Notou a humidade no pé esquerdo e sobresaltouse. Pousou o dereito, mollóuselle tamén. Ósperas, a casa alagada. Abrasoulle unha punzada o peito. Espertou de vez. Prendeu a luz. Unha lámina de auga lamacenta cubría o sollado. Raio de canalizacións! E tiña que saír escopeteado ao choio, era tardísimo. Nin café, de pronto, lle apeteceu. Subiu a persiana. Alborexaba xa, o ceo víase limpo, nitidamente recortados os montes ao lonxe. Presentíase vento norte na transparencia do ar, un frío lixeiro. Entreabriu a ventá para confirmalo e confirmouno. Nin unha nube. Un arreguizo, coma unha trallada sutil, na espiña. Foi para o baño chapuzando. Chof, chof. Polo sumidoiro da ducha cantaba de bico en alto un perú sobrio, agónico, gluglú-gluglú, un borboroto de manancial case idílico, non fose o fedor á cloaca que lle torceu o nariz. Do resto, a casa era un silencio de paxaros mortos que lle lembrou o enmudecemento insólito na parede. Estremeceu por segunda vez. Virouse á procura da hora exacta no reloxo da sala. O péndulo estático en equilibrio diagonal calaba o tic-tac, os punteiros diríanse, porque estaban mesmo, suspensos tras o vidro embazado. Correu ao teléfono enchoupando os baixos do pixama. Corría e renegaba. Renegaba e bastante. Marcou o número do fontaneiro. Comunicando, comunicando. Nin contestador para urxencias! Merda, merda, merda! O Pedro, o Pedro. O Pedro estaba no paro. Chamo polo Pedro, igual mo soluciona el.
―Diga?
―Perdoa, Pedro, xa sei que é moi cedo. Son o Xocas. Esperteite? É que teño a casa inundada. Algún cano que rebentou, que sei eu! E teño que ir para o choio. Non podías...?
―Non che rebentou nada aí, Xocas. Non é a túa casa. A min chégame a auga ao pescozo... Deume por abrir a porta da rúa e... ―falaba coa calma de quen se deixa afogar, rendido.
―O que?
―Que non abras a porta da rúa, Xocas. Que poñas farrapos diante da entrada. Non é a túa casa. É por todas as partes. Vén de aí de fóra. Está todo a meter auga. É o país!
38 comentários:
A Sun Iou Miou (gabo-lhe o gosto pela escolha deste pseudónimo), etiquetou este texto na rúbrica "non é conto". E não é um conto, na verdade, já que não obedece aos cânones desse género literário, de que eu tanto gosto. Mas é uma belíssima parábola, embora não tenha a eloquência enfática das parábolas bíblicas, que, aplicada a este caso, seria displicente.
É uma parábola na forma e no conteúdo, e que consegue sobrelevar o conceito central, que se pretende transmitir.
Com esta parábola, considero que a Sun Iou Miou (qual é o seu nome verdadeiro, se é que se pode saber) já está em condições de usar uma pasta de executivo, em vez daquela mochila, que só lhe arregimenta dissabores, como aqueles que relatou ontem.
Ligar o silêncio
E eu que não me imagino de pasta de executivo, Anónimo?
Quanto ao meu nome verdadeiro, todos os nomes, pois que existem, são verdadeiros. Mas se pergunta por aquele que consta no bilhete de identidade e com que faço as declarações de IRS, está lá no meu perfil... incompleto.
É genial!!!! a forma, o fondo.. arrepiante... como invejo! insisto. beijinhos.
Obrigada, Pau. Talvez devi chamar Joaquim o protagonista. Acho que ando a ouvir muitas (e más) notícias da Tuga.
Fabuloso! Em todos os sentidos.
Encantou-me.
Só... se se permitir uma discordância...
Eu nom lhe colocaria esse título: adianta o final. Um final estupendo, que na minha modesta opiniom deveria ser uma surpresa. Assim a "parábola" começaria a gestar-se de adiante para tras.
Parabéns de novo. É uma delícia ler cousas assim.
Saúdas raianas.
Sun Iou Miou:
Aqui estou eu, novamente, intruso abusador que se meteu nesta sua conversa que diariamente mantém com os seus amigos, a maioria galegos, num diálogo impressivo, coloquial e desinibido, exibido com saudável e franca alegria, e que foi o que me levou a entrar sem bater à porta. Mas, tal como entrei, também vou sair, e posso dizer já que com alguma mágoa, e até saudade, pois senti-me bem neste ambiente colorido, que os seus textos animam e os seus leitores comentam, com aguda vivacidade.
Saio por razões pessoais inadiáveis e urgentes, que me vão obrigar a não dispor de tempo para a visitar aqui, assim como visitar os seus leitores. Lamento muito, mas a vida é assim. A internet tem, sem dúvida, muitas vantagens, mas os bytes e os bites ainda não têm capacidade de aquecer os corações. E quando, por ilusão internética (julgo que inventei um termo para a minha língua) eles parecem aquecer, surge sempre um qualquer vírus que os arrefece. E não há nada mais triste do que um coração triste e amargurado. Por isso vou regressar ao ponto primitivo das ondas hertzianas, onde cavalgam as palavras e os sons, em alegres movimentos sinuosos, cheios de harmonia, como se fosse uma dança onírica, e que lhe dão uma beleza ímpar.
Clandestino, andei por estas bandas a bisbilhotar o que se escrevia e o que se comentava e, confesso, deixei-me seduzir pelas crónicas, pelos poemas e pelos comentários. Só muito recentemente decidi intervir, mas, reconheço, entrei muito tarde, ao ponto de não ter tido tempo para aquecer o lugar.
Talvez a Sun Iou Miou e os seus leitores nunca mais ouçam falar de mim. Se um dia pudesse novamente aparecer, viria com roupagem nova, outro look, outra linguagem, mais adaptada a estes tempos pós-modernos, e, naturalmente, outro nome. Por enquanto, ainda sou o “Ligar o silêncio”, que aqui deixa as suas saudações à Sun Iou Miou e aos seus dedicados leitores.
Um abraço
Ligar o silêncio
P.S. Sun Iou Miou: se por acaso este macarrónico português lhe parecer ininteligível para os seus leitores, peço-lhe que o traduza para a sua língua. É que eu sou um péssimo escritor, a quem falta tudo – elegância na construção da frase, imaginação criativa para criar imagens literárias e uma confrangedora falta de vocabulário, última falha esta que até me obrigou a recorrer ao termo popular “macarrónico”, e que até a própria Sun Iou Miou (engraço com o seu pseudónimo) talvez não saiba traduzir, por, naturalmente, o desconhecer. Pois, dir-lhe-ei que macarrónico significa mal amanhado, mal feito, amacacado, mal concebido, atributos estes que, também a mim, me assentam como uma luva.
Como se dizia em Angola, no meu distante tempo de infância:
«Ele há cada um.... que até parece dois!»
E pois, pois: as cheias também já chegaram ao cantinho florido à beira mar plantado, só que não há maneira de levarem de arrasto toda a classe política.
Sun Iou Miou:
Estou com alguns problemas de comunicação. Ou então o meu computador deve ter alguma anomalia ou algum vírus. Eu bem disse que os bytes e os bites não aquecem os corações.
Ao colocar a primeira versão do meu último comentário, apareceu-me a sinalização de erro. Desliguei o computador e voltei a ligar, para repetir a operação, mas agora com um acrescento no texto. Quando coloquei este segundo texto, verifiquei com espanto que a primeira versão estava publicada.É isto que me irrita na internet, que, neste particular, se comporta como a maioria das mulheres, nunca se sabendo para que lado estão viradas. Desculpe me o desabafo. Se a Sun Iou Miou fosse feminista, já estava a desancar-me.
Por isso, peço-lhe que elimine a primeira versão do texto e que, em nome da verdade, publique este que agora estou a escrever, para que os leitores percebam o que aconteceu.
Que país? O teu, o meu ou vários que todos conhecemos e cada dia metem mais água??? Não será o mundo que está a meter água?!
O pior é que todos assistimos, impotentes, aos desmandos dos que nos governam, transformando-nos em escravos "modernos"... :(
Beijoquitas e bom fimde para ti!
Con permiso de Anónimo, esta inundación narrativa de Sun Iou me conmueve.De lo mejor...
Xa quixera eu ter antes a idea da inundación tan evidente. Nesta envexa non afogo: disfruto! (Mira que son raro, carallo!).
Erguendo o papo, para que a molladura sexa dos beizos, deixo beijos
Ordem na sala!
A ver, Anónimo raiano: Pode discordar quanto quiser, mas pouco adianta. Sou eu a chega do tasco por enquanto.
Aqui os títulos pensam-se (dentro das possibilidades do cérebro pensante) muito, falei disto alguma vez.
Eu já sabia que essa frase é o final e que no leitor atento ia diluir a magia-surpresa do texto, mas mesmo assim, e como já fiz nalgum outro texto, decidi que esse era o título (eu nas minhas coisas sou bastante, muito, exagerada e perniciosamente obcecada) porque afinal não é o final o que me interessa a mim, que já o conhecia o desde o início (e que era o único que conhecia desde o início), antes o que está no caminho que vai do início ao fim: isto é, o texto que se escrevinha, a forma, o que acontece para chegar aí e que é o que eu a mim própria me vou revelando. E nisso e por isso não é um conto, mas a viagem como eu a entendo: um percorrido de que a gente só conhece o destino final, sendo esse, o destino sabido, o que menos interessa.
Abraço raiano
(E não se me aflija, que tenho "aquilo" no forno a cozer a fogo muito muito brando. Tempo, pretty please.)
Ligar o silêncio: Eu já devia largar um impropério mas à moda do Porto, positivamente! Agradeço a presença e vou lamentar a ausência, que espero que não seja mais do que uma ameaça passageira (as ondas hertzianas são mágicas e eu gosto muito delas, que todos os dias me acordam numa colagem de notícias e músicas na torrada do pequeno almoço, mas, ai, para tudo há espaço).
Quanto ao macarrónico, em castelhano e galego entende-se bem, porque a acepção é a mesma: é o que têm estas línguas românicas, que nunca se sabe onde coincidem e onde divergem.
Do resto baralhei-me, porque não entendi o que quer que apague e o que quer que deixe e porquê hei de apagar o que quer que seja, quando está tudo dito e bem dito (mesmo aquilo das amarguras e os corações e os seus sistemas de aquecimento). De maneira que com licença e sem ela, e abusando de que se anonimizou perdendo assim o direito a apagar o texto, eu NÃO vou apagar nada.
E volte sempre. Que a única vantagem que tem isto é a de não ficar a gente a falar/escrever sozinha.
Tenho dito
Ai, e obrigada!
Oi, Jonas, tens certeza que não era galego esse angolano?
E tu não te metas com os meus anónimos que levas paulada!
A classe política tem arca de Noé em versão iate de luxo. Não afogam esses nem nas suas próprias mentiras.
Aí, está ben que o deixe como alegoría, pero moito receo que non o sexa. Este cochino mundo noso naufraga!
Pois, Teté, país, qual país? Que venha o diabo e escolha, acerta sempre.
Aqui andamos ouvindo algum milionário de pouca vergonha: que trabalhemos mais e ganhemos menos para superarem eles a crise: ganharei o pão (e o caviar!) com o suor do vosso trabalho.
Se te conmove e non te afoga, Ella, alégrome. :)
Como a idea, Chousa?! Pero non nota a humidade nos pés cada mañá ao erguerse? Eu xa troquei as pantuflas por katiuskas!
Kaplan, que non é alegoría, non. Merque as katiuskas antes que sexa tarde (que non creo eu que os emolumentos lle dean nin para unha gamela!)
Mi ma! Rematei xa de contestar? Non deixo máis o cortello sozinho.
Sun Iou Miou:
Tal como agora se encontram as coisas, fez muito bem em não apagar nada, pois não fazia sentido algum. O que eu tentei dizer, mas que por insuficiência de rigor das minhas palavras, eu não consegui explicitar correctamente, era a supressão do meu primeiro texto, aqui já publicado (22,41H), por um outro, que tinha um acrescento, mas que infelizmente não consegui enviar e publicar, por mais porfiados esforços que tivesse feito. Aparecia-me sempre no visor a sinalização de erro, sinalização essa que era omissa nos envios efectuados posteriormente, como experiência, para outros blogues, o que me leva a concluir que o problema não residia no meu equipamento informático. Se esse texto, com um acrescento, tivesse seguido e tivesse sido publicado, não fazia sentido manter em exposição o primeiro (o das 22,41 H) para evitar a duplicação.O outro texto(23,29H) manter-se-ia para que os leitores percebessem o que se tinha passado.
Sun Iou Miou: Vou fazer uma última tentativa, mais por descargo de consciência, do texto que ontem não consegui enviar, e que eu pretendia que fosse a versão definitiva. Se o não conseguir, julgo que o seu sistema informático terá algum vírus, um vírus que, espero, não seja biológico, mas sim informático.
Mas também não virá mal ao mundo se aquele acrescento desse texto, que agora vou tentar enviar e que eu gostaria que fosse a versão definitiva,não for publicado. É que, na verdade, ele não passa de um "grunhido", idêntico aos milhares de grunhidos que se "ouvem" na blogosfera e no facebook.
Sela qual for o desfecho deste lamentavel equívoco, não deixarei de agradecer as suas amáveis palavras.
Ligar o silêncio
(Este é o acrescento que não apareceu publicado ontem.)
Uma última observação, Sun Iou Miou. Fiquei contente por ter alterado o vocábulo inicial, “fantasmais”, que utilizou no último verso do poema “Alheamento”, publicado no seu blogue Fragmentos, pelo vocábulo “espectrais”. Foi um golpe de rins bem sucedido. Na realidade, a palavra fantasmais está em desuso (em alguns dicionários de português nem é citada), devido à sua fonética arrevesada, que não aconselha a sua utilização na poesia. Como vê estou muito bem informado sobre tudo o que escreve. Julgo tê-la surpreendido agradavelmente com esta revelação. Tome isto como um sincero elogio.
Não sei o que acontece, Anónimo. Eu recebi o texto íntegro (ontem e hoje) no meu correio electrónico, com o acrescento. Por alguma razão esta caixa de comentários não permite textos tão compridos. Vou ver nas definições se há alguma coisa que me possa esclarecer o que se passou.
Alegro-me que gostasse da mudança do adjectivo. :)
Não sei se tenho algum vírus se não. Tenho o anti-vírus ao dia, de maneira que duvido que seja isso. Julgo que seja antes problema do fornecedor do blogue.
Até que enfim recobri o que se passou, Ligar o silêncio. O blogger, com o filtro novo anti-spam, interpretou como spam as suas mensagens. Estão lá todas guardadinhas num separador que diz SPAM. Nunca me ocorreu ir ver o que lá havia.
Acho que agora está publicado tudo o que escreveu, mas se faltar alguma coisa, diga, que eu vou procurar ali ao LIMBO, antes de elimina-las mensagens já repetidas definitivamente.
Peço imensas desculpas.
Está tudo bem, Sun Iou Miou. O acrescento destinava-se, de uma forma indirecta, a chamar a atenção dos seus leitores para a necessidade de visitarem o seu blogue Fragmentos, a fim de poderem fruir a beleza e a "imponência" dos seus poemas.
A Son Iou Miou agarra os seus temas poéticos de uma forma muito original, não copiando modelos de outros poetas. Procura o seu próprio caminho de acordo com a sua sensibilidade. E isso é uma grande qualidade. Seria óptimo que os seus amigos leitores a procurassem no blogue Fragmentos.
Um dos seus leitores, na sua intervenção, pareceu-me estar a duvidar da minha existência física, pensando talvez que isto seria uma montagem da Sun Iou Miou. Engana-se redondamente esse leitor. E um dia eu irei aparecer novamente, não numa manhã de nevoeiro, mas num dia de sol,apresentando-me perante todos com a minha identificação verdadeira.
E agora, sim! Vou-me embora.
Ligar o silêncio
Ui, Ligar o silêncio ou Dom Sebastião em versão Dia Claro?! Hehehe!
Muito obrigada mais uma vez. Mas deixe estar os meus leitores no Cabaré tranquilos. Já bastante esforço fazem em virem aturar o que escrevo aqui e comentar como se percebessem. ;)
Ai, não era má ideia a de eu criar um personagem para me gabar a mim mesma. Hihihi!
Nin de coña penso eu neste país a romper augas, e se ben de fora, que entre a ver si algo queda...
O texto está en galego, Condado, pero inspirado nos telexornais da Tuga, que é o que me acompaña na cea para quitarlle o doce ao iogur de pexego. Xa o dixen por aí arriba.
Nin de coña penso eu neste país a romper augas, e se ben de fora, que entre a ver si algo queda... Reafirmo
E digo eu, Condado, agora que estou un pouco máis esperta e por iso mesmo non entendo nada, quen falou aquí de partos?
Entón noa era o País a romper augas? Non me entero de nada...
E será que não o poderíamos doar para investigação científica? Acho que o estudo do seu cérebro iria permitir avanços fabulosos na arte de descortinar mentirosos compulsivos.
Abracinho!
vocês orientem-se...
Se non te entendes nada, Condado, é que todo vai ben. Pero non saias de casa sen os manguitos.
Está doado, Rafeiro. Enquanto morrer vai para a mesa das dissecações.
Orientar-se quer dizer ir para o Oriente, Kapik? ;)
Beijo bem orientado!
Veño de confirmar que teño adicción ao Cabaré. Qué se lle ha facer...
Bicos enchoupados. Ogallá que teñan que comer as contas correntes (as libretiñas, xa me entendes...)
Quítese do vicio, setesoles, antes que sexa tarde. Eu xa non me dou desenganchado. ;)
Aínda teño os pés mollados. Ou será que arrefriou o tempo?
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