...

24 comentários:

Anónimo disse...

Bom dia,

Tento perceber de onde es, pelo portugues ligeiramente danificado, quase perfeito. Galicia?

nf

Sun Iou Miou disse...

Ihhh, Anónimo! Português ligeiramente (só?) danificado! Obrigada, pensei que era pior. Sou da Galiza, sim. Há por aí à direita, uma fotografia, da que se pode deduzir o lugar exacto onde moro: é só atravessar a ponte da Amizade.

***

(Chamado urgente aos meus correctores anónimos e nominados! Acudam-me!!!)

Anónimo disse...

Nao eh grave. Estou certo de que o teu portugues eh muuuuuuito melhor que o meu galego :)

nf

Sun Iou Miou disse...

Nem assim respiro, NF, o apelo aos correctores continua vigente. (`_^)

Anónimo disse...

Eu posso ajudar :) Tens alguma forma de IM? Como MSN ou algo do genero?

nf

Sun Iou Miou disse...

Tenho, NF. No meu perfil, vem um endereço electrónico. Se me escreveres aí, eu dou-te o do msn. Mas também não o tomes como um compromisso. Só se não tiveres nada melhor para fazer (e que triste seria!) (`_^)

E eu para que te estou a mandar ao meu perfil? sunioumiou@gmail.com

Teté disse...

Oh, Sunzinha, andas a ver muita Ally Macbeal (não sei se é assim que se escreve, mas não estou para ir procurar), não andas? Ela é que passava a vida a imaginar "sanções" dessas às pessoas que a contrariavam... (`_^)

E morenaços giros, de olhos verdes e sorriso bonito amam-se ou deixam-se, não se matam... que é um desperdício!

Beijoquitas!

ps - também já te tinha dito que o teu português é muito melhor que o meu galego, né? :)))

Sun Iou Miou disse...

Pois, olha, Tetezinha, que gostava muito da Ally McBeal (é assim que se escreve -eu sim fui "confirmar" que escrevera bem, hihihi!, não posso evitar) nos tempos em que via mais televisão do que agora, que é um quase nada. E não pensara nisso, mas é assim este texto e sem ter de salvar distâncias: allymcbealizante.

Mas digo-te, que adianta um homem ser bonito se não é capaz de servir um café?! E quando chegue a parte da viagem em que falo da minha passagem por Nazaré, vais compreender isto. Já não devera tardar. Café, Nazaré, ora, isto dá um poema!

Ai, sim, também eu acho que o meu português é muito, mas muito melhor que o teu galego, nisso concordamos! (`_^)

Beijoquitas sou eu que te dou!

llll disse...

guau!

Sun Iou Miou disse...

Oi, Sara Jess, o teu son máis as imaxes ca as palabras? (Eu sei que non. He!)

Dáme a mim que nos imos ver algún día deste mes, ou? O Filminho xa está aí!

La queue bleue disse...

Hehehehe, a verdade é que nom se pode dizer que algum olhos verdes ou similar nom o merecesse!! :P

Sun Iou Miou disse...

Aínda ben, quédanos a escrita para liberar paixóns, LQB!, se non os ollos verdes estaban extinguidos na humanidade...

João Paulo Cardoso disse...

Olha, olha, o usurpador de comentadoras eldoradenhas já anda por aqui, qual ave de rapina...

Quanto à história impregnada de caféina, ficou confirmada a exigência das mulheres, para quem não chega um morenaço de olhos verdes, ainda exigem café (quiçá com natas).

Err...

Isto soou estranho.

Vou sair de fininho.

Bicos.

Sun Iou Miou disse...

Pois, Joãozito: ele já me mostrou os dentes, impolutos.

E de natas e açúcar dispenso, fica sabendo. Café é café e mais nada.

As natas é noutra parte (uiii, isto soou ainda pior). Vou eu saindo também, que estou a precisar de açúcar, mas é no cérebro.

Beijitos

João Paulo Cardoso disse...

Boa.

Saímo-nos bem desta.

Beijos.

Anónimo disse...

Invejoso :)

Mas no meio disto tudo, uma rubrica tipo "Ponto de Encontro" acenta que nem uma luva no teu blog, uma vez que se conhecem lá pessoas bem interessantes!

nf

Sun Iou Miou disse...

Ui, alguém foi tratado de invejoso duas vezes num lapso de quinze minutos.

Já reparaste, NF, como é feio andar a roubar as galinhas que outros mimam e alimentam com milho do melhor (nada de porcarias transgénicas nem híbridos)?

"Contactos", qual ponto de encontro, qual quê?

(E depois, "assenta", com "ss", faz favor!)

Hihihi!

Sun Iou Miou disse...

Beijos, Jõao. Haja paz e amor.

llll disse...

seguro que cadramos, sim. andarei por alí un par de días. como eu non saberei, saúde vostede, prego.

beijocas

Sun Iou Miou disse...

Eu son fácil de descubrir, Sara Jess. Non ha de haber moitas guichas que vaian en moto a ver as curtas. Aínda que non vou poder asistir a tantas como quixera, que estou presa ao traballo.

Quiños

Deshoras disse...

Non sei se facer disto unha canción... tería que ser blues, o asi...

Sun Iou Miou disse...

Hmmm, Deshoras, unha canción disto... Até soaba ben:

E disseste-me não há café,
o sorriso nos olhos...

Vai haber que pensar niso. (`_^)

(Agora quedei intrigada. Ti de quen vés sendo?, se non é muito preguntar.)

Marreta disse...

Aqui até nem seria caso para dar uso à ferramenta (faca de matar porcos), mas outras circunstâncias existem em que até o cutelo de esventrar vacas ou mesmo a motoserra seriam coisa pouca e a vontade muita.

Saudações do Marreta.

Sun Iou Miou disse...

Não me lembrei pouco da tua 6.35, Marreta. Mas a sério, achas que não é motivo bastante negar um bem merecido café? Então o que é preciso para esfaquear um camareiro? Já nem sei onde param os limites.