Não devo poder morar numa ilha, julgo eu. Se morasse numa ilha estaria sempre a medir os passos com medo de me despenhar por uma falésia qualquer que se me aparecesse, súbita, após uma ausência desopilante de apoio compacto (ui, ui, ui!). Ou pior, atenção: com pânico de escachar ―quando já não mais tem a gente para onde descer desimpedida― contra uma rocha milenariamente desgastada em erosões a cabeça e, arrastado o corpo anexo no fluxo e refluxo maçante das marés, achar-me engolida pelas águas e cercada de peixinhos não aptos em medida para a venda legal, que me debicassem todinha, até o osso (pch, pch, pch...).
Por isso, vivo num continente de tamanho que chegue a acalmar estas agonias desconfortáveis. Mas não é tudo assim tão maravilhoso, pois não. Cá estou eu circundada de montes que me tolhem o olhar de imensidade, que me asfixiam os fôlegos de respirar as distâncias e não só. Está o rio, manso o quê?!, com as suas falas trapaceiras, a tentar seduzir-me para uma dança, e eu que não, não e não, chateia já tanto que fede. De maneira que afinal estou sempre feita ilha ao avesso, a cair para dentro de mim nos silêncios. Sem serviço de vigilância costeira que me ouça nem resgate. Quem sabe, um dia destes farto-me, passo as barbatanas de máximos a ferro e despido-me seriamente com uns manguitos de tanta firmeza terrena.
O gajo aqui ao lado na esplanada em sombra bebe golos de whisky barato com pedras de gelo em copo alto e coca-cola à mistura, fuma tabaco desparasitante e arrota, numa alternância sequencial cíclica e compulsiva. Depois ainda querem que eu escreva poesias bonitas?!
14 comentários:
Poesia bonita não será, mas como prosa está muito bem, inclusivé com o tal vizinho de esplanada que arrota ciclicamente... Que queres, há gente que não percebe que incomoda o silêncio dos outros!
Quanto a essa sensação de se estar limitado no espaço de uma ilha, parece que ela existe realmente. Ou pelo menos o meu avô assim dizia, que passou alguns meses em serviço na Madeira e ao fim de um tempo estava desejoso de voltar para o continente. Numa cidade não são as montanhas que nos impedem de vislumbrar grandes horizontes, mas sim as toneladas de betão que nos rodeiam. Tenho para mim que apesar do barulho que impede de ouvir o silêncio, há cada vez mais pessoas verdadeiramente isoladas nas grandes urbes...
Beijoquitas!
Não sei eu se ao meu vizinho de esplanada a prosa lhe parecerá assim tão bem, Teté. ;)
Todos os vizinhos da esplanada merecem um pouco do nosso afeto e da nossa tolerância.
É melhor arrotar a uisque barato do que postas de pescada nos areópagos do poder...
Sempre há comparações, rouxinol de Bernardim, que facilitem a tolerância, mas eu só tentava ler o Herberto Helder em paz (que é proeza de que nem um super-herói sairia ileso) e a esplanada estava vazia, só os dois, e teve de vir sentar ao meu lado?!
(Mas eu só estou a ser tão cruel com ele quanto ele, de certeza, seria comigo se tem um blogue em que vomitar as impressões sobre a gaja que bebia água com borbulhinhas ao lado na esplanada em sombra.)
estou em condições de garantir que na ilha
também arrotam
inclusive postas de pescada.
Poeta-lhes o arroto.
María, se olhares mais para ti e menos para os outros vais, certamente, fazer poesias bonitas...
eu non se moi ben que está pasando aquí, pero anotei Herberto Herder e leido un pouco. Entón pensei en regalar algo así á miña mestra de referencia en música, a violonchelista María de Macedo, nada en Oporto a quen lle debo o encontro sensible e intelixente coa música. E na libraría non tiñan de Herder pero me endosaron unha edición bilíngüe de Carlos Drummond de Andrade: "O amor natural" e unha vez ollado, claro, non atrevinme a regalarllo. Non sei por que. Cambieino por bombóns, non sei por que...
Poetar-lhe-lo-ei, ó Rosa.
(Ao menos na ilha, sempre resta a esperança de serem os grandes arrotadores a se despenharem.)
Maria, se olhar mais para mim, fico zarolha. Poesiarei bonitamente os arrotos, como sugere a Rosa, que de tudo se pode fazer grande literatura. ;)
Isso
Ella, Herberto Helder (con "ele") non é fácil de encontrar, salvo no volume das obras completas, Ofício cantante.
Carlos Drummond de Andrade (que por certo é brasileiro) a min gústame, pero non ten nada que ver con Herberto Helder.
Bombóns e poemas...
Ah, Ella, ía engadir isto e ao final esqueceume:
http://improvisosdeademarsantos.blogspot.com/2010/06/05032010.html
Passeava por aqui, descontraidamente, mas como ouvi arrotos e nomes a mais, pirei-me...
Quem é Herberto Helder?
E Drumond de Andrade?
Eles estão neste Mundial da Africa do Sul?
Companheiros de CR7, CR9, de Kaká...?
;)
O Herberto Helder, ó Jonas, é um invento da florescente indústria poética para esgotar primeiras edições numa manhã; o Drummond, um gajo com emes a mais no apelido, que passa a morte sentado num banco de costas ao mar. Andam os dois no Mundial esse de que falas, mas não na relva, antes dirigindo uma orquestra de vuvuzelas e arrotos, disque. ;)
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