domingo, 22 de maio de 2011

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segunda-feira, 16 de maio de 2011

domingo, 15 de maio de 2011

Acuarela






Da outra beira

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Anónimos todos!

Pelo visto há aqui uma minha vizinha que encontra prazer em roubar poemas e traduções alheios (algumas frases quebradas minhas até) e mesmo em modifica-los à vontade, sem indicar de quem são. Imagino que faz muito bem à estupidez.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

terça-feira, 3 de maio de 2011

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Morto o can...?

Pois que o tal individuo foi morto agora os seus seguidores, agachan as orellas, rapan as barbas e volven dereitiños para a casa, onde acompañados de té con menta se enfrascarán en labores de calceta, gancho e macramé ou, os máis rabudos, interminables partidas de parchís.

Fluidez

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Disse

Que a gente não diga nada não quer dizer que não tenha nada a dizer.
(Talvez é só que não é o momento ou talvez é mesmo que nada tem a dizer.)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Poesia e copos de água

Isaque Ferreira e João Gesta na Fundação Cupertino de Miranda de Vila Nova de Famalicão. "Contribuição para a confusão geral".

Nem só palavras...





As mães sopram as manhãs
e elas ardem



mãe. E leva os filhos nos olhos como se os levasse pela mão
Nuno Higino (texto). Alberto Péssimo (ilustração). Letras&Coisas. 2011

segunda-feira, 25 de abril de 2011

sexta-feira, 22 de abril de 2011

O po sobre os libros

Pasaba o furabolos polo po que cubría os libros e admirábao non arrepiarse ao contacto, admirábao sobre todo comprobar que o dedo non deixara marca ningunha na pátina apagada que se depositara en todos os obxectos do cuarto... e nin así arrepiarse. Foi á cociña e do caixón máis próximo ao fogón quitou un farrapo branco limpo, que sacudiu para domealo, para que adquirise algunha elasticidade. Nas raiolas oblícuas do sol matinal que se filtraban a través das físgoas da persiana navegaban estrelas diminutas que escaparan doutras galaxias, creadas á medida de seres invisbles. Volveu ao cuarto, tentou retirar o po dos libros co pano. Foi en balde. O po persistía nos libros e o pano persistía na brancura. Xoán Lobo Vieira levantou a persiana, abriu a fiestra e só viu noite fóra. Mirou para as súas mans e o pano era unha labareda azul que non queimaba. Pousouno no beiril à espera de que unha picaraza se achegase a namorar con el. Despois notou terra entre a lingua e os dentes e decidiu dar un paseo.

A luz! A luz!

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Flor de azar






Recendo...

A carón do soportal azul...

 








Postal

Para escribir esta postal sentei na praza
a carón do soportal azul onde os vellos da vila
toman café e fuman mirándonos a nós, os estranxeiros,
cunha expresión de aburrimento sabio,
alén da curiosidade
e tamén do desprezo.

E cando escribía as follas das palmeiras
rozábanse coma coitelos. Este vento de inverno
é cálido e despexa a morte.

As palabras parecen fluír máis facilmente.
Poden facer algo máis que describir
o vento e os vellos e a cabalgada feroz dos días.
Recuperar algo que respira moi atrás,
alí onde non hai follas
afiadas coma coitelos.

Rabat, outono de 2007
Manuel Darriba. Os indios deixaron os verdes prados. Dep. Provincial da Coruña. 2010

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Sobre isso que já não sei o que era... (e talvez sobre mim)

De repente, sem mais nem mais, ao meio da tarde, absolutamente concentrada numa tradução, lembrei que esta manhã, enquanto falávamos ao telefone, eu disse uma coisa a que achámos piada. Que eu acrescentei depois que iria escrever alguma coisa sobre isso... se não esquecia de ali a cinco minutos, que era o mais provável. E tu riste. E eu ri mas menos. Esqueci-a ―seguramente ainda antes de desligar. Eu pergunto-me agora por que lembro o acessório e não o essencial? Será que um dia esqueço também quem eu sou? Serei assim tão acessória mesmo para mim que apenas lembre que sou quem irá esquecer tudo aquilo com que se importa?

Eva

Eva naceu hai unha semana. Sei eu porque a tiven no colo e a nai paríraa de madrugada, aínda non se atrevía a abrir moito os ollos na penumbra do cuarto do hospital, entre ramos de flores e xente, enfermeiras e auxiliares que ían e viñan, o instinto de mamar ben aprendido e os avós felices. Todos felices, a verdade, cos ollos postos nas súas mans de velliña, as uñas longas que habería que cortarlle, á espera do primeiro sorriso que aínda tardará (ou non, porque logo parecerá que foi onte), os pés en harmonía co resto do corpo e tamén coas orellas, detalle este importante, talvez o máis importante.

Faltava-nos a energia de estarmos vivos...










Ele disse vim para morrer, bem o sabes. Ele disse vim para morrer, porque pensaba que sabia a resposta a todas as perguntas do mundo. Ele disse não sabia uma resposta. Ele disse não sabia que morrer custa muito. É muito difícil morrer, disse ele. Sabendo tudo, ou não sabendo nada sobre o mundo e sobre a vida, morrer custa muito, disse ele. É muito difícil morrer, disse ele. Não dissemos nada. Ele disse a morte é impossível. Ele disse o amor é impossível. Ele disse tudo o que desejamos é impossível. Cada palavra do príncipe de calicatri era verdadeira, como era verdadeira a lentidão dos rostos. Faltava-nos a energia de estarmos vivos e, no entanto, a morte era impossível. Também eu já sabia isso.

José Luís Peixoto. Uma casa na escuridão. Quetzal Editores. 2002

terça-feira, 19 de abril de 2011

E nem a nós nos vemos










31. ELA

Não te vejo mas vejo
um qualquer fogo sobre mim pairar.
Se mais ninguém o vê, nem sequer tu,
que fazemos aqui, e escondidos de quê,
e que teatro é este em que nos movemos?
Nem o fogo nem nós: ninguém nos vê
e nem a nós nos vemos.

Que fazemos aqui, quando não sinto
uma força de carne
e um luar nos olhos?
Pedro Tamen. Um teatro às escuras. Publicações Dom Quixote. 2011

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Fóra do pozo

Ás veces basta parar un momento, pousar as mans no teclado, sen tocar tecla ningunha. Despois estrícanse un chisco os dedos, devagar, como temendo que vaian escochar no esforzo, e vírase a cabeza... ―está tan sucio o raio do velux, tereino que limpar un día destes ou pensarei que aínda non levantou o neboeiro aí fóra, como aquí― e séntese entón, por primeira vez no día, o reloxo da sala que dá as horas, seis badaladas, e un refoleo de vento que zoa e a pardellada toda a chiar nos bordos xaponeses, que de súpeto e sen saber por que calou e calou tamén o vento, deixando paso a un coro de grilos e o asubío fugaz dun melro. Esgurricho a caneca do té, que xa arrefeceu, e noto tamén agora, só agora, o resaibo amargo. E regreso ao pozo*.

*E isto non é senón un pozo ficticio, en canto pozo descrito dunha novela que ando a traducir, pero real, en canto pozo que me absorbe.

domingo, 17 de abril de 2011

sábado, 16 de abril de 2011

Primaveras (1)






Entre a vida e a morte

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Apañado











Pronto, aí o está o guicho. Conste que eu nin reparaba nel, se non é a lurpia da faisá a levantar voo cun escándalo de carrilana cos rolamentos sen aceitar, deixando o compañeiro alí chantado a fazer de diana colorida. Aínda tivo sorte o coitado, porque se eu en vez de ser persoa que anda por aí coa cámara ao pescozo fose individua que anda por aí de escopeta ao ombro, destas horas esas plumas estaban a enfeitar un sombreiro e os interiores integrando a cadea trófica.

terça-feira, 12 de abril de 2011










Acho que vou entrar para um convento.

domingo, 10 de abril de 2011

O ogro mascarado de plácida leitora de poesia (3)

E não, não morreu ninguém. É melhor já saberem que o final da estória não foi nada uma carnificina, não passarem a agonia de a lerem para depois vir o desengano coma uma lâmina fria que decepa cabeças de olhar perplexo... Era, dizia, domingo de entrudo.

Numa crise de fastio, cheia daquela merda que nem para quincalha dava, a Fada Cor-de-Rosa (ou era uma princesa?!) renega de pedras e tesouros que não aparecem e enfia para a varanda que dá ao jardim da Biblioteca proclamando que vai fazer arcosiris com as serpentinas que ficaram lá enredadas, tentando persuadir os primos para se unirem a ela. Desprezada por estes, que preferem o amparo do muro... (não penseis mal, ó tarados!, estavam a brincar mesmo a encontrar tesouros, a abrir buracos entre as pedras), sem mais nem mais a Fada Cor-de-Rosa Helena perde subitamente a condição de ser sobrenatural.
―Ó mãe! ―diz ela― Quero fazer chichi!
E saltita nos bicos dos pés, as pernas muito, mas muito mesmo, juntas, enquanto a Minnie Marianna reclama que vá ali para onde eles estão fazer chichi...
―Ó Helena, anda cá fazeres chichi!
Eu abafo um brado num silêncio que me rasga, era já só o que (me) faltava. Mas a mãe reage, levanta-se rápido, arrasta a fada à casa de banho coma se fosse o mais comum dos mortais e quando regressam, as pernas já mais desembaraçadas de urgências, a família levanta-se da mesa e sai da esplanada, em direcção ao terreiro, deixando as serpentinas partidas em pedaços pelo chão, pelas cadeiras, pelas mesas, pela varanda... e o trabalho de apanha-las ao empregado, que não perde a pachorra nem o sorriso. Até que em fim tenho paz para continuar a ler... só que, hélas!, fiquei sem vontade. Pago o que devo e vou também embora, assanhando-me com os pneus ardentes da mota sobre uma esteira de arcosiris que agonizam no empedrado do terreiro.

Luz

sábado, 9 de abril de 2011

sexta-feira, 8 de abril de 2011

quinta-feira, 7 de abril de 2011

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O sapo morto

Acho que matei eu o sapo e nem sequer fui consciente disso. Só reparei no seu corpo esmagado de ali a dois dias, quando levantei a porta da garagem. Apenas nesse momento é que vi o cadáver de sapo morto e esmagado e soube que só eu o podia ter morto e esmagado ali onde ele estava. Era tão triste ter um sapo morto e reparar nisso. Era tão triste ter morto um sapo sem sequer ter reparado nisso. Até porque de ter reparado em que o sapo, enquanto sapo vivo, estava ali onde estava, na mesma noite em que eu estivera com um outro sapo ―este vivo e inchado ainda, espero― a falarmos de coisas tristes, de coisas alegres, de crianças lindas que sorriam em fotografias com um mar de riscos de cores entre as mãos e o cabelo todo na cabeça, de coisas inevitáveis que puderam ser evitadas mais não foram, de amigos que iam embora fazer as Américas com tudo o que tinham ou sem nada do que tiveram... de ter reparado, digo, em que o sapo que eu já tratava por tu estava vivo à porta da garagem quando ia entrar com o carro, teria descido, ter-lhe-ia chegado o bico do pé delicadamente para ele apartar o seu corpo gordo e pesado de tantos anos a devorar bicharada ao luar e ter-lhe-ia dito, anda, sai de aí, sapinho, não vamos querer que sejas esmagado e morto a seguir ou no acto sendo eu consciente disso.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Cá está abril

Já chegou o cuco a apropriar-se de ninhos alheios desocupando-os dos legítimos inquilinos que esmorecem ao pé de coluna partida e bico aberto ou de fome, chegou a poupa a deixar uma esteira de cheiro à merda no seu esvoaçar triangularmente ondulado e faisões e faisoas andam por aí a namorar escandalosamente com o prazo de validade marcado para o primeiro dia de caça, quer de tiro, quer de enfarte.

De melgas falar-se-à noutra altura.

domingo, 3 de abril de 2011

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A luz nas mãos





valter hugo mãe
Fundação Cupertino de Miranda
Vila Nova de Famalicão

quinta-feira, 31 de março de 2011

segunda-feira, 28 de março de 2011

O ogro mascarado de plácida leitora de poesia (2)

Prova de que a poesia não me (nos) faz melhor(es) pessoa(s)

É, já foi dito, domingo de entrudo. Escolho o canto mais apartado, que tem por ali à solta duas crianças a engrinaldar tudo quanto é mundo com serpentinas ao tempo que a mamãe ralha nelas com inhóspita correnteza de voz e proveito zero (o pai, ao que parece, é felizmente surdo ou de espécie muda... e quase ainda bem). Porém (ei-lo, como previsto) terei azar. Chega agora a priminha com os pais ―beijos, alaridos e abraços― e os três putos resolvem deslocar a bagunça justamente (engulo cuspo, pigarreio para temperar a secura da garganta) por tris-trás de mim, para uma zona, sedutor o chão tapizado de seixinhos brancos, a que uma fita atravessada no vão sem porta supostamente veda passagem sob pena capital nenhuma (pena!, franzo o sobrolho, a alma encrespa-se-me...). O Huguinho e a Mariana, travestidos de punkie (com muletas) e ratinha Minnie (com orelhas), respectivamente, entretêm-se com a Fada (com chapéu) Cor-de-Rosa Helena a remexerem nas alvas pedras e procuram, sem pejo nem sigilo, tesouros!!! (vidralhada multicolorida, enferrujadas caricas finiseculares, alumínicos anéis de indegradáveis abrefáceis..), acompanhados pela gritaria já-se-sabe improfícua que a mãe arremessa por cima da minha paciência: que não fossem sujar as mãos, nem os vestidos, que era, aliás, aquilo em que o trio em venturosa impunidade se empenhava, aproveitando a parede que cega a materna pose vigilante. Entretanto, pugna o monstro em mim: sangue num ferve-não-ferve, blups-blups, babas que fermentam sob a língua, bafo a assomar pelas narinas fora, escamas que se excitam sobre a palidez verde da pele... Herodio-me.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Fachada

00:11:29:12. Conxelo o seu rostro na pantalla. A cámara que mostra o que o espectador debe ver centrouse nela. A súa expresión denota desprezo, repugnancia, odio profundo no trazo levemente curvo dos labios finos. Unha carga de tristura inmensa na mirada e o cansazo das noites mal durmidas na pel, escepticismo e tensión nas ventas distendidas do nariz. A cabeza e as costas ergueitas, pescozo de garza que axexa, unha carpeta a amparar o peito, contempla a parella que se deixa fotografar. O espectador ve a través dela. Coñece a través dela os segredos máis ocultos. Sabe por ela que non cumprirá falsear a imaxe: os retratados parapétanse tras un perfil falso, a portada perfecta de revista.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Ar iluminado

Para o besugo

Que eles e nós eramos feitos de ar ninguén dubidaba e quen dubidase, dentro das excepcións pertinentes, era apenas por ser feito duns outros gases raros e extravagantes. Sabíase isto a pesar de que nas horas de ceos moi toldados, en que as augas se espellan así mesmo toldadas, un manto de líquida cinza oculte as borbullas de peixes e algas que acolá nos medios fundos trocan os seus osíxenos e os seus hidróxenos en desproporcións dispares. Era tamén verdade científica comprobada até proba en contra que había ademais bastante carbono ao barullo, o que a todos nos daba a solidez táctil, pois un exceso de permeabilidade na esencia implicaba risco de fusións infindables. E en relativas porcentaxes de chisca e migalla, os corpos contiñan outros elementos tales coma o ouro dos dentes, o titanio das próteses internas e externas e os fósforos do cerebro, eses que resplandecen en noites desluadas e nalgúns casos notorios se localizan en cristais polas nádegas, distinguíndose así as especies que salpican a atmosfera a aboiar en dous grandes grupos indiverxentes de escaso peso, os poéticos vagalumes e os prosaicos lucecús, xente, ao final, sempre de palabra, ou como dicía, ar. Ar, con todo, iluminado.

terça-feira, 22 de março de 2011

Água!

Uma tarde levo com um stick na fuça e já na noite a seguir, bimba!, batem-me com uma música numas frases quebradas rascunhadas algures. De ambos acidentes, em aparência, a gente sai indemne. Só que aparências, já se sabe, enganam: o nariz ainda dói e os tímpanos vibram como se um manancial lhes falasse.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Locuras (ou sons)

Não tarda em propalar-se aldeia fora o rumor. A mulher ―dirão num burburinho no segredo dos confessionários, comentarão em surdina na mercearia, vociferarão sem pejo nos cafés― endoideceu e vagueia ao lusco-fusco pela margem do rio... sozinha.

O problema não é as pessoas nos julgarem doidos, mas não sabermos nós que estamos. Talvez, afinal, endoideceu mesmo, mas os cães agradecem tanto...

Depois estão as perspectivas, porque a mulher não vagueia sozinha: acompanham-a o alento dos cães, os patos que regressam ao ninho apregoando-se, o gralhar duma garça indecisa, um coro estridulíssimo de grilos, o plof-plof dos sapos que lhe abrem passo não os pise, os remos duma barca de pesca a chapinhar sobre tanta calma...

domingo, 20 de março de 2011

sábado, 19 de março de 2011

sexta-feira, 18 de março de 2011

O ogro mascarado de plácida leitora de poesia (1)

Prova de que a poesia não me (nos) faz melhor(es) pessoa(s)

É domingo de entrudo. Almocei já, cedo hoje, mais do que é costume, meu. Estaciono (um falar) a burra sob a janela fechada da Biblioteca fechada, talvez ainda elas venham a aprender alguma coisa por contágio. Olho em volta. Está o ambiente animado. Toca fugir, pois. Pois. Não fossem os "porens..." que virão mais tarde. É preciso ter (a gente, eu) muita calma. Entro na pastelaria e peço, sff, para me levarem um bolinho de maçã e um chá bastante preto à esplanada. A esplanada são três paredes e nenhum tecto dum prédio antigo, enfrente, com vistas ao edifício e o jardim da Biblioteca, belíssimos, estáticos, calados. É para o que der, e dá-me, o lugar idóneo, numa rua próxima ao terreiro e afastada do seu bulício, em que pouso o corpo dolorido e lanho das páginas dum livro irregular de capa roxa poemas, imatéria dum poeta excelente se fosse mais crítico consigo ou tivesse um bom amigo que às claras lhe dissesse: olha, que isto aqui é merda, mesmo.

A morte do carocho

quinta-feira, 17 de março de 2011

O tamaño é relativo

Mala baba

Na caixa do supermercado, cando me toca a vez, deixo de ter présa, a tensión reláxase e escoito as conversas que aboian arredor. A metro e medio de min unha muller di que non entende a xente que non quere revelar os anos que ten. Eu penso que alá cada un co seu corpo e os seus espellos. Non, non quero bolsas, grazas, repito en ton automático antes que me pregunten. Vou gardando no carro as cousas que antes tirei para colocar na cinta transportadora e que a caixeira foi pasando polo lector de códigos de barras, que emite un zunido de cada vez, zunido que se transforma en cifras. (De súpeto sinto nostalxia daquelas caixas que dicían money, pola estética clara da boca que se abre e canta o seu contento, sen enganos, transacción física de papel e moedas que manchan as mans... non que eu desexe de forma e en forma ningunha regresar á puta (avaliación adxectiva crítica e enfática sen connotación literal substantiva ningunha) da adolescencia, á merda (ídem de idem) toda da vida miña que felizmente foi quedando atrás. Ela, a outra, insiste en que non entende esa xente, que ela ten corenta e mal lle importa recoñecelo. Eu por fin acabei de gardar as cousas no carro, e pásolle a tarxeta e mais o dni á caixeira. Aproveito a pausa para pór corpo á voz da señora cunha leve ollada de esguello e penso que fai ben en confesar que ten corenta anos, porque non parece. Eu botáballe bastantes máis. Sen dó. Mala baba teño.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Sincronías























Parrulos cristados (Aythya marila)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Pas de quatre

O corpo da espectadora estremécese, ou antes... arrepíase todo na butaca. As imaxes son brutais. É violencia viva o que desde a pantalla se suxire, pesadelos, a crueldade dun cacho de espello roto cravado, encravado, no estómago, a mancha de sangue que devagar abrolla e revela a autodestrución. Non, non é o escenario un cuadrilátero sórdido onde os golpes mazan a cabeza, un, e o corpo, dous, a cabeza, un, e o corpo, dous, un-dous, un-dous, un-dous, un-dous... (un, dous, tres... dez, e o árbitro baixa o brazo), até o ko, o perdedor estendido no chan, a derrota, a humillación que sangra pola boca, a cella sempre partida, o nariz, outrosí, esmagado, o bazo que estoupa, o modelado, mazado torso descuberto e o cheiro ao suor, as manchas de suor na roupa, os puños do campión en alto, o público que vocifera, que xesticula, que insulta, que aclama, a estética cutre do ximnasio e do ambiente familiar, o fondo lúgubre dos rostros destruídos, os tópicos todos que rodean o boxeo, a delincuencia, a droga, o cárcere, a síndrome de abstinencia expresada en destellos, un home que pelexa contra si mesmo, luces e sombras sobre o catre dunha cela, a familia unida e o amor sobre todas as coisas..., os abrazos, os abrazos, a superación que vence a través do esforzo e o sufrimento. Non, o escenario é o palco dun teatro magnífico, pano de veludo, madeira nobre, cándidas criaturas delgadas que se desprazan leves nas puntas dos pés, odio e ambición nos corredores, tules, plumas, saltos harmónicos no ar, sincronía no pas de quatre, a estética límpida e sublime das artes, músculos que se estrican, osos que estalan, dor, sufrimento, o rancor das miradas de esguello, a princesiña destronada estendida no chan, tibias e peronés que escachan baixo as rodas dun automóbil, a elegancia no vestíbulo, abrigos de pel, vestidos de fantasía, a sobriedade do smoking, no-smoking, o brillo turbio das xoias e o carmín nos labios, o perfume, os perfumes, o rumor do diñeiro co que se vende a gloria e se compra a vangloria, as lámpadas penduradas de altísimos teitos, unha muller que loita contra si mesma, as ás negras que se espanden, o monstro negro que devora, a loucura, a violencia de quen procura a perfección, a violencia dun brinde pola beleza, pola beleza, pola beleza, un-deux, un-deux, un-deux, un-deux, o combate á morte entre bastidores e nas alucinacións da mente distorsionada, o estrondo contido do público que aplaude en pé, comodamente alleo ao significado real da perfección.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Dizem que o sistema falhou

Não sei se chove em Málaga, mas será precisa muita água para lavar tanto sangue, para escoar tanta dor, para encher tanto vazio que resta, para amparar tanto abraço que se perde no ar. Eu não te conhecia, Susana. Apenas ouvi uma vez a tua voz ao telefone, nem tanto há, este natal, quando liguei para mandar um beijo a tua avô, minha tia, e a tua mãe, minha prima. Atendeste tu e gritaste mãe! Não sei se vou encontrar palavras para dizer agora à tua mãe, nem se a tua mãe vai encontrar palavras para dizer à tua filha. Não sei sequer se servem dalguma coisa as palavras quando não se escutam aquelas de quem pede protecção contra a barbárie dum deusezito miserável que se julga com poder sobre a vida doutrem, e somando horror ao horror, destrói de vez e à machadada a vida que não pôde continuar a destruir aos poucos, torturando, como quem arranca a uma mosca as asas, uma por uma, e os olhos, um e outro, e por fim o coração, o coração único... Porque tu, a Susana que eu nem conhecia, fugiste mesmo assim, já sem asas, já sem olhos, com voz ainda para gritar mãe!, já sem coração, esse que não encontrará quem te fizer a autópsia para redigir um relatório sobre as causas da morte, tão claras, tão bem definidas: uma falha no sistema. Mais um número nas estatísticas.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A imagem que eu queria

A encomenda do retrato vai bem. Após dia e meio (valha-nos, era fim de semana) a tentar a comunicação em balde, finalmente, quando já receava que aquele fosse um número sem dono, segunda de tarde consegui falar com ela. Expliquei-lhe quem era eu e o que lhe pedia, e como queria que fosse um retrato invulgar, fora dos tópicos da morrinha e da fragilidade, dos tons cinzentos, da mansidão... que a escolhera a ela, em primeiro lugar, porque era uma ilustradora infantil e gostava do seu jeito  para plasmar a vida em cores, que eu não fazia ideia muito bem do que queria mas que tinha claro, mesmo claro, o que não queria. A seguir coloquei-a no contexto. Para que era o retrato e por quê. Ela vacilou e fez uma daquelas perguntas parvas que se dizem retóricas porque não esperavam resposta ou pior, porque a esperam negativa. E eu sorri aí. Porque era nessa pergunta que estava a resposta que eu ansiava ouvir, sem saber: a imagem que eu queria. Ela, acho eu, sorriu também.

Nunca o silencio

Xorde da noite o día de alerta vermella en puño: ventos, chuvas, fríos, treboadas, pedrazo, os meteoros todos alternándose, mesturándose, disputando un lugar no ar e na terra. Na tregua, merlos, piscos, pardellos e mais algunha ocasional liñaceira conversan. Deseguida imponse o fungar da xistra entre as pólas harpadas dos piñeiros e o tróupele-tróupele do corazón das aves aniñadas nos ameais. Nunca o silencio.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

E isto para dous moxetes nas chuchas

Nin sei canto hai que volo veño avisando pero as esperas no médico xa non son o que eran. Ca! Esta tarde era a sala un quasi-deserto: unha muller sentada, eu no mostrador a entregar o papel e outra que se me chantou detrás, sem empurar nin nada. Total que digo para min sen mover os labios, non fose acabar na planta de Psiquiatría, velaquí un silencio ideal para ler tranquilamente, sen présas, o novelón que traio na mochila. E prometéndome unhas horas felices, alá estaba eu a gardar a tarxeta sanitaria na carteira, de pé aínda, o chuvasqueiro posto, cando se abre unha porta e chaman por min como só chaman por min no médico, co nome que me puxeron no carné de identidade. Fódase, estiven para dicir, pero non dixen, nin coller folgos. E que entre aí, íspase de cintura para arriba e pase cando estea. E eu obedezo, que a iso vin. Que me arrime á máquina, que frouxiña, sen facer forza, e van e machúcanme de arriba abaixo a teta dereita. Veña o mesmo conto coa outra, que non sei como aquilo non fai chof e acabou, todo espirrichado ―será que xa estou seca. E despois de lado, outra machucadiña en cada. E ala, que xa se pode vestir e cando estea, marche. E o tempo que me levou recompo-las mamas chafadas dentro do sostén. Nin cinco minutos. Tiña cita ás 16.30 e ás 16.43, aínda mirei para o reloxo do coche, estaba na saída de Vigo. Renégote pecado, esta sanidade pública xa non é o que era! Será que ven aí unha hecatombe.

Tanta presión non pode ser boa

Non hai moito lin na prensa que o tamaño do cranio humano diminuíu nestes últimos 30.000 anos, día máis día menos, nun dez por cento, o volume dunha pelota de hóquei. Disque isto non ten relación de proporcionalidade co cociente intelectual. Pola contra, parece que cada vez somos máis listos (uns máis ca outros, claro, a ver), até ao punto de conseguirmos o que ouvín hoxe nunha emisora seria de radio: que na Feira Mundial de Telefonía Móbil de Barcelona se anuncia un aparello sofisticadísimo que nos vai permitir coñecer até o noso estado de ánimo!!! (Case dou un pincho, non sei se tristeza se de alegría, que o móbil meu non é tan smart aínda para iluminarme ao respecto e eu... parva que sou.)

E digo eu que vale, que o tamaño tanto dará, pero non será que o cranio ao encoller nos oprime a miolada e nos impide pensar como é debido?

Simbiose

Antes que o día empezase, as previsións estaban anotadas na axenda. Só que as previsións nunca foron certeza. Por iso, se algunha parte do organismo sofre alteracións, os entes que o compoñen adáptanse, harmonizánse. Corpo e traballo actúan en simbiose obrigada. Unhas veces o traballo esixe un cambio de prazos. Outras, o propio corpo pídelle ao traballo demoras. Na tirapuxa acadan un compromiso.

Necesitámonos mutuamente. Ningún dos dous pode sobrevivir sen o parceiro. Se un de nós morre, haberá outros corpos, haberá outros traballos. Ningún deles será nós.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Rutina

Pasou unha semana máis, e nesta tocoume rescatar do fondo do mar un tesouro da frota de Indias, desenmascarar unha rede de tráfico de drogas dirixida por militares estadounidenses no Panamá, asistir impotente á escena en que unha tarada, dunha puñalada polas costas, deixa un médico paralítico e a outra en que o machote do colega lle ve o cu á curuxa cando lle diagnostican un cancro de mama, acompañar un grupo de soldados españois durante un atentado en Iraq... O que mudou foi a temperatura, aí fóra, que arrefeceu.

Verdades coma templos

PANTALEÓN: Cando se che acaban os soños quédache a literatura.
Rubén Ruibal. Limpeza de Sangue. Xerais. 2006

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O meu rio

Isto aqui sou eu, meu, em versão intelectual. Se alguém se tivesse dignado a gravar-me num jogo de hóquei, como quem diz, enganchada pela roda dum patim a um arame que em forma de trampa de laço me prendeu e me fez cair, em consequência directa, de bruços ao chão e pernas ao ar, para susto dos meus colegas e desconcerto meu, então, meus queridos, é que iriam ver também a minha dentuça (intacta), os meus bíceps e mais os outros "eps" todos. Por enquanto, vejam lá ao fundo o meu rio, que é o único que merece a pena.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Palavra poética

Cá está um besugo que diz que não gosta de poesia e eu só penso (se é "pensar" este fluir de ideias soltas que me acontece num lugar estranho dentro do corpo) que de três uma, ou duas, ou as três: ou ele nunca se lê, ou se se lê não gosta do que escreve (nada abonatório isto para os seus gostos, que já a tara pela bola prejudica bastante mas, enfim, ele é que vende o seu peixe), ou ignora o que é poesia, que nem precisa de ir em linhas quebradas para ser-se como nos seus esguichos é. E onde diz "ou", pode-se ler "e" sem que a ordem dos factores possa vir a alterar o produto nem a palavra poética. Ainda bem... também.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Zaragata matinal com nevoeiro ao fundo

É domingo de manhã (cedo) e, quando tudo prometia um pequeno-almoço tranquilo e triste, descubro que não há coisa melhor no mundo para bem acordar de repente do que partir em cacos de variado tamanho e grossura o jarrinho do leite...

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Autopsia

Cando o forense, para apurar as causas da morte, lle abriu as tripas a aquel monte de pel e ósos, encontroulle o estómago e os intestinos ateigados de recoñecementos enteiros, medallas trituradas, títulos de toda especie, varias palmadas no ombro, medios sorrisos e moitas, moitísimas boas palabras xa case ilexibles.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

São úteis as mentiras piedosas? Artigo de Laura Ferreira dos Santos

“Venci o cancro!” O perigo das mentiras piedosas
O cancro é uma doença que se possa vencer, como uma gripe forte?
Público, 29 de janeiro de 2011


De vez em quando, em revistas da moda ou mesmo em jornais sérios, é dito que alguma personagem conhecida “venceu o cancro”, como se nunca mais se tivesse de preocupar com ele.
No entanto, a medicina sabe que só de pouquíssimos cancros se pode de facto dizer que estão curados. Quanto aos outros, está-se entregue à sorte ou ao que quer que seja. Daí a necessidade de exames de vigilância, pois ao cancro, de vez em quando, sabe-se lá porquê, apetece-lhe voltar. Uma das coisas que mais me impressionou nas leituras que fiz (e faço) sobre “morte assistida” (de que resultou o livro Ajudas-me a morrer?, 2009), foi (é) o facto de encontrar recorrentemente este facto: passados 7, 15, 20 ou 30 anos, o cancro voltou. Quando ainda não passara pela recidiva do cancro da mama, estremecia um pouco: será que...? Depois de ter passado pela recidiva, seis anos depois de o ter “vencido”, pergunto-me que mais mutilações estarão à minha espera e se estarei disposta a submeter-me a elas. Há pouco, uma óptima funcionária da minha Universidade disse-me que o cancro voltara a atingir a mãe, 26 anos depois. Mas, é claro, não estamos em tempos de lembrar a nossa mortalidade (e não é por causa da “crise”...) e temos de ficar pelas histórias cor-de-rosa. Mas serão úteis estas mentiras piedosas?
Para quem tem a sorte de nunca ter passado por um cancro, a ideia pode ser sedutora: “aquilo” é uma doença que se pode vencer, como uma gripe forte, e voltar-se à saúde anterior. Mas quem passou pela experiência do cancro e é metida num follow-up médico até ao fim da vida, ou até ele voltar de forma mais aguda e dar-lhe a morte, sente-se espantada e enraivecida, pois se essa vitória existe, porque é que vê os médicos assustados ou em pânico quando não faz exames regulares? E apetece então voltar ao poema do Messias de Händel e dizer, não O grave, where is thy victory?, mas O cancer, where is thy defeat?
Apetece-me mesmo falar das consequências políticas destas histórias cor-de-rosa, pois ajudam a construir uma sociedade dessolidária em relação a quem teve cancro ou ainda não morreu dele. Pior ainda se a “chaga” não se vê, se a pessoa, vestida, parece não ter qualquer deficiência e se move com aparente facilidade. Quem sabe então das dores que essa pessoa pode atravessar, quem se interessa por saber com que sequelas ficou, em que limbos físicos (para já não falar de outros) é que vive, apesar de o limbo ter sido abolido teologicamente pela Igreja Católica?
Há tempos, uma operária que também “venceu” o cancro da mama, falou-me em desespero da insensibilidade do patronato, que continua a colocá-la em serviços em que está constantemente a partir a prótese externa que usa (e que é cara!). Entendo que a minha jovem aluna me tenha admoestado quando comentei numa aula: “Como sabem, a prazo estamos todos mortos!” “Não diga isso, professora!”, disse ela. Chamada à realidade pelos colegas, o seu princípio de prazer ainda a fez defender-se: “Está bem, mas eu vou ficar para semente e desmentir essa frase!”. Mas deve a sociedade incentivar um tipo de pensamento semelhante?
Às 22h das sextas-feiras, quando uma colega minha que já teve cancro e recidiva sai dos complexos pedagógicos para lá voltar nas segundas, lembra-se sempre com ironia desta frase de “vitória”: como “venceu” o cancro por duas vezes, deve ser considerada mais forte do que qualquer outro colega. Por isso, deram-lhe o pior horário da semana, aquele que, em princípio, não consegue trocar com ninguém. O Victory, why is your taste so bitter?

Laura Ferreira dos Santos - Docente de Filosofia da Educação da Universidade do Minho e Membro da Comissão de Ética da ARSN (laura.laura@mail.telepac.pt)

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Pecata minuta?

Eu pensei que iria ser triste coisa se um dia me tirassem o café. Digo, triste não, um drama, um drama trágico com assassínios não sei se em série se em massa e um suicídio, o meu, no fim, para burlar a efémera injustiça humana na estúpida esperança duma misericórdia divina eterna. Como em tudo o mais, enganei-me nos adjectivos.

Quase um ano depois que me fosse diagnosticada uma hipertensão assustadora (pena não vissem a expressão horrorizada do meu médico, que ia caindo fulminado perante a exorbitância das cifras com que me acusava o aparelho de pressão, porque a cena esteve a pique mesmo de ser engraçada), sobrevivemos todos os implicados na quase destruição do meu vício: o médico, que safou por um triz com um sorriso meigo de última hora; empregados de café que, nos primeiros dias da abstinência, traziam nos lábios a frase feita pelo costume ou até já no tabuleiro, ó torturante tentação impediosa!, a chávena pequenina sobre o pires, fumegante e aromática; a caixeira do supermercado que introduzia sem dó na máquina o código do sucedâneo desenxabido e a fila inteira de clientes desacautelados que nunca imaginaram o perto que estiveram de saírem do local sem pagar; eu própria e mais os meus cães, alminhas. Diga-se em honra da veracidade que, advertidos por diligência preventiva dos Serviços Sociais, já na mesma tarde da consulta passou um par da Guarda Civil na minha casa a requisitar as armas mortais todas, faquinhas de untar manteiga incluídas, e mais uns rebuçados suspeitosos de cor castanha que guardava numa gaveta com dobre fundo da secretária.

Com certeza, não renunciei ao da manhã. Reconheço para o meu desdouro, no entanto, que é esse apenas uma água chilra para iludir o olfacto, que me arranca dos lençóis e me conduz como autómato à cozinha numas horas em que ninguém suspeitaria que a alva, nem que seja toldada, possa vir a existir. Vedei-me, porém, os outros milhentos que ingeria ao longo do dia. Eis uma gaja com força de vontade, dirão vocês. E eu digo, não. Digo, eis uma senhora que deixou de ter umas dores de cabeça infames e sem causa até então explicável a acordarem-a mesmo nos dias santos.

Ora bem, isto aqui, o reino do meu corpo, não é fortaleza inexpugnável, antes tem na epiderme do desejo alguma fenda por que em noites extraordinárias, sem exageros, uma ou duas vezes por mês, como quem vai a um lupanar satisfazer os mais elevados instintos prévio pagamento, vence o pecado e peço, sem um tremor de mãos, um cafezinho, diminutivamente e em voz muito baixa, que me sabe à glória bendita. Eu aí fico embasbacada a sentir a fragrância entrar pelas narinas e atingir os capilares minúsculos que nem em dissecação ocular se vêem e noto os espinhos de dentro amolecerem e uma alegriazinha simples de viver mais um dia. E depois, a beberagem mágica enxota-me a soneira, como se tivesse no cérebro um anjo enjoado com o universo todo pelos esvoaçares monótonos que lhe calhou viver uma perpetuidade inteira, quer-se dizer a tempo completo, e consigo voltar a casa sem adormecer ao volante ou sobre o guidão da mota, facto que, julgo eu, contribui um bocado a amortecer a tragédia e à causa do mais um dia.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Um porco e também pessoas

Na lagoa, a puxar pelos pés do porco de um lado para o outro, estavam dois putos caxineiros a nadar naquela porcaria como se fosse a piscina municipal. Boquiabertei total. Nadavam à pescador, de um modo desenrascado e trabalhador, capazes de ficarem com uma mão livre e pegarem em coisas na água atirando-as de um lado para o outro. Diziam: quando chegar aí acima vou-te matar.

valter hugo mãe. Excerto de "aprender com os animais". 27 janeiro de 2011. Texto escrito para a sessão Caxinas para Capital das Quintas de Leitura do Teatro do Campo Alegre

Era assim: como se estivéssemos no mar, vagas de luz numa tela inventada, e houvesse uma sereia que nos encantasse ao piano, a gente rastejava com a cabeça (cada pessoa a sua) bem levantada, cobras enfeitiçadas éramos, como quem fareja no sal do ar o cheiro da terra sem sucesso, como quem perscruta na espuma duma onda que rebentou areais de praia e palmeiras ou eucaliptos. Havia também sobre o quadrado azul de lagoa em calma ―porco nenhum à vista, menos morto― poltronas dum cinema-teatro antigo para os corpos magros dum tempo em que se distraía a fome adolescente em filmes de motoristas e senhoras insaciáveis. E havia mais, havia redes em que nos deixávamos pescar, como caranguejos tóxicos, simpáticos e inocentes, com um sorriso nas bocas desdentadas de que a natureza nos não dotou para modelarmos a irreverência das gargalhadas. Das poltronas nasciam vozes que desenhavam a nostalgia duma infância de medos assustadores em território ignoto, aquelas selvas de monstros (porcos ou gente) e a mais terrível puberdade de que um velhote perseguidor tinha saudades. Fartámo-nos de rir.

No intervalo saiu o pessoal à rua a apanhar fumo e frio e vistos de dentro através da vidraça, os braços bem colados ao abrigo, os pés saltitantes, eram peixes que abriam muito a boca à procura dum sonho ou de plâncton. Entre o interior e o exterior gerava-se, a despeito da temperatura, uma trasfega de copinhos com um líquido que pelo cheiro que ia semeando em volta e a cor de madeira nobilíssima e envernizada se diria o vinho que os ingleses chamam de port e bebem como se deles fosse.

Ainda mais tarde acabei por pensar que a felicidade (haja quem me gabe a paciência, que eu hei-de gabar a de vossas excelências) era ali, a ouvir um gajo de barbas em rosto de criança e olhos maduros, voz e piano fundidos como se ele e o instrumento fossem o mesmo animal vivo, que até me apeteceu chorar e só no chorei por não sorver forte e feio o ranho ou estragar a maquilhagem. Iludi as lágrimas com o mar azul sulcado de algas vermelhas que assomava à parede, também o calidoscópio camaleão, que me regressava a um estado de embriaguez sentimental e mansa em que a felicidade era mesmo ali, entre histórias de música, pedidos de casamento sem hora nem medida, cuspidelas (ou coisa pior) desde o poleiro e um porco morto, inchado e imperfurável de tão duro, a boiar na memória.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Meios de subsistência

Calhou-me uma semana poética. Terça foi na Fundacão Cupertino de Miranda em Famalicão com o Isaque Ferreira e a Ana Deus de dizentes. Esta noite há no Porto sessão das Quintas de Leitura com o valter hugo mãe. E ainda sábado, aqui/aí em Cerveira, na Porta Treze, um acto em volta do Eugênio de Andrade. Para equilibrar em prosa, fui agora às compras de víveres e investir na aposta semanal única de quinta e sábado da lotaria primitiva.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A rapaza pálida (divertimento)

A rapaza que pasa as páxinas da partitura ao pianista é pálida. Por veces, unhas poucas apenas, permítese un palpitar no peito, que pronto reprime, penso, por pudor, e pugna por imprimir ao rostro, héctico, unha actitude estática, estatuaria, de estética tan estrita canto críptica, inescrutable. Le nas lendas e logo, lánguida, louro o cabelo abala e se alza, leva lentamente a man alada, aloumiña o limbo foliar, tal que linda lencería lene e leve. Olla de esguello ao vello mestre e ao seu tácito explícito xesto, presta, pasa a páxina da partitura e recompón a pousada posición do corpo como pantasma a rapaza pálida.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

166 dias de ascensão gradual

Folgo imenso hoje em saber que ontem foi o dia mais deprimente do ano. Não fosse esta fortificante notícia a alegrar-me a manhã, tinha a cabeça enfurnada entre os lençóis e o travesseiro, o despertador emudecido em cacos no canto mais lúgubre do quarto, uma apatia de não levantar nem corpo nem ânimo, um desleixo agudo na higiene física e mental (escovam-se os dentinhos, lêem-se os jornais), talvez mesmo uma inapetência sólida contra o café único e pródigo do pequeno-almoço (e as suas torradinhas, os gomos carnudos da tangerina e a fragrância expansiva da casca nos dedos, a liquefeita laranja e os figos secos), nem escancarava as janelas (segundo e meio, que está frio polar lá fora) para arejar os ouvidos. Ainda bem, para o meu contento matinal, há quem empenhe os neurónios ou a falta deles em arquitectar a fórmula da infelicidade. Até ao 20 de junho depara-se-me um sorriso in crescendo e ramalhetes de sempre-vivas a desabrochar nas orelhas. Na altura tratar-se-á de arranjar para-quedas.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A culpa da morte do gato

Foi polos do coche, non teño dúbida. Un coche de tarde, no camiño apartado sen saída, en sombra, polo que adoito pasear, á beira do río, onde nunca me cruzo con ninguén. Entrevín através dos amieiros un coche ao fundo. Unha parelliña, pensei. E vou pasar eu a incomodalos? E para máis que teño forzosamente que regresar polo mesmo sitio? Déixaos estar felices. Asubiei para os cans, que deron volta, antes que lles fosen mexar nas rodas, e desandamos. Desviámonos á pista asfaltada ata os invernadoiros. Xa nin sei se era sábado de tarde, se domingo, porque non había xente a traballar. Logo fomos vindo de volta. Nisto que a cadela fuxiu, de golpe, para os ameais. Sentíaa ladrar xunto ao regueiro, case histérica. E eu enteira, histérica, cheirando a gatada. Había gato. Gato mesmo, con patas e bigodes e rabo. E vida. Nin me deu tempo a reaccionar. O can intuíu o mesmo ca min e saíu, toda a artrite esquecida, en dirección aos ladridos. Silencio. Mal asunto, souben. A cadela traía o gato afogado na boca, como un trofeo, o rabo a abanar, toda farruca. Pousouno no chan, deulle co fociño, un algo resentida de que non mexese, o xoguete roto, duráralle pouco. Regresamos presos os tres pola correa, para a casa, os cans e eu, as orellas gachas, o gato mollado, mortísimo, abandonado entre a millaxe seca, seca coma a miña gorxa, que rosmaba e renegaba a rabia de matacáns de palabra (mátovos, mátovos, un día destes mátovos, xuraba en falso). Até que logo dei para aliviar, largando remorsos fóra, a culpa toda dos do coche é que é. Debinlles foi chimpar o gato morto pola fiestra dentro, que fosen botar o canivete para un hotel, mecagoentodo, ou para o baño dun restaurante. Aínda me doe o animal e estas bestas miñas con esa cara de inocencia, de quen non partiu nunca un prato, digo, un gato.

domingo, 23 de janeiro de 2011

O alén no aquén

Cóntasenos unha historia con tres protagonistas cuxas vidas se cruzan nunha feira do libro.

A primeira é unha parisiense como os barquillos, bonita e rica, de vacacións nun hotel de luxo de coma quen di a Indonesia ou para esas partes, que se ergue da cama en que supostamente cohabitou co amante e se viste simple e monísima, a porcona, xa non sen dar unha ducha senón sen sequera lavar... os ollos con dous dedos. Só que axiña, en cuestión duns longuísimos segundos, se comprende a falta de hixiene: había ser moita auga para un só día. E no silencio da sala dous, os espectadores engolen cuspe coma quen fecha a boca en banda à forza da onda xigantesca, nin un disimulado triscar de pipocas ou sorbo de coca-cola que quebre o feitizo brutal da escena.

O segundo échevos un sanfranciscano de toda a vida que tenta fuxir dos poderes sobrenaturais que adquiriu de neno, tras estar cun pé aquí e outro alá por causa dun raio dunha encefalomielite. Os tales poderes permítenlle establecer contacto cos que morreron, polo que podía estar podre de cartos choiando de médium, pero el prefire durmir tranquilo arrolado nas audio-novelas de Dickens e gañar o pan con queixo dando paseos nunha carretilla elevadora por unha refinería de azucre. Até que un día, cousas da restruturación laboral, o poñen no ollo da rúa por non ter can que lle ladre, isto é, muller e prole que manter.

O terceiro é un raparigo de ascendencia irlandesa que vive en Londres, fillo de nai solteira amantísima (unha heroinómana que tamén anda algo metida no briol, á que unha parella dos Servizos Sociais acosa implacable para retirarlle a custodia), calado e serio, un punto túzaro, que asiste á retransmisión vía móbil da morte por atropelo do seu irmán xemelgo ou, o que é o mesmo, dunha parte fundamental de si. A busca teimosa dun elo co finado do seu outro eu acabará por desencadear unha conexión case eléctrica, faíscas e sacudida incluídas, entre vivos. E malia o final, que é deses previsibles e felices que tanto detesto, a película déixase ver ben a gusto.

E se somos todos fabuladores?










But what if we are all fictioneers, as you call Coetzee? What if we all continually make up the stories of our lives? Why should what I tell you about Coetzee be any worthier of credence than what he tells you himself.*

Sophie en Summertime de J. M. Coetzee.

A nada do que se diga sobre el, nin sequera ao que el diga de si, se deberá dar creto. Xa en Mocidade o advertía explicitamente nunhas palabras de que eu me apropiei e andan por aí, como aviso serio a navegantes sobre o que aquí se escribe ou cala, á vosa dereita.

Tomando como centro o período en que John Coetzee acada a idade adulta, Verán é o pretexto para retratar a sociedade branca da África do Sur da década de 1970. Un estudoso ficticio da vida de John Coetzee tenta elaborar unha biografía póstuma que non calla a partir de entrevistas a cinco persoas que o coñeceron nesa época e mais algunha papelada que deixou o escritor presuntamente xa falecido. O coro a seis voces fala da soidade, a morte, a vellez, a enfermidade, a eutanasia, a incapacidade de amar ou de expresar o amor, as relacións familiares e laborais, o apartheid, o compromiso político, o conflito da conciencia entre o sentimento de culpa e o apego a un territorio roubado. E tamén da música.

[Eu poida que perdese o sentido do humor, pero o único que me parece "funny" do libro son as apreciacións do crítico do Observer que colocaron na capa como reclamo. Ende ben, non o mercara precisamente por iso.]

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* Pero e se somos todos fabuladores, como chama vostede a Coetzee? E se todos inventamos decontino as historias da nosa vida? Por que vai ser máis digno de creto o que eu lle conte sobre Coetzee ca o que lle conte el?

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Loito

Habitaba o último andar e tiña o home embalsamado na sala. Aos sábados, fundido nas tebras o luscofusco, revivía o velorio. Abría a casa de vagabán e ofrecía licores e pastas variados, de elaboración propia, aos veciños do edificio, que aliviaban a soidade en troca de catro bágoas escorrichadas polo tan bo que fora, as oracións murmuradas de cor e os contos de defuntos e aparecidos. Contra o abrente, despedíanse e baixaban as escaleiras para cadanseu tobo, o xesto digno a disimular sobre as pernas cambaleantes a lascarda de alcol e sono. Ela fungaba os mocos, tapaba o caixón, desentornaba as fiestras e puña baixiño un cedé de boleros.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Vista panorámica





Centro Cultural "Miguel Delibes". Valladolid

domingo, 16 de janeiro de 2011

sábado, 15 de janeiro de 2011

A paixão de amar

"Eu já não temo a morte. Sou um homem livre".
Irmão Luc em Dos homens e os deuses. 

Pedira um pingo ao balcão no café do hotel. Gosto de entrar ali. Tão asséptica a sala. Tanta luz. Quase ninguém ou ninguém. Ler qualquer coisa na espera. Se calhar até foi de aí que veio a boa disposição, do café, da espera, da luz. Sabia, aliás, que iria gostar do filme. O espírito. O canto-chão e a polifonia: sob um céu variável a estupidez assassina e o amor infindo a um não-ser que é todos os seres. Eu já pensei alguma vez, desta altura, que marchar era morrer, quando se habita na vida, mesmo que sejam de barbárie os sinais, tenebrosos, irracionais como o homem às vezes é mesmo no nome duma promessa talvez improvável. A insónia povoa a noite se o medo se instalou nas paredes internas do corpo e as rói, se a gente se fez rama para os pássaros pequeninos, cedro firme e sólido que aspira às alturas com as raízes em terra. Mas aprende-se a conjurar com a oração e o calor dum abraço colectivo o estrondo da águia impiedosa que paira e ameaça e defende o seu espaço próprio de terror... E na chuva, na paisagem, reconhece-se o caminho que se escolheu. Há uma derradeira ceia em que se partilha um vinho enquanto um cisne morre, o mais belo canto da paixão de amar, e transforma o sorriso em lágrimas. 

Está no fim a neve, essa frialdade dos corações, essa beleza de postal em que se traça a esteira das mortes inúteis.

Ser e não ser

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

E na dúbida é onde está a incerteza

Ou senón como é que eu hoxe ―un día que na radio afirman despexado e que eu vexo espreguizar no tan prolongado ton cincento, logo aínda vou lavar outra vez as lagañas e os lentes non sexa iso― teño de resolver un dilema que me desasosega o sono desde hai unha semana: partido de hóquei na aldea ou Poemas com Cinema no Porto? E así dígome, argumentando, que sobran días para bater co estique na bóla (e, tamén, onde non se quixo, perdón, puxeras caneleiras, cun pouco de xeo pasa logo ou cunha saquiña de ervellas conxeladas, e salvácheste que foi en óso) e faltan momentos e ansias de ouvir, coma quen di, xente que fale. E retrúcome deseguida, ou rebátome, que estreo estique (os Reis Magos portáronse), que hai tres semanas que non xogo, que son douscentos quilómetros e a merda das portagens a cargar sobre a miña conta des-corrente e que a estas idades provectas a miña carreira deportiva é sempre a recú. Total, que nada, restan sete horas para a decisión definitiva e eu non sei se o bote a sortes ou a azares.

Apelo

Alguém me explica porque tenho de estragar o meu talento em filmes do Jackie Chan?*
Um dia destes saio à rua a manifestar-me... como avantesma.

*A poesia alimenta mas não engorda, será isso.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O que se fai con palabras

...si he de morir quiero morirme vivo y no muerto de antemano...

Non dubido que quen lle roubou o bolso no tren sabía o que contiña. A ela nin lle importou a perda da carteira, cos cartos e a documentación, nin quedar sen lentes de sol, nin sen a muda que levaba para un imprevisto, agradable ou desagradable. Chegada ao destino, apeouse na brasa á procura dunha librería, rogando e renegando, que houbese, portódolosantos, un exemplar. Iso foi, máis ou menos, o que me contou cando lle comentei exultante que descubrira na biblioteca de miña nai unha novela que me tiña enganchada e apaixonada. Eu levaba anos contemplando o título no lombo sen que me seducise e era das escasas novelas que foron de miña nai que aínda non lera. Pero os meses de novembro e decembro foron de secura laboral e andaba a contar nos patacóns, que nunca se sabe o que o mañá non traerá. Así que dixen, en fin, a ver de que vai isto. E xa non o larguei. Sabedes esas historias que non queremos que terminen nunca, nas que o que menos importa é o final porque hai un mundo debuxado en cada frase, que avanzan e recúan, desenguedellándose as poucos, sen un gramo de palla que sobre e unha riqueza de vocabulario que mete gana de mastigar as palabras?

Yo escucho las palabras de Mágina, las de los hortelanos y los aceituneros, las que aprendí de mis padres, y me doy cuenta de que muy pronto desaparecerán porque ya casi no existen las cosas que nombraban, igual que han desaparecido los romances de saltar a la comba y las cantilenas amenazadoras de los juegos porque ya no quedan niños en el barrio de San Lorenzo que se asusten de la Tía Tragantía o de la momia de la Casa de las Torres: también en las palabras soy un extranjero y un advenedizo, he perdido las que me legaron y el acento con que me enseñaron a decirlas y no acabo de aceptar como mías las que aprendí después, vivo entre ellas y de ellas pero me son ajenas y no pueden explicarme que tal vez me rechazan igual que las miradas claras y frías de la gente que se cruza conmigo en las ciudades adonde quise huir cuando tenía quince años.

Antonio Muñoz Molina. El jinete polaco. 1991

Amarração










Sinto um fascínio um nada lógico pelas sugestões que, peneirados os textos das cartas, me oferece, de balde e em balde, o servidor do correio electrónico. Num dia destes calhou um que dizia (sic): "Trabalhos espirituais: Amarração, Afasta rival, Magias poderosas, traga o seu amor definitivo...". E não sei o que me chocou mais: se que os trabalhos fossem espirituais (seria também espiritual o pagamento, ou material, pecuniário ou pecuário, carnal...?), se a questão da "amarração", se a ausência de concordância na redacção, se as vírgulas, se as maiúsculas ora sim ora não. Só faltou lá o caldo de aranha. Mas, definitivamente, foi a amarração que me prendeu.

Vá lá, não neguem que ficaram curiosos por saber o que eu tratava nessa carta para receber tal sugestão. Lamento, é privado. Até aparecer uma mail-leaks qualquer, claro.

Invernías (alba plena)

Invernías (case-sempre)

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Torradas de mel e azeite

A vida das abelhas é fascinante... para quem a estuda. Eu li na primeira adolescência um livro sobre elas (dá para um livro, pois, e não era magro, nem um tijolo, por isso), quando ainda me sonhava etologista. Acabei filóloga armada em tradutora, mas continuo a lembrar a dança das abelhas... ao pequeno-almoço.

Invernías (tamén)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Do meu ser não-ignorado e ignorante (e do Manuel Bandeira)




Arnaldo Saraiva, no interior da Porta Treze, debulha a "Poética" do Manuel Bandeira




Em convite a-solene animaram-me a entrar para a Porta Treze, mas quando fui tirar do armário o manto da invisibilidade para alindar-me num desaparecimento ténue, descobri que as traças deram (boa) conta dele e apenas uns fios, como raros cabelos de múmia pré-histórica e voraz, baloiçavam no cabide. E eu disse, ora, tem de ser. E foi. Fui, digo, como eu sou, de mínimo corpo inteiro. E já encontrei ali, na rua, afincado contra a parede dum treze inexistente que se fez real o Nuno Higino, apresentei-me, que eu sou quem sou e tal, e trocámos sorrisos, claro, claros. E logo a seguir estava o Antero, o professor que não me deixa chamá-lo de professor, ainda sendo ele professor mesmo, na mesma, e nem meio passo mais à frente as mãos fortes e os olhos luminosos do Luandino a acolher-me. Aí eu pensei, lúcida, será que as traças foram criadas há milénios para um fim concreto na minha vida?

Com certeza, eu estou a falar aqui de mim, este é o meu diário. Por isso irei também notar que permaneci quieta, a casa do cérebro este de portas e janelas escancaradas, a ouvir e ver como o Arnaldo Saraiva debruçava de palavra e gestos a sabedoria dele em volta do Manuel Bandeira sobre a minha ignorância, essa que quero conservar sempre para sempre e a cada pouco espantar-me na felicidade do muito que ainda, hoje e amanhã, tenho para aprender.


Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

―Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Manuel Bandeira

domingo, 9 de janeiro de 2011

Às voltas com o testamento vital (ainda) III. O livro de Laura Ferreira dos Santos

Um testamento para o pluralismo moral
(Pré-publicação no Público de 8 de janeiro de 2011)
A investigadora Laura Ferreira dos Santos propõe em Testamento Vital – O que é? Como elaborá-lo?, da editora Sextante, uma reflexão prática sobre as questões ligadas ao final da vida. Dia 13 nas livrarias













Neste ano de 2010 transcorrem vinte anos sobre o famoso Patient Self-Determination Act, que, como se explicitará melhor mais adiante, obrigou todas as instituições de saúde americanas que recebem financiamentos públicos a informarem os utentes que os procuram da possibilidade de elaborarem uma Directiva Antecipada.
É também neste ano de 2010 que transcorrem vinte anos sobre a morte de Nancy Beth Cruzan, em estado vegetativo persistente durante quase oito anos, caso famoso e o único, neste âmbito, que chegou ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Apenas tendo em atenção este estado clínico, refira-se ainda que, neste mesmo ano de 2010, transcorrem vinte e cinco anos sobre a morte de Karen Ann Quinlan, em estado vegetativo persistente durante dez anos (1975-1985), cinco anos sobre a morte de Terry Schiavo, em estado vegetativo persistente durante quinze anos (1990-2005), e quase dois anos sobre a morte de Eluana Englaro, em estado vegetativo persistente durante dezassete anos (1992-Fevereiro de 2009). Todos estes casos tristemente famosos de mulheres inicialmente muito jovens trouxeram, de uma forma ou outra, grandes problemas para os pais e para os tribunais. Quase com toda a certeza, estas jovens não teriam ficado todo este tempo nesta situação clínica de limbo se tivessem atempadamente elaborado um Testamento Vital (ou, sob outra designação, uma Directiva Antecipada).
Voltemo-nos agora para Portugal. Gradualmente ―e mesmo sem ter feito qualquer estudo estatístico a este respeito―, fui-me apercebendo do grande desconhecimento que a nossa população evidencia em relação ao que neste país se foi convencionando chamar Testamento Vital, mas que, mais propriamente, deveria ser designado como Directivas Antecipadas de Tratamento (opção deste livro, adiante explicitada), ou Directivas Antecipadas de Vontade. Bastava ler alguns artigos de jornal, participar em certos programas de televisão, dar uma ou outra entrevista sobre o assunto, para ver que, efectivamente, o desconhecimento era grande, ao ponto de se confundir a legalização destas Directivas Antecipadas com a despenalização da morte assistida (eutanásia e/ou suicídio medicamente assistido).
Depois de, em Julho de 2009, ter sido retirado o Projecto de Lei no 788/X que o grupo parlamentar do Partido Socialista apresentara ao Parlamento e que, numa das suas partes, contemplava estas Directivas, fiquei à espera que outro Projecto fosse apresentado no Parlamento, desta vez inteiramente voltado para elas, pela importância de que se revestem. Não tendo vislumbrado interesse, disponibilidade ou tempo por parte dos Partidos para retomarem o processo, senti que a existência de um livro que ajudasse os cidadãos e as cidadãs a tomarem consciência da importância deste assunto, ao mesmo tempo que lhes fornecia instrumentos práticos para, um dia, fazerem a sua própria Directiva Antecipada, era um contributo importante que podia dar à democracia portuguesa. De facto, a meu ver, tornar os cidadãos mais “reflexivos” (cf. Ulrich, 1999: 80) em relação às questões do morrer e da morte, tornando-os assim também mais conscientes dos direitos e das escolhas que podem ter em fim de vida, é uma forma de aumentar o seu empowerment ou “capacitação”. E uma democracia só pode ganhar em ter cidadãos conscientes das suas escolhas e que lutam por elas, escolhas que estejam de acordo com as suas agendas de valores, não permitindo que, ainda por cima em assuntos tão íntimos como são estes do morrer e da morte, agendas de valores estranhas às suas lhes sejam impostas.
Por mais que alguns e algumas não o queiram, o nosso mundo ocidental vive em sociedades seculares pluralistas. Quer isto dizer que as nossas sociedades não se encontram enfeudadas à defesa de uma qualquer ortodoxia religiosa, possibilitando a defesa de várias concepções de vida que não ponham em causa a liberdade de actuação dos outros. Em 11 de Fevereiro de 2007, o constitucionalista português Vital Moreira escrevia, de uma forma simultaneamente irónica e condensada, que “Laicidade… é quando o Código Penal deixa de imitar o Código de Direito Canónico” (Moreira, 2007).
Nos finais de 1979, esta ideia de termos entrado numa época muito diferente das anteriores apareceu traduzida no título de um livro de Jean-François Lyotard: La condition postmoderne. Segundo este autor, em virtude de razões várias, tinha já soado o toque a finados pelas grandes metanarrativas, pelos grandes sistemas de valores que até aí tinham confortado as pessoas na ideia de que viviam com segurança e sem sobressaltos dentro de uma visão do mundo sem brechas, quer se tratasse de metanarrativas religiosas, políticas ou filosóficas. O que se seguia daí? A hipótese de a actuação e o pensamento performativos ganharem a primazia, actuações e pensamentos apenas regidos pelo que Habermas designaria de razão instrumental, interessados apenas na melhor relação de eficácia entre os input e os output. Mas, por outro lado, não ficando nós abafados pela performatividade, seguir-se-ia a impossibilidade de um qualquer metadiscurso anular, traduzir ou subsumir nele as múltiplas pequenas narrativas que os seres humanos vão constituindo com as suas vidas. Haverá então heteromorfia entre os diversos jogos de linguagem utilizados, havendo também, por isso, ocasião para o aparecimento de diferendos. Neste contexto, a democracia terá obrigatoriamente de se abrir para a controvérsia e a incerteza, não como se esse fosse um destino trágico, mas reconhecendo que, de facto, só desse modo se cumpre como verdadeira democracia respeitadora das diversas diferenças razoáveis existentes dentro dela e, consequentemente, também das diversas narrativas pessoais razoáveis que as pessoas nela vão construindo. Neste sentido, afirma John Rawls que o facto de haver pluralismo razoável é a feliz realidade em que nos movemos, pois é assim que a razão prática funciona quando se move dentro de instituições tendencialmente livres (...).
Vivendo nós em sociedades seculares, o pluralismo moral é inevitável: não há uma única concepção de bem, ou do que deve ser uma vida “decente” ou moralmente correcta, não há uma única concepção do que os ingleses designam como uma good life, não há agora lugar para uma visão moral canónica, no sentido de ser indiscutível e de a todos dever abranger. Por isso, tão-pouco há lugar para a imposição pela força de uma qualquer moral, pois as concepções de bem divergem. Logo, também não há direito a impor pela força um qualquer estilo de vida e de morte, com óbvias repercussões no domínio do fim de vida, ou em situações graves de saúde. Já são muitos a pôr em causa a facilidade com que a classe médica se inclina a dizer que pretende sempre o melhor bem da pessoa doente, quando apenas conhece a sua história clínica, e desconhece completamente (e, por vezes, de forma sobranceira) a sua narrativa pessoal de valores.
Numa época de tanto desenvolvimento ao nível dos cuidados de saúde, nem sempre é fácil identificar o que é fazer bem ou mal à/ao doente. De uma forma notável e simples, o conhecido médico e filósofo H. Tristan Engelhardt, cristão ortodoxo convicto, mas que visa assumir até ao fim as consequências de um pluralismo moral inevitável vivido na contemporaneidade, escreve que a tradicional Regra de Ouro que nos vem do Cristianismo ―“Faz aos outros o que queres que te façam a ti”― não pode ser aplicada de modo cego a todos os seres humanos com quem convivemos, sob pena de se transformar numa regra de intolerância e desrespeito. Como as agendas de valores e expectativas diferem por vezes de modo radical, a Regra de Ouro da beneficência só pode ser: “Faz aos outros o que eles gostariam que lhes fizessem, mesmo que não concordes com as suas opções.” No fundo, dir-se-ia que só a ininteligibilidade absoluta desse “bem” que o outro pretende, ou, de forma diferente, a nossa impossibilidade radical de o ver como “bem” (um suicídio impulsivo, por exemplo), nos pode impedir de também querer o que o outro considera ser o “seu” bem. Como escreve Engelhardt, “Poderemos […] ser proibidos pelo princípio do consentimento de fazer aos outros o que consideramos o seu bem, mas que eles consideram prejudicial” (Engelhardt, 1998: 147).
É neste contexto amplo, ético-filosófico e político, que a temática das Directivas Antecipadas deve ser inserida, temática que já tem dado origem a muita literatura em países estrangeiros (...).
Como se dirá a seguir (...) cada concepção de Directiva Antecipada revelará as economias específicas de verdade, valor e poder de que deriva. Não se trata, pois, de uma mera questão “técnica” ―deixar antecipadamente por escrito as nossas disposições quanto a tratamentos, quando já não tivermos capacidade para o fazer, ou indicar e instruir um/a nosso/a representante ou procurador/a de cuidados de saúde que, nessas circunstâncias, fale em nosso nome, segundo as nossas opções. Não se trata tão-pouco de uma mera questão do chamado biodireito, embora ele tenha aqui um papel importante, tanto mais quanto revelará sempre enquadrar-se em determinada biofilosofia ou biopolítica, ou seja, numa determinada concepção do que é o “governo dos corpos”, dando respostas diferenciadas à pergunta sobre a quem pertence a nossa vida (...). Fundamentalmente, trata-se de, perante graves situações de saúde, respeitar a noção de dignidade que cada um tem, aceitar que, perante a doença grave ou a grave diminuição da qualidade de vida, tanto é legítima a esperança fundada da pessoa doente, como a sua desistência igualmente fundada. O que não é legítimo é tentar impor-lhe uma agenda de valores que não é a sua, mas dos seus familiares ou profissionais de saúde, ainda por cima aproveitando-se então da sua situação de vulnerabilidade. Por isso, como nos diz  Lawrence P. Ulrich, “Minimizar ou não atender a um sistema de convicções considerando-o ‘inapropriado’ viola a dignidade da pessoa doente, pois ataca uma das forças centrais que permite aos indivíduos orientarem e administrarem as suas vidas” (Ulrich, 1999: 91).
Dentro deste enquadramento ético-filosófico e político (...) que pretende respeitar ao máximo a diversidade de agendas narrativas pessoais, procederei etsi Deus non daretur (como se Deus não existisse). Ao proceder deste modo não estou a limitar a liberdade das/os crentes, mas estaria a limitar a dos/as não-crentes se lhes apresentasse uma orientação de Directivas Antecipadas que apenas tivesse em causa ensinamentos de uma qualquer religião. Para mim, uma Directica Antecipada concreta, precisamente para respeitar a variedade de agendas valorativas pessoais, deve possibilitar que o cidadão, em situação de incapacidade, recuse o que já pode rejeitar quando capaz, e não estar dirigida apenas para situações próximas da morte. (...)
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Testamento Vital. O que é? Como
elaborá-lo?
Laura Ferreira dos Santos
Sextante Editora
240 págs., 15,90€