domingo, 10 de abril de 2011

O ogro mascarado de plácida leitora de poesia (3)

E não, não morreu ninguém. É melhor já saberem que o final da estória não foi nada uma carnificina, não passarem a agonia de a lerem para depois vir o desengano coma uma lâmina fria que decepa cabeças de olhar perplexo... Era, dizia, domingo de entrudo.

Numa crise de fastio, cheia daquela merda que nem para quincalha dava, a Fada Cor-de-Rosa (ou era uma princesa?!) renega de pedras e tesouros que não aparecem e enfia para a varanda que dá ao jardim da Biblioteca proclamando que vai fazer arcosiris com as serpentinas que ficaram lá enredadas, tentando persuadir os primos para se unirem a ela. Desprezada por estes, que preferem o amparo do muro... (não penseis mal, ó tarados!, estavam a brincar mesmo a encontrar tesouros, a abrir buracos entre as pedras), sem mais nem mais a Fada Cor-de-Rosa Helena perde subitamente a condição de ser sobrenatural.
―Ó mãe! ―diz ela― Quero fazer chichi!
E saltita nos bicos dos pés, as pernas muito, mas muito mesmo, juntas, enquanto a Minnie Marianna reclama que vá ali para onde eles estão fazer chichi...
―Ó Helena, anda cá fazeres chichi!
Eu abafo um brado num silêncio que me rasga, era já só o que (me) faltava. Mas a mãe reage, levanta-se rápido, arrasta a fada à casa de banho coma se fosse o mais comum dos mortais e quando regressam, as pernas já mais desembaraçadas de urgências, a família levanta-se da mesa e sai da esplanada, em direcção ao terreiro, deixando as serpentinas partidas em pedaços pelo chão, pelas cadeiras, pelas mesas, pela varanda... e o trabalho de apanha-las ao empregado, que não perde a pachorra nem o sorriso. Até que em fim tenho paz para continuar a ler... só que, hélas!, fiquei sem vontade. Pago o que devo e vou também embora, assanhando-me com os pneus ardentes da mota sobre uma esteira de arcosiris que agonizam no empedrado do terreiro.

8 comentários:

pau disse...

Ola lá! Mas não era ogro! Era mesmo nostálgica fada disfarçada de ogro! Linda estória, engraçado intante. Parabens.

La queue bleue disse...

http://www.explosm.net/comics/2336/

Hehehehe ;-)

Sun Iou Miou disse...

Foi só que não quis acabar os meus dias na cadeia, Pau. ;)

Sun Iou Miou disse...

Muito bom, LQB! Hihihi!

Teté disse...

Ora, afinal as "simpáticas" criancinhas safaram-se sem uma beliscadura, e já todos tinhamos decidido que pelo menos uma lambadazita a elas e/ou aos pais não fazia mal a ninguém, até poderia ser bastante salutar... :)))

Vale que mesmo que tenhas perdido a vontade de ler poesia nesse Domingo, deu-te uma história para três posts, elucidativa de como alguém NÃO se deve comportar numa esplanada incomodando todo o mundo em redor...

Beijoquitas!

Sun Iou Miou disse...

Não, Teté, isto afinal é tudo um exagero. As crianças nem eram assim tão terríveis. Sou eu que estou velha para aturar barulhos. Por isso lhes perdoei a vida, na esperança de algum virarem velhas resmungonas como eu e sofrerem igual, só que ainda são capazes de me lixar e virarem idosos bondosos e pacientes. ;)

E sim, vai-se escrevendo alguma coisa, graças aos meus maus humores.

Anónimo disse...

Como te entendo, como te entendo. Decididamente nem esplanada, nem Domingo de Entrudo, nem Terça de Carnaval. O melhor sítio para ler é o cemitério - barulho, só o do ranger de ossos.

Saudações do Zé Marreta.

Sun Iou Miou disse...

Pois, Marreta, mas também não tenho pressa em ir lá ler. Tempo haverá na eternidade... ;)