As folhas nas vinhas estavam vermelhas, ainda não ocras. Viam-se bem da auto-estrada e sugeriam outonos que nunca viriam como eu gostaria que viessem. Tive vontade de encostar para tirar umas fotografias, retê-las num rectângulo como se fossem ramos de camélia apanhados um por um, os mais verdes, a enfeitar a pedra, escura ―nada se quer saber daqueles outros amarelinhos, carentes de magnésio ou ferro, como a gente, às vezes, de afecto. Mas ninguém que tenha juízo pára na berma da auto-estrada a tirar fotografias de vinhas vermelhas, nem verdes, nem sequer de vinhas sem folhas.
Por isso continuei caminho, desatenta já ao chamado da paisagem, centrados os olhos nas linhas brancas que delimitam, centrado o pensamento entre a memória e o nunca, assim também delimitado. Estreito. Até que saí.
Numa dada altura sai-se sempre. Até porque é preciso sair para entrar num mundo diferente ou no anterior que já não será o mesmo. Paguei a portagem, claro. Ninguém atravessa a fronteira do esquecimento se não levar a moeda na boca para o barqueiro. E então aconteceu o que ninguém esperava. Foi na rotunda. Mandaram parar e encostei, desliguei o aparelho de música onde tocavam cravos talvez de Bach e abri a janela ao guardinha:
―Bom dia. Tem os documentos, faz favor, os pessoais e os do carro?
―Tenho. Muito bom dia. Um momento. Ora, a carta de condução está aqui. Faz favor. E os documentos do carro...
―Mas afinal a menina é portuguesa ou é espanhola?
Diga-se de passagem que sorri e nem me pareceu a partir de aí que o céu fosse tão cinzento. Digo mais, abriu-se um clarão que durou até o início do regresso.
12 comentários:
E tu que respondeste? Nem uma coisa nem outra, sou galega?...
Saudações!
Ora, Marreta, que me importo eu com pátrias! Ele chamou-me menina. Et vive la GNR!
al kohol 0
tá claro se chamou menina já merecia medalha
o ego supera qualquer pátria
Eu acho mais, (este raio de corta e cola escreve-me o nome ao contrário), que ele merecia óculos, mas há crise, e a imaginação sempre foi fértil em épocas de crise. Por enquanto eu, menina e moça.
Ou seja, o guardinha foi muito simpático com a menina :)
Beijinhos :)
O guardinha não foi só simpático, Capricho. Foi um clarão num dia cinzento. ;)
Menina e moça e de nacionalidade desconhecida... :)))
Mas meninas seremos sempre, nem que sejamos só para nós e algumas amigas... :D
Beijinhos!
Pois, pois, Teté, meninas: afinal no fim sempre voltamos às fraldas. (E aqui não sei se sorria, se pisque o olho, se deixe descair os lábios tristemente.)
Fermosa xuntanza a dun guardinha (pedindo papeis) e unha menina (dándollos). Portuguesa ou galega; qué mais ten?
Sobre todo porque non me multou, Chousa. Non é que houbese motivos pero xa se sabe que cando hai vontade (mesmo da má) e afán recadatorio os motivos aparecen.
E o guarda nunca ficará a saber do clarão que se abriu: injustiça necessária e boa!
Cándo hei atopar un guardinha que me diga "menino"? Aisssss.... :((
Xa postos a pedir, unha guardinha..;)
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