terça-feira, 19 de agosto de 2008

E morro, mas não morro (colagem)










Ontem, que baixei até a Invicta para ir ao cinema, desconsegui, como sempre que passo diante duma livraria, fugir à sua toxicidade adictiva. E lá entrei, de cartão visa estendido, para comprar os sonhos que já não sou capaz de sonhar. Então deparei com esta edição do Luuanda —que já lera em volume humilde, sem que nada nel faltasse— do José Luandino Vieira e ilustrada pelo meu vizinho ilustre, o Zé Rodrigues, a qual me afirmou no convencimento de que até a perfeição é susceptível de aperfeiçoamento.






…tinha de matar essa cobra enrolada no coração, essa falta de ar que estava a lhe tapar nos olhos, no peito, feitiçar-lhe a vida, nada que podia fazer mais.

Depois continuei a procura e um nome próprio, que conhecia e admirava, seducíu-me com outro título —que reconheci desconhecido, admirando-me—. Peguei nele: Gaveta de papeis, dizia, que José Luís Peixoto assim o baptizara. E li, como faço sempre antes de comprar um livro qualquer, abrindo uma página ao acaso. Fiquei com todos os poemas, e fiz meu este, como se fosse um dos que quando estava viva partilhava com vocês no “Palavras Roubadas”:

Lavar a loiça

E destruir todas as provas de uma noite:
dois copos, dois corpos, garfos espetados

nas costas, facas como palavras repetidas.
E acreditar que o mundo começa na água.

A circunferência certa dos pratos, a cor
absoluta do branco. E esquecer outra vez.


E para o fazer meu mesmo mudei com tinta indelével a derradeira frase:

E esquecer outra vez por última vez e para sempre.

Mais um, disse, que talvez demore a voltar, iludindo-me um quase nada. E deixei-me arrastar de novo a África, pesquisei nos autores, pesquisei nos títulos, pesquisei nas páginas a frase que fosse minha. Até que então soube que a minha estória começara assim Na berma de nenhuma estrada, como no conto que o Mia Couto escreveu para eu perfilhar, num tempo distante:

Estou aqui no sopé da estrada, à espera que alguém me leve. Um qualquer, tanto faz. Basta que passe e me leve. É meu sonho antigo.

Foi o meu sonho, já não. Desisti.




Fotografia gamada ao Condado


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Nota: O título deste meu texto com tão poucas palavras minhas tirei-o dum dos poemas do José Luís Peixoto, aquele que principia com o verso: “Não há motivo para te importunar a meio da noite”.

8 comentários:

Tá-se bem! disse...

E simplesmente me encantas com o teu talento... :)

Há um motivo para te importunar: enviar um beijo ;)

Sun Iou Miou disse...

Se for por isso, podes importunar a toda a hora, Tá-se bem!

Beijinho para ti, grande.

Tá-se bem! disse...

Então toma lá outro :) ehehehehe

Beijoooo

Sun Iou Miou disse...

Ainda melhor do que os beijos de boa noite sabem os de bom dia dados sem pressa.

Beijo para ti, Tá-se bem! (Pois, 'tá-se.) (`_^)

condado disse...

lavar a loiça... estou encantado co teu post... aínda que prefiro o final de Peixoto e non o teu, tan macabro...E esquecer outra vez... Pois non temos direito a decir para sempre

Sun Iou Miou disse...

Ah, se se puidesen escoller os finais como se escollen as palabras, Condado. Pero non... Hélas!

Teté disse...

Fantástica colagem, Sun!

És viciada em livrarias??? Também eu! (`_^)

O astral é que me parece assim um bocado para o negativo...

Beijoca!

Sun Iou Miou disse...

Obrigada, Teté. Podias ser era menos querida algum dia para eu poder te responder outra coisa? (`_^)

Estou um bocado para o negativo, estou.

Beijo