Uma vez abriram-me a barriga. Tenho-vos para o corroborar uma cicatriz verticalmente ostentosa que sempre suscita curiosidades não trasladadas a perguntas, tal o horror, o horror inestético ao sol, entenda-se. Mas não era isso o que interessa. Nem também não isto: que me enfiaram as mãos dentro do abdome exposto para me destrinçarem a estenose que me estreitava a sarjeta (atenção: metáfora de estilo demagógico) por que os alimentos deviam continuar intestinamente o processo de absorção ou descarte. Tudo correu bem e dez dias após o ingresso hospitalário recebi a alta médica e licença para comer.
O que interessa é isto: o cirurgião, que se perdia muito em filosofias e paciências explicativas (um gajo porreiro ele), deixou-me esquecido no ventre um pensamento profundo. Vem tudo de aí.
20 comentários:
parabéns pela magia das palavras...
Obrigada, Sílvio.
(Leio-te sempre.)
Muito Boa Tarde,
É com muito gosto que visito o seu blog. Gostaria que divulga-se ou colocasse um link de um novo blog de opinião, que com tão pouco tempo tem tido muitas opiniões positivas. Obrigado.
http://quadratura-do-circulo.blogspot.com/
Cicatriz de grandes dimensões e igualmente inestética ao sol também eu tenho, mais não precisamente no ventre. E é literalmente cicatriz, que das cicatrizes metafóricas, como bem suporá, dessas tenho a centos e já nem sou capaz de contar.
Quanto ao que o cirurgião lhe deixou dentro, dê graças a Deus que não fosse penso ou tesoira.
E quanto à doidice, não se importe: provavelmente vinha de fábrica, como a minha e a de toda a gente.
Alegre-se, que o Verão já cá está
Hein? É com muito gosto que recibo a sua visita, mas estamos cá com um problema geométrico: sou mais a favor da circulação do quadrado ou até mesmo da sua elipse.
Estará polos Lugos, señor Kaplan, que aquí estamos miñotos de todo: neboentos. Con nada, a min, conste, este tempo váleme moi ben.
Non pense que é para dar grazas: se fose compresa ou tesoira aínda lle podía quitar uma pasta cunha denuncia por neglixencia, pero así... dirán o que di vostede, que me viña de fábrica. Que nin é poético, nin rende economicamente.
Bom, essa do pensamento profundo esquecido nos intestinos nunca tinha ouvido falar... Ele há cada médico mais esquecido... :)
Beijocas e bom fimde!
Pensa-mento pro-fundo... Non sei eu ...
A sanidade está cada vez melhor, Teté. ;)
Non sabes o que, Condado? Xa saíches do dique seco?
Aquí lles chaman peiraos e están mollados, sempre, polos pes
Eles costumam deixar esquecidas tesouras, pinças e outras tralhas...
Agora deixarem-te um pensamento...tenho dúvidas!
O médico era português?
Branco, ariano?
Era do PS?
Tinha sotaque do norte?
Porra, Sun, explica lá esse milagre!
Achas imprescindíveis esses pormaiores, ó Jonas.
De certeza, não era português. Branco assim, e ariano também. Não do vosso PS (ups!, perdão, deles), se calhar duma antiga utopia socialista (com "c"). Quanto ao sotaque, depende. Era do norte para os do sul e do sul para os de mais ao norte.
Fica assim explicado o milagre (mais um) da minha sobrevivência num sempre escarafunchar para me liberar do tal pensamento que me oprime... e nada.
Para posteriores inquirições, sff, traz o bisturi e abre.
Mas isso também acontece a quem não lhe abriram a barriga. De vez em quando , ou melhor, amíude, saem-me peidos travestidos de pensamentos, ou o contrário...
Saudações gástricas do Marreta.
Génio é génio em toda circunstância, Marreta, que até do mais comum e vulgar faz arte. Já pensaste em presentar-te a presidente da câmara?
Oxalá não seja a cicatriz do ataque à doença de Crohn … porque a sua cura pode estar bem longe desse intestino.
Também, parece-me, muitas vezes é a parte feia do corpo que serve de trampolim para o belo.
Não, Anónimo, felizmente não é doença de Crohn. Foi uma estenose devida à cicatrização no píloro dum raio duma úlcera. E foi há tempo, só que às vezes a gente lembra-se destas coisas.
Então não temos nome? Que tristeza. No mundo tem tantos nomes para escolher... ;)
Eh pah!!!! grande médico, hem, com tanta coisa que te podia deixar na barriga, ficou-se pelo melhor da humanidade! :)
eh, Sun, espectáculo, rapariga, tu escreves que é um espectáculo...nem sei que mais dizer, cada vez que te venho ler, com a calma e cuidado que mereces, abre-se-me cada vez mais a boca, de tão bonitas que são as palavras que te brotam dos dedos!
dez dias sem comer??????? auch?...
Esses dez dias foram no hospital, Vani. Mas já antes do ingresso não comia. Quer-se dizer, comia, mas como o que comia não podia seguir ao intestino, ficava retido no estômago, no fim do dia acabava vomitando o que comera. Uma beleza.
Cada vez que recebia visitas lembrava-me das coisas que comera na casa de cada pessoa... Hihihi!
Quando saí comi por junto tudo o que não comera antes... Quase estoiro.
Enviar um comentário