sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
E non me fechedes os ollos
Como parece os deuses están tan distraídos nos seus incestos, orxías e bacanais que nin se lembram dos mortais contribuíntes que por aquí andamos, turrando contra todo e nada, facede o favor de esforzarvos (uffff!) en construir un 2011 mellor, porque o futuro, non che me vos enganedes, somos nós quen o diriximos a cada paso que damos (ou non damos).
P.S.: Se celebrades o rito da pasaxe ao Aninovo com uvas ou pasas, tentade non esganarvos, que a familia e os amigos non teñen culpa ningunha da vosa torpeza.
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
De sentenças de morte (e indultos)
Como propósito para o ano novo é mesmo nada disparatado. Vive-se tantas vezes, às vezes, sem dar por isso, pela vida, que incomoda. Sentir os dedos doer, por exemplo, e os olhos a perseguir sonhos é um exercício de concentração estrito. Não foi isso o que aconteceu ao touro. Quis não morrer na hora que lhe marcaram e fugiu. Mas assim morreram-o antes ainda, matado, a caminho do regresso ao matadouro, adormecendo-lhe o instinto, domesticando-o quimicamente para virar de ali a uns dias posta com arroz e salada, filet-mignon com batata a murro ou rabo estufado com ervilhas. Assim morremos antes da hora nós tantas vezes, às vezes, e no fim, miséria, só daremos boa janta aos vermes... ou nem, incineraditos, que é moda de poupar espaço, as cinzas a entrar por olhos e bocas e narinas alheios, raispartam o vento, rosmam os presentes cuspindo lixos do defunto.
Pois não indultaram o bicho depois de eu ter escrito esta porcaria? E agora faço o quê?! Mando o rascunho à lixeira? Vou ver eu se quando me chegar a hora me indultam também, e os vermes que se lixem.
Pois não indultaram o bicho depois de eu ter escrito esta porcaria? E agora faço o quê?! Mando o rascunho à lixeira? Vou ver eu se quando me chegar a hora me indultam também, e os vermes que se lixem.
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Pestanejar na escuridão
A Poeta é incerteza, suma sacerdotisa do paradoxo ponto ela ou dúvida que arrasta à pesquisa dissecante pelo território trépido e fluido dos significados. Assim é que oscilando dissolve interrogações para atingir espaços acústicos que são ecos pelas margens dos ouvidos, espelhos nos horizontes dos olhos e no hálito pulsátil dos lábios, um tremor de oásis. A leitora segura-se nas velas páginas à distância pouca dos antebraços telescópios e enfuna em orgulho, vasto, a húmida estreiteza do peito (transido de nevoeiros) que estoira num foguetório sinfónico, por ser ali, numa página ímpar, nome que se escreveu em digressão e cursivo, por primeira vez, tinta em folha-papel de livro-poemas, sombra clara.
Obrigada, Suzana ―era sem tempo que eu dissesse.
: Descartes aconselhou-me a duvidar de tudo, mas duvido dele e apetece-me não questionar algumas vezes; e gosto desta dúvida ―dá-me uma espécie de asas; dói-me, contudo, aristocraticamente a cabeça e escuto zumbidos transversalmente ao silêncio e ao meu pestanejar na escuridão; pergunto-me, pergunto-me sempre: da própria incerteza. do sentido da dor. da subsconsciência dos sentidos, das ignorâncias, da ignorância da ignorância. do caminho da liberdade. da via do compromisso, dos trilhos do apego. dos desvarios do controle. dos sacrifícios dos orifícios. do que Deus estará a fazer. e fico incerta, insecta, zunindo em torno daquilo que julgo ser a minha cabeça
Suzana Guimaraens
"Dispersões insones" (excerto). Parodox.sou (2010)
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Durmir
Espertou na mesma postura en que se lembraba a fechar os ollos, con el a protexela do mundo, abrigándolle as costas e a desistencia. Nove horas. Seguidas. Sen unha miserable dor que a arrancase da cama no medio e medio da noite ou co sono tan profundo que os vidros ciscados polo sangue non deron quebrado a suspensión da consciencia. Nin un pesadelo de corredores en penumbra que se abrían a abismos, resplandores. Nin un soño en tons grises de conquistas compartidas. Falaba de si en terceira persoa, como se fose personaxe ficticio en filme alleo, porque cando prendeu o ordenador, no ceo da boca o amargor do café chirlo con que eludía a prescrición médica e a dozura pesada dos figos secos no centro da lingua sobrepostos á pasta de dentes, aquilo parecíalle mesmo sobrenatural. E nunca crera en nada que excedese a natureza simple do palpable. Nunca?
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Os livros, sempre
BARRETO NUNES, Henrique. Amigos Maiores que o Pensamento. Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. 2010
No passado 21 de dezembro, o Henrique Barreto Nunes lançou uma colectânea de artigos e textos em volta das suas lutas e dos seus livros e que dedica, parafraseando o Zeca Afonso, aos seus amigos.
O volume, publicado pela Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, foi apresentado na sede desta pelo geógrafo Álvaro Domingues.
___________________
Improviso para saudar numa ca(u)sa um grande Amigo...
Para o Henrique Barreto Nunes
Deixa que nesta noite polar
a memória ocupe o pensamento todo
e não sobre lugar na mesa
para mais ninguém
foi aqui (lembras-te?)
que interrogámos o destino
e o ganhámos
talvez tudo o mais tenha sido em vão
menos aqui
nesta antiquíssima liberdade
que nenhuma ruína calou
nenhum esquecimento.
Ademar Ferreira dos Santos. Em Abnóxio
08.01.2010
domingo, 26 de dezembro de 2010
sábado, 25 de dezembro de 2010
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Aparecem-me cadáveres
Pronto, para aqueles que não tiveram hipótese de iluminarem o seu desentendimento com a leitura em papel, já está disponível em versão pdf a história verídica que o pessoal de Novas da Galiza arriscou a publicar-me.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Regresso ao passado
Não, não ando com saudades doutros tempos. É só que ontem fixem um experimento científico: fui ao Porto pela EN13 desde Viana do Castelo: 70 quilómetros em duas horas e meia. Prodigioso. O total do percurso, 110 quilómetros em três horas.
Em 31 minutos fiz o trajecto que vai de minha casa a Viana do Castelo, pela A28 (incluídos aqui os caminhos da aldeia, a ponte e uma parte pela EN13 desde Cerveira até à entrada da A28 em Lanhelas, uns quarenta km). Depois, já no lusco-fusco (felizmente sem chuva), trás atravessar o Lima, saí em Darque, mas ao não encontrar indicações para seguir para o Porto (havia uma estrada cortada, talvez era esse o caminho?), voltei para a A28. Passei pelo primeiro arco a sorrir e penteadinha para a fotografia e abandonei a via CCUT na primeira saída. A partir de aí fui tentando não atropelar idosos com carros de mão ou de bicicleta, vestidos de preto rigoroso, quem sabe se prêt-a-porter para o seu futuro enterro, e parando nas passadeiras, tudo como é devido, sem livrar o Estado da carga onerosa dalguma (miserável) pensão de reforma. A velocidade nunca era muita: por três ou quatro segundos e só em duas oportunidades consegui colocar o carro a uns vertiginosos 70km/h, que quase me iam descolocando a queixada. Do resto a velocidade de cruzeiro era, aparentemente, de 50km/h, mas pelo troço que atravessa Póvoa de Varzim e Vila do Conde, sempre em primeira, em arranca-pára, até os sapos iam mais rápido. A última vez que olhei para a velocidade média TOTAL do percurso, pouco antes de passar às vias de acesso ao Porto, era de 50km/h, que com certeza deveu descer, pelo muito que demorei a entrar.
Para mim foi uma aventura que levei com muita paciência e música. Mas há quem tenha de fazer isso cada dia...
É lamentável não existirem comboios com mais frequência, porque visto isto, as duas horas que se demora da estação de Vila Nova de Cerveira à de Campanhã no Porto levam-se muito mais descansadamente.
(Não digam a ninguém, mas voltei pela A28: 1 hora e 10 minutos, desde que arranquei o carro no Porto até à minha casa.)
________
Depois de ouvir as notícias, quase é melhor assim: 50 km/h sempre.
Em 31 minutos fiz o trajecto que vai de minha casa a Viana do Castelo, pela A28 (incluídos aqui os caminhos da aldeia, a ponte e uma parte pela EN13 desde Cerveira até à entrada da A28 em Lanhelas, uns quarenta km). Depois, já no lusco-fusco (felizmente sem chuva), trás atravessar o Lima, saí em Darque, mas ao não encontrar indicações para seguir para o Porto (havia uma estrada cortada, talvez era esse o caminho?), voltei para a A28. Passei pelo primeiro arco a sorrir e penteadinha para a fotografia e abandonei a via CCUT na primeira saída. A partir de aí fui tentando não atropelar idosos com carros de mão ou de bicicleta, vestidos de preto rigoroso, quem sabe se prêt-a-porter para o seu futuro enterro, e parando nas passadeiras, tudo como é devido, sem livrar o Estado da carga onerosa dalguma (miserável) pensão de reforma. A velocidade nunca era muita: por três ou quatro segundos e só em duas oportunidades consegui colocar o carro a uns vertiginosos 70km/h, que quase me iam descolocando a queixada. Do resto a velocidade de cruzeiro era, aparentemente, de 50km/h, mas pelo troço que atravessa Póvoa de Varzim e Vila do Conde, sempre em primeira, em arranca-pára, até os sapos iam mais rápido. A última vez que olhei para a velocidade média TOTAL do percurso, pouco antes de passar às vias de acesso ao Porto, era de 50km/h, que com certeza deveu descer, pelo muito que demorei a entrar.
Para mim foi uma aventura que levei com muita paciência e música. Mas há quem tenha de fazer isso cada dia...
É lamentável não existirem comboios com mais frequência, porque visto isto, as duas horas que se demora da estação de Vila Nova de Cerveira à de Campanhã no Porto levam-se muito mais descansadamente.
(Não digam a ninguém, mas voltei pela A28: 1 hora e 10 minutos, desde que arranquei o carro no Porto até à minha casa.)
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Depois de ouvir as notícias, quase é melhor assim: 50 km/h sempre.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
A preciosa inutilidade da poesia
A poesia não precisa de ser útil. É no valor imenso da sua inutilidade que se fixa a sua importância. As imagens que possa oferecer ―como quem diz, o dia que se inicia com jogos malabares de pedras, corações-calhaus a dançar no ar que a ninguém alcançam, a ninguém ferem, ninguém é ninguém que passa, o chão que os recebe, prontos para mais um amanhã: a circular persistência do sonho inatingível― podem ser uma verdade qualquer, e a verdade tem frases assim que tocam (música).
_____________
projecto de vida
de manhã
jogo calhaus ao ar e
faço o cômputo das pedras
que não ferem nenhum passante
os passantes não passam
as pedras estão no chão e
os calhaus cairam todos
novamente
Ana Saraiva. 19 de dezembro de 2010
(Versão para português de María Alonso Seisdedos)
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domingo, 19 de dezembro de 2010
sábado, 18 de dezembro de 2010
Alguén que poña orde nisto
Dígovos que no meu eido, a estas alturas de decembro, hai rosas. Rosas.
Flipo en cores, tons de rosa.
Flipo en cores, tons de rosa.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
¡Felicidades, Profesor!
Sei que ele não vai ler isto, e com certeza (lá vão tantos anos) nem se lembrará de mim, mas eu cada vez que me cruza a palavra "professor" pela mente é este homem que lhe põe imagem e som.
Os outros mestres
Uma loja de ferragens decente é um naco de paraíso metalizado. (Fosse o mundo uma livraria, uma loja de ferragens e mais um rio de águas bravas, eu pedia para mim a eternidade no aquém.) Desde a porta até ao meio fundo há metros cúbicos de prateleiras que estreitam os corredores. Ainda não alcancei o balcão e já a menina me interpela intuindo a minha insegurança.
―Eu queria ―digo― uma coisa que não sei se têm aqui.
―Temos ―responde e, revelando o caminho à imensidade, manda-me descer as escadas.
Desço e peço pela minha boca o que o funcionário, sem hesitar no labirinto, mostra. Tomamos medidas e ele explica-me qual a maneira de montar a engenhoca, como quem dá uma aula à minha ignorância com a paciência e sabedoria duma escola antiga.
―Eu queria ―digo― uma coisa que não sei se têm aqui.
―Temos ―responde e, revelando o caminho à imensidade, manda-me descer as escadas.
Desço e peço pela minha boca o que o funcionário, sem hesitar no labirinto, mostra. Tomamos medidas e ele explica-me qual a maneira de montar a engenhoca, como quem dá uma aula à minha ignorância com a paciência e sabedoria duma escola antiga.
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
A resolução do problema
―Já imaginou o que seria beijá-la?
O homem escancarou os olhos como quem abre os postigos da mente à luz. Cegou-se.
―Eu...
―Não, assim não. É ela o primeiro, o preâmbulo, o sonho. Só depois, e nem sempre, vem um, o próprio.
O homem calava, embaraçado, e a nuca carregava-se-lhe com o peso do mutismo, o olhar enterrava-se, as mãos contorciam-se, a vergonha crescia reconhecendo-se.
―Imagine então que ela entra na sala quando ninguém mais está, só o senhor e o luar que tudo invade ao abrir ela a porta.
O homem tem no peito bastantes cavalos que o destroçam e abafa um grito, a ansiedade.
―Só eu?
―E o luar, disse.
―Só eu e o luar.
―Isso. Mas o luar apaga-se logo, quando ela fecha, trás de si, a porta ao mundo. Aí é a escuridão.
―Não pode haver, que só seja, uma vela a arder, num canto, que ilumine o seu vulto, o dela, e o embale no seu oscilar?
―Pode.
―Então, sou eu, o luar que já não está e mais a vela prendida num canto ―sussurrou o homem, o hálito avivando a chama da fantasia no ventre, nos pulsos.
―E o vulto dela a flutuar, derramando um perfumo à fêmea intocável ―avançou a voz sobre o homem, que quase ia asfixiando no odor que o investe e o repele.
―Intocável? Intocável porquê?
―Não porquê, mas por quem, ou melhor, para quem. Para si. Repare: a covardia prendeu-lhe as mãos.
O homem tenta disfarçar a turbação engolindo o sapo, que por sua vez devora toda quanta réplica lhe acode ao estômago. Até que enfim o silêncio se estremunha na penumbra puxando o fio dum gemido da garganta sufocada do homem.
―A covardia aproveita a debilidade para tirar nenhum proveito. Não tem nada a fazer. As mãos nunca obedecerão um mandato frágil. Mas eu perguntei se já imaginou o que seria beijá-la e o senhor não respondeu.
―E como a havia de beijar se nem tocá-la posso?! Ah, pronto, perguntou se já imaginei...
Ao fundo, onde nenhum arquitecto pensou em traçar um vão, ardia uma vela de que escorriam lágrimas pela sua própria consumpção, enquanto o fume tingia de vermelho líquido os olhos do homem que estava no chão sentado. De repente, a porta abriu-se e no contraluz recortou-se uma figura cujo cheiro assaltou as narinas sôfregas pela espera. Reconheceu a fragrância que, claro, era inebriante e pungente. Ao fechar ela a porta expulsou o resplendor tíbio que o luar propiciara. À luz da vela a sombra da mulher adiantou o rosto, acordando ondas de desejo além daquelas paredes secas e desenhou no homem um reflexo canino: este arrancou com os dentes lábios e língua e cuspiu-os contra o sorriso trémulo da quimera.
O homem escancarou os olhos como quem abre os postigos da mente à luz. Cegou-se.
―Eu...
―Não, assim não. É ela o primeiro, o preâmbulo, o sonho. Só depois, e nem sempre, vem um, o próprio.
O homem calava, embaraçado, e a nuca carregava-se-lhe com o peso do mutismo, o olhar enterrava-se, as mãos contorciam-se, a vergonha crescia reconhecendo-se.
―Imagine então que ela entra na sala quando ninguém mais está, só o senhor e o luar que tudo invade ao abrir ela a porta.
O homem tem no peito bastantes cavalos que o destroçam e abafa um grito, a ansiedade.
―Só eu?
―E o luar, disse.
―Só eu e o luar.
―Isso. Mas o luar apaga-se logo, quando ela fecha, trás de si, a porta ao mundo. Aí é a escuridão.
―Não pode haver, que só seja, uma vela a arder, num canto, que ilumine o seu vulto, o dela, e o embale no seu oscilar?
―Pode.
―Então, sou eu, o luar que já não está e mais a vela prendida num canto ―sussurrou o homem, o hálito avivando a chama da fantasia no ventre, nos pulsos.
―E o vulto dela a flutuar, derramando um perfumo à fêmea intocável ―avançou a voz sobre o homem, que quase ia asfixiando no odor que o investe e o repele.
―Intocável? Intocável porquê?
―Não porquê, mas por quem, ou melhor, para quem. Para si. Repare: a covardia prendeu-lhe as mãos.
O homem tenta disfarçar a turbação engolindo o sapo, que por sua vez devora toda quanta réplica lhe acode ao estômago. Até que enfim o silêncio se estremunha na penumbra puxando o fio dum gemido da garganta sufocada do homem.
―A covardia aproveita a debilidade para tirar nenhum proveito. Não tem nada a fazer. As mãos nunca obedecerão um mandato frágil. Mas eu perguntei se já imaginou o que seria beijá-la e o senhor não respondeu.
―E como a havia de beijar se nem tocá-la posso?! Ah, pronto, perguntou se já imaginei...
Ao fundo, onde nenhum arquitecto pensou em traçar um vão, ardia uma vela de que escorriam lágrimas pela sua própria consumpção, enquanto o fume tingia de vermelho líquido os olhos do homem que estava no chão sentado. De repente, a porta abriu-se e no contraluz recortou-se uma figura cujo cheiro assaltou as narinas sôfregas pela espera. Reconheceu a fragrância que, claro, era inebriante e pungente. Ao fechar ela a porta expulsou o resplendor tíbio que o luar propiciara. À luz da vela a sombra da mulher adiantou o rosto, acordando ondas de desejo além daquelas paredes secas e desenhou no homem um reflexo canino: este arrancou com os dentes lábios e língua e cuspiu-os contra o sorriso trémulo da quimera.
De costas ao infinito
Talvez esa noite o tempo se detivo sobre o escritorio en que redactaba as súas memorias inventadas. Cando o día se espreguizou, non canxaba a luz de fóra coa das cifras que indicaba o espertador desconectado. Xa perdera a conta das horas que levaba morto... ou eran anos? Xoán Lobo Vieira achegouse á fiestra a descorrer as cortinas. Nin lle feriu a claridade nos ollos sen pálpebras, desasombrados. Que facer?, dixo en voz alta (e sooulle á pregunta mítica). Sobre a cama que xa non usaba estendíanse dezasete camisas lavadas, engurradas coma a súa pel antes do óbito. Pasar o ferro sempre lle parecera unha perda de tempo absurda. Por iso, foi ao cuarto dos trastes, colleu a táboa e o ferro, volveu ao dormitorio e de costas ao infinito, estirounas ben estiradiñas, unha tras outra, devagar e con esmero, coma se o mundo fose acabar.
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Criatura
Nasceu um blogue que não é mais um, antes é UM muito especial para mim e que faz parte do melhor legado que nunca sonhei receber.
Chegou a hora de ouvir a voz que nasce do pensamento da Maria Garrido.
As marcas no rostro
Digo que na historia a violencia, a visual e a oculta, é brutal desde o primeiro instante, e por iso, tal como afirmei onte á noite, camiño do coche, pola húmida beira do río Miñor, esta mañá, que xa durmín desacougada por pesadelos de colleita propia, non entra nos meus cálculos repetir sesión. Digo, con todo, que é unha película imprescindible na memoria de calquera amante do cine. A interpretación extraordinaria do rapaz protagonista, o proceso de transformación interior que asoma ao seu rostro, merece, ao meu xuízo hoxe aínda estremecido, o bater de asas en aplauso de centos de paxaros liberados.
domingo, 12 de dezembro de 2010
Cadeiras, bonés, batatas... uma visão (pintura abstracta*)
Era essa a lista da compra para uma sexta-feira de dezembro. Tantos quilómetros para isto. Um chocolate quente em Verín, com churros: paragem tópica obrigada. Depois um troço pela A-75, recente o asfalto (só por vê-la, que a gente já sabe que leva ao casino e não íamos vestidos adhoc-uadamente) e retorno à estrada velha, à fronteira abandonada, Feces de Abaixo - Vila Verde da Raia. Até que enfim, Chaves. Estacionamos. Atravessamos o Tâmega, que nem repara em nós, no olhar de nosso a deslizar, céu contra água. Azul de inverno, está um dia bom, até que mesmo bom, de passeantes, ciosos, ociosos, flâneurs que contemplam nas montras nada de nada, ou aí que sim, chapéus, o capricho: dois bonés por un módico prezo... talvez, que a loja fecha já, nós depois voltamos, voltaremos após o almoço.
Ei-lo: presunto, sopa (de legumes), salada de bacalhau ou alheira com grelos, leite-creme, tinto e broa. Assim tudo, todos, tão nós de ementa turística, e o sotaque brasileiro do empregado, a música. O gajo, um dos gajos, que se levanta com a desculpa de ir mijar e paga a conta ―pouca finura para tanta gentileza.
O café num café que cheire ao café. Três. Um por cada. Chega e já foi de mais. Paga-se ao balcão.
Os bonês, então, foram dois e mais a conversa: total, meia hora e quase não nos deixávamos largar com a história do chapéu de pêlo de rato (!), em Lisboa, nessas lojas tão careiras cento e vinte euros, quando aqui... Aqui agora fiquem vocês com a curiosidade desconfortável, que eu não digo (mas a senhora disse, sou eu que não digo).
As cadeiras, seis, máximo de comensais admitidos em casa nova, fique assim claríssimo, depois não digam que também queriam. A mala e a estratégia da disposição. Uma cómoda que ficou atrás, que a carrinha é grande mas não é camião.
Passa-se a fronteira e agora é sim, desvio a Riós, a vez das batatas. Vermelhas. Reviravoltas da estradinha até Piornedo. No cu do mundo, num deles. E afinal, haviam-de lhas dar, as batatas, aos porcos, que eles, que as plantam, que as sacham (regar é que não, antes regavam, antes toda a gente regava as batatas, agora ninguém as rega), só comem das brancas, ou só come das brancas o homem, porque a mulher cozinha-as, não as quer (ou não as pode querer?), são para os porcos e para nós. E um saquinho de castanhas, de primeira. No Natal irão a Barcelona, a casa dos filhos, de autocarro.
E nós continuamos o regresso. E atravessámos a fronteira, mais uma vez, em Valença. E jantamos. Nem merece a pena dizer o quê. Excessos nem se contam em público. Ou não haveria caixilhos que chegassem para esta tela.
______________
* Não tenta aqui ser arte, é apenas a falta dela. Estou desinspirada.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Recado
E tu não escrevas, não! Aparece e desaparece conforme... conforme? Inconforme! Ou será desconforme? Perco-me nos prefixos enquanto tu ―tu, sim, não esquives o olhar, não me interrogues, mudo, é comigo? Há alguém mais aí por acaso? Deixa-me acabar uma frase ao menos! Dizia que estás guadiânico, mas é novidade isso? Pois, sempre estiveste num surjo-sumo e vocês (ou seja nós com o eu de mim dentro) fiquem aí com sede de beber, que esta água ninguém bebe a não ser que eu (eu de tu, tu a pensares, se pensares) diga bebam, me der a beber, bebam-me, ponham o gelo. Dizia que apareces e desapareces e não és lua nenhuma tu para ter a terra inteira à espreita dos teus movimentos elípticos, os teus claro-escuros de cara oculta e mostrada, nocturnos, iluminados, assombrados os lobos todos aqui a uivar a tua inexistência ausente, e tu aí, ali, não, no além duma nuvem, afundado, acenando, bezerro de ouro, digo de letras mentidas, ouropel nos mercados, pedraria esplendorosa e vadia pelos firmamentos, universos do nada. Dizia... dizia o quê? Ah, sim, não escrevas, não, digo, escreve-te, corpo devassado, deus que se cria do verbo, esculpe-te em barro-embuste e levanta paisagens, reinos animais e vegetais, apsicologias diversas, esfuzia gritos como metralha (e os seus silêncios fundos que estremecem os ninguéns que escutam), nunca cales tanto tempo que o tempo cale, ouviste? Pronto.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
49: o presente
Uma cifra qualquer é o que é, um dia em que sempre chove desde há tantos anos, anos que agora, vistos de aqui, parecem nada: nada não como no tango, apenas nada como nada: o passado é um invento, uma criação necessária para segurar os pés à beira do precipício que dizem futuro.
O presente, porém, existe mesmo: foi-me oferecido e está aqui.
O presente, porém, existe mesmo: foi-me oferecido e está aqui.
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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
O suicidio do periquito (conto de Nadal)
Espertaba así, con ansia de non espertar, a cama a termar dos membros grávidos, os ollos negándose á luz, unha lentitude de tempo que se descomprime, de baleiro inflado que a pouco máis estoupa. Sede. Azucre, os niveis de azucre subiran e rozaban, pérfidos, o límite. Un día destes diríanlle:
―Andas a comer o que? Acabou o azucre. Tes diabete.
Había unha lata cun anaco de turrón do duro aínda na cociña. E talvez fose iso o único que a empurrase a rebelarse, a abrir os ollos, por fin, calzar as pantuflas, agarrarse ás paredes, cambalear sobre o chan, vacilar sobre a vida, camiñar, descender polas escaleiras ben suxeita ao pasamáns para non caer, non tombar no absurdo, árbore fráxil que corta o paso no escuro. Na cociña arrímase á billa e o son da auga nin tintina no fondo do vaso. A avidez da secura que se suspende cando o ve: mergullada, bico abaixo, a cabeza no bebedeiro dos pardais, as asas estendidas contra a pedra do beiril nun voo raso truncado, o brillo das pingas a escorregar polas plumas, deitado, hirto, inerte, duro e lixeiro nunha consistencia de pedra pómez, como turrón... Lembrouse do turrón na lata e foi como se entre os dentes lle triscasen ósos, dentes de chacal quebrándoos.
―Andas a comer o que? Acabou o azucre. Tes diabete.
Había unha lata cun anaco de turrón do duro aínda na cociña. E talvez fose iso o único que a empurrase a rebelarse, a abrir os ollos, por fin, calzar as pantuflas, agarrarse ás paredes, cambalear sobre o chan, vacilar sobre a vida, camiñar, descender polas escaleiras ben suxeita ao pasamáns para non caer, non tombar no absurdo, árbore fráxil que corta o paso no escuro. Na cociña arrímase á billa e o son da auga nin tintina no fondo do vaso. A avidez da secura que se suspende cando o ve: mergullada, bico abaixo, a cabeza no bebedeiro dos pardais, as asas estendidas contra a pedra do beiril nun voo raso truncado, o brillo das pingas a escorregar polas plumas, deitado, hirto, inerte, duro e lixeiro nunha consistencia de pedra pómez, como turrón... Lembrouse do turrón na lata e foi como se entre os dentes lle triscasen ósos, dentes de chacal quebrándoos.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Estado: invísivel
A poeta futurista dum século passado atravessa com uma sombra ao lado o vestíbulo do teatro em direcção à sala onde se vai concelebrar um recital poético e um nu integral. No caminho, que nem é tal, antes passagem, um editor pedrês de abrigo azul, com um chocolate em cada mão, detém a poeta e oferece-lhe o chocolate da mão direita e um sorriso. A poeta, que nem gosta de chocolates, hesita, devolve o sorriso, toma o chocolate também na mão direita e dissimuladamente deita-o ao lixo, de onde a sombra com a mão esquerda, num gesto discreto, o resgata, o desembrulha e, antes de introduzi-lo na boca, diz:
―Gracias.
O editor, pedrês e de abrigo azul, a suster uma perna no ar e um chocolate na mão esquerda, lança um remoque à poeta, futurista e dum século passado, que leva uma sombra ao lado:
―E então? Agora falas castelhano?
Ninguém responde. Ensinaram-lhe a não falar de boca cheia e a não dar muito nas vistas.
―Gracias.
O editor, pedrês e de abrigo azul, a suster uma perna no ar e um chocolate na mão esquerda, lança um remoque à poeta, futurista e dum século passado, que leva uma sombra ao lado:
―E então? Agora falas castelhano?
Ninguém responde. Ensinaram-lhe a não falar de boca cheia e a não dar muito nas vistas.
terça-feira, 30 de novembro de 2010
Tétrico?
No vestíbulo do teatro, durante o intervalo, a poeta altíssima e futurista de princípios dum século passado olhou para mim, ho-rro-ri-zada:
―Mas que tétrico!
Eu, que estava em ângulo bastante obtuso relativamente aos meus poetas (como a traduzi-los na sombra), alcei a vista num esvoaçar de pálpebras para tropeçar no cenho dela franzido e franzidos a condizer os lábios num o diminuto, que é um u. Respondi de sobrancelhas, no entanto, em arco solene, tenso, dardos nos íris de fingida incompreensão. Depois, leve virar do pescoço, encontrei o olhar impávido do poeta vidente, mais baixito ele, quase do meu tamanho e antiguidade, que apenas uns segundos antes se aproximara saltitando com uma proposta oral cuspida sem preâmbulos ao meu corpo surpreso.
―No fim, iremos beber um coiso ao...
―Não posso eu ―interrompi interceptando o contacto―. Amanhã cedo deverei estar em plena posse das minhas faculdades mentais (e físicas, obviamente) ―E esclareci a seguir―: Vou assinar os meus testamentos, o vital e o mortal.
―Mas que tétrico!
―Não é nada tétrico ―argumentei―. Tétrico seria não poder assinar testamentos. Assinar testamentos é prerrogativa de vivos, de vivos com consciência de sê-lo até um dia, vivos lúcidos com as funções da mente, ainda, em activo.
Havia bem tempo que me rondava pela má consciência a ideia de dar destino final aos meus resíduos sólidos humanos. De aí, na segunda-feira anterior aos factos acima descritos, levantei-me com o pé direito e o firme propósito (sem emenda) de marcar hora no notário, como quem pede consulta no dentista para unha limpeza dental profiláctica. Já no local, agendaram a minha causa para a sexta seguinte, e pelo prezo dum dois por dois (negócios que não têm crise e, consequentemente, não têm saldos), vista a boa disposição com que iria defender a minha dignidade de moritura (que é latinório composto dos vernáculos "moribunda" e "futura") no testamento vital (ou, melhor dizendo, declaração de vontades antecipadas), persuadiram-me a assumir no momento sempre inoportuno a condição de morta pouco chata, escriturando a partilha do legado imenso dos meus bens e males, móveis e imóveis, aos meus ricos herdeiros num testamento por força mortal.
Tétrico? Tétrico seria para os vivos que me iriam chorar, se os houver, terem de lidar com estas burocracias maçantes no dia em que.
―Mas que tétrico!
Eu, que estava em ângulo bastante obtuso relativamente aos meus poetas (como a traduzi-los na sombra), alcei a vista num esvoaçar de pálpebras para tropeçar no cenho dela franzido e franzidos a condizer os lábios num o diminuto, que é um u. Respondi de sobrancelhas, no entanto, em arco solene, tenso, dardos nos íris de fingida incompreensão. Depois, leve virar do pescoço, encontrei o olhar impávido do poeta vidente, mais baixito ele, quase do meu tamanho e antiguidade, que apenas uns segundos antes se aproximara saltitando com uma proposta oral cuspida sem preâmbulos ao meu corpo surpreso.
―No fim, iremos beber um coiso ao...
―Não posso eu ―interrompi interceptando o contacto―. Amanhã cedo deverei estar em plena posse das minhas faculdades mentais (e físicas, obviamente) ―E esclareci a seguir―: Vou assinar os meus testamentos, o vital e o mortal.
―Mas que tétrico!
―Não é nada tétrico ―argumentei―. Tétrico seria não poder assinar testamentos. Assinar testamentos é prerrogativa de vivos, de vivos com consciência de sê-lo até um dia, vivos lúcidos com as funções da mente, ainda, em activo.
Havia bem tempo que me rondava pela má consciência a ideia de dar destino final aos meus resíduos sólidos humanos. De aí, na segunda-feira anterior aos factos acima descritos, levantei-me com o pé direito e o firme propósito (sem emenda) de marcar hora no notário, como quem pede consulta no dentista para unha limpeza dental profiláctica. Já no local, agendaram a minha causa para a sexta seguinte, e pelo prezo dum dois por dois (negócios que não têm crise e, consequentemente, não têm saldos), vista a boa disposição com que iria defender a minha dignidade de moritura (que é latinório composto dos vernáculos "moribunda" e "futura") no testamento vital (ou, melhor dizendo, declaração de vontades antecipadas), persuadiram-me a assumir no momento sempre inoportuno a condição de morta pouco chata, escriturando a partilha do legado imenso dos meus bens e males, móveis e imóveis, aos meus ricos herdeiros num testamento por força mortal.
Tétrico? Tétrico seria para os vivos que me iriam chorar, se os houver, terem de lidar com estas burocracias maçantes no dia em que.
_____________
Fora isto, acho que "tétrico" é um esdrúxulo sublime.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
O país que eu sou (e outrossim, o corvo)
No fim da tarde saí a ventilar os olhos na penumbra. De porta fora, rachando o silêncio em electrocução única, senti no quintal vizinho corvo doméstico um a gaguejar canto de galo, canto truncado como as suas asas, dele do corvo. Quiçá lhe ia faltando luz para experimentações mais próprias de amanhecida ou colorido nas penas. Quiçá.
Depois foi nada. O corvo prisioneiro desistiu de namorar com galinhas fátuas e juntou-se à afonia absoluta de grilos e melros no lapso quase-invernal do lusco-fusco. Portanto, aconselhei-me a dissimular a desocupação auditiva ligando-me via auscultadores a uma emissora de rádio, séria, culta. Não me largou o eco do corvo.
Pés no caminho cedi ao piano que tocava a direcção dos compassos até que a sonata se extinguiu e uma voz humana entremeou na minha vadiagem pelo assédio sexual do corvo maneta ao serralho desdenhoso do galinheiro. "Os países que falam português...". Abalou-me a sentença. Nem segui o rumo do razoamento possível, atendendo só ao meu espanto inquieto: sempre acreditara que eram as pessoas que falavam línguas, e agora? País eu?!
Era eu país mesmo?! Cachecol meu ao vento, bandeira? Gemido, hino? Lágrimas, marés? Cílios em ondulação, vendavais? País? Este corpo? E se era, era ilha, arquipélago, península, terra de interior que é dizer sem mar? País com deserto até desprovido de oásis real (miragem é que nunca, nunca!, gritei) para solaz de camelos e aventureiros de filme? País tropical, árido, polar? Era país-continente ou país-aldeia? E de ser, seria república, ditadura dura ou branda, monarquia ou reino de taifas? Era estado, se fosse, autonómico ou federal? Era país de povo soberano ou colónia? E já agora, o meu povo, quem era o meu povo? Olhei para os dedos das mãos, que acenaram lealdades mascaradas pelas luvas; e para os pés nos antípodas de mim, obedientes ainda ao roteiro marcado. Perscrutei na querença do coração e ele respondeu com palpitações rítmicas. Admoestei, fazendo-me forte, o fígado, que porfia em ocupar mais abdómen do que lhe pertence. Os rins, porém, nem cessaram de depurar imundices, fieis lacaios mudos. Enclaustrados, os pulmões, ora inchavam ora amarfanhavam como foles de saudades a infundirem-me roufenho ânimo pela traqueia e o nariz outeirinho. E o estômago, pois, digeriu este despautério todo, tão deliciado ainda no chocolate com que o presenteei de tarde que nem um resmungar insolente arrotou. Mamas, quase cordilheiras; veias e artérias, capilares, vasos linfáticos..., os rios e ribeiros! Como é bom este país que sou, concluí, tão despoticamente esclarecida.
(Até que o cérebro, na função de governo oligárquico legítimo e sorrateiro, insinuou se o corvo vizinho, com os seus ensaios na fala dos galos, não era o fervor das galinhas que procurava, antes ansiava também ter língua para ser país. Como eu. Foi aí que começaram as hostilidades no bairro perante a desídia espicaçante das galinhas.)
Depois foi nada. O corvo prisioneiro desistiu de namorar com galinhas fátuas e juntou-se à afonia absoluta de grilos e melros no lapso quase-invernal do lusco-fusco. Portanto, aconselhei-me a dissimular a desocupação auditiva ligando-me via auscultadores a uma emissora de rádio, séria, culta. Não me largou o eco do corvo.
Pés no caminho cedi ao piano que tocava a direcção dos compassos até que a sonata se extinguiu e uma voz humana entremeou na minha vadiagem pelo assédio sexual do corvo maneta ao serralho desdenhoso do galinheiro. "Os países que falam português...". Abalou-me a sentença. Nem segui o rumo do razoamento possível, atendendo só ao meu espanto inquieto: sempre acreditara que eram as pessoas que falavam línguas, e agora? País eu?!
Era eu país mesmo?! Cachecol meu ao vento, bandeira? Gemido, hino? Lágrimas, marés? Cílios em ondulação, vendavais? País? Este corpo? E se era, era ilha, arquipélago, península, terra de interior que é dizer sem mar? País com deserto até desprovido de oásis real (miragem é que nunca, nunca!, gritei) para solaz de camelos e aventureiros de filme? País tropical, árido, polar? Era país-continente ou país-aldeia? E de ser, seria república, ditadura dura ou branda, monarquia ou reino de taifas? Era estado, se fosse, autonómico ou federal? Era país de povo soberano ou colónia? E já agora, o meu povo, quem era o meu povo? Olhei para os dedos das mãos, que acenaram lealdades mascaradas pelas luvas; e para os pés nos antípodas de mim, obedientes ainda ao roteiro marcado. Perscrutei na querença do coração e ele respondeu com palpitações rítmicas. Admoestei, fazendo-me forte, o fígado, que porfia em ocupar mais abdómen do que lhe pertence. Os rins, porém, nem cessaram de depurar imundices, fieis lacaios mudos. Enclaustrados, os pulmões, ora inchavam ora amarfanhavam como foles de saudades a infundirem-me roufenho ânimo pela traqueia e o nariz outeirinho. E o estômago, pois, digeriu este despautério todo, tão deliciado ainda no chocolate com que o presenteei de tarde que nem um resmungar insolente arrotou. Mamas, quase cordilheiras; veias e artérias, capilares, vasos linfáticos..., os rios e ribeiros! Como é bom este país que sou, concluí, tão despoticamente esclarecida.
(Até que o cérebro, na função de governo oligárquico legítimo e sorrateiro, insinuou se o corvo vizinho, com os seus ensaios na fala dos galos, não era o fervor das galinhas que procurava, antes ansiava também ter língua para ser país. Como eu. Foi aí que começaram as hostilidades no bairro perante a desídia espicaçante das galinhas.)
domingo, 28 de novembro de 2010
As palavras não voaram
Ou de como uma conversa privada virou pública
Depois estava o Adolfo Luxúria Canibal, que disse quatro ou cinco (ele disse que diria quatro, mas eu contei cinco, só que não contei pelos dedos e eu na aritmética perco-me) estilhaços-poemas do Cesariny (Mário), com piano (que teclava o António Rafael) e contrabaixo (a dedilhar, acarinhar, pelo Henrique Fernandes), mas a música, que era para ser fundo, passou a primeiro plano, abafando a voz. Aliás, estava lá muito público, e a menina Sun Iou Miou, que é meio metro e uma polegada de gente, deixou-se ficar para atrás: gosta de se encostar numa parede, pelo menos uma zona do corpo protegida de alentos e contactos afísicos indesejados, península.
Mas finalmente estive a departir com um casal de amigos (de amigos meus, ambos, digo, que enquanto casal ela é a mulher dele e ele, o homem dela) e apresentaram-me inúmeras pessoas ―a que dei a mão ou beijei, consoante a nada―, que nem irei lembrar a próxima vez que as vir, nem elas, seguramente, a mim. E convidaram-me para ir a Braga, ao Museu de Arqueologia, que haverá lá um recital no sábado vindouro. E eu irei, mesmo que me pese na lembrança demasiado o café que bebi ali, no dia da consagração, quase a correr (acabaste?), porque não se podia fumar dentro.
E foi bom, contudo, com tudo. As palavras afinal ninguém as prende.
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Requiescat (así) o que?!
Escultura de Asorey. Cemiterio de Pereiró. Vigo
Róldame así tan descarnada e impúdica ultimamente que xa conto polos dedos nos dedos que me faltan as ausencias deste ano ou campas nas que non agroman flores bravas nin sequera unha pouca serradela para as vacas.
Hai sorrisos que quitan o alento.
sábado, 27 de novembro de 2010
Cardialxias imaxinarias
Resumiulle a aflición que a envolvía: a dor elíptica, radial, torácica, a falta de ar que os tentáculos da ausencia inzaban ásperos, o dominio infrutuoso do tremor na voz que se quebraba case. Só entón el apartou a mirada do ordenador para a pousar clara nos ollos do obxecto-suxeito de estudo. Un instante longo, permeable. E acenou para a padiola. Deitou o corpo ela ás indicacións da auxiliar, espido de cintura para arriba (sendo máis sucinto indicar topless, a intención significativa viraría outra), pinceladas de xel, refucidas as perneiras do pantalón para as ventosas dos tornecelos. ECG en repouso. HTA. O estetoscopio frío sobre as costelas que o lenzo da pel ampara, sen sopros, sen sopros, e no espazo da consulta un silencio estrito de avenidas antes das badaladas aos domingos. E así, o magro posuídor da bata branca de nove a tres marca a ergometría (vulgo, proba de esforzo), cables polo peito en conexión wifi, de pés descalzos, os calcañares a bater doridos na cinta mecánica nun paseo de dimensión única ―temporal―, con destino resultados, aceleración en aumento, paulatino, aumento: rego sanguíneo regular e... Non arritmias, non arritmias, dise sobre a paciente: non datos de cardiopatías. Tamén non consta no informe pericial que haxa corazón vivo alí dentro ou necrótica carne no lugar en que o mar se soña, asinou o doutor, a tantos dun novembro frío.
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
A noite que había de vir
Os ollos regalados para a eternidade, fose o que fose a eternidade. Era isto tamén: estar sempre atento ao movemento ou a quietude das cousas. E aínda do outro lado se falaba en sono, sono eterno! Que saberían eles, os vivos, da frialdade que se estendía polo tutano dos ósos como fíos de luz branca e aguzada, da mirada presa aos pormenores, do calcar dos pés nas sombras que crepitaban sen as sentir ninguén? A inmensidade acosaba por calquera flanco sen que coubese a parálise. Por iso, cando Xoán Lobo Vieira se detivo ante o trinque que exhibía material de deportes, o desexo se lle instalou nunhas botas de camiñar. "Se tiveses unhas desas", soproulle o pensamento ao ouvido, "andarías o mundo para distraeres o silencio dos días". Entrou na tenda, que aínda estaba fechada, sen parar mentes ás grades e o vidro que se resistían cunha inconsistencia maleable e líquida. Unha corrente de ar. Varreu as paredes punteadas de zapatos desemparellados á busca da bota que vira desde a rúa. Tomouna na man, sopesouna: era leve coma a lembranza dunha voz, só que non era o seu número. Mandou vir do almacén aos seus pés a caixa que contiña o par perfecto, asimétrico, equidistante. Extraíu senllas bólas de papel e enfiou cadanseu pé, con moita cautela para non escangallar a arquitectura primorosa e delicada das falanxes. Ergueuse. Afincouse contra a solidez imaxinaria do chan, protexido. Deu unha volta en círculo. E mais outra invertendo o sentido. Estas, asentiu.
Aínda, antes de saír, lembrouse de escoller un par de pantuflas, azuis, o forro mol de pelo artificial suave, para mellor acompañar as lecturas que ningunha lareira iría aquecer. Logo, saíu á rúa como entrara, sen reparar nos límites. E púxose a camiñar, os ollos regalados e atentos aos instantes, en dirección á noite que había de vir.
Aínda, antes de saír, lembrouse de escoller un par de pantuflas, azuis, o forro mol de pelo artificial suave, para mellor acompañar as lecturas que ningunha lareira iría aquecer. Logo, saíu á rúa como entrara, sen reparar nos límites. E púxose a camiñar, os ollos regalados e atentos aos instantes, en dirección á noite que había de vir.
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
De dúas cores e tantos tons...
Gustaranlle as cores e a ausencia delas, que é como dicir, gustaralle todo o que lle guste e punto. Le, ouve e dá(se) a ler, baixo un título de dúas cores, que me lembrou que aínda non lin a Stendhal. Ou talvez lin, que eu ando nunha de desmemorias tal que un día redescubro un blogue e logo esquezo que xa o redescubrira había nada. Por sorte, ainda son capaz de relembrar o que esquecera, cando o vermello e o negro, está só a unha carreiriña dun can (ou dun galgo).
Digo, grazas!
Digo, grazas!
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Assim ou doutra maneira
Estão os três à mesa da sala e é noite, plenilúnio ou quase ―não vi as fases no calendário―, reparem. Falam, quem sabe?, o que interessa isso?, da inexistência dos deuses ou de como seriam longas as tardes dos domingos do outono não fosse pela play. Dizem eles, Mãe ―é a mãe que põe no mundo os nomes―, o pequenito já nem tanto e como passou o tempo, o mais velho não me quer endireitar essas costas?, valha-me Zeus ou Marte. Olha. Estão à mesa, pois, será a hora do jantar. E eu que nem sei se nos arquipélagos as pessoas comem sopa (caldo, canja ou vichysoise), mas fruta, na sobremesa, é preciso comer sempre. Comam fruta, meninos (os meninos, já disse, que são dois, tem nome, o seu cada; a mãe é a Mãe pela casa dentro). Falam, ainda, de sonhos, sobre as cascas de tangerina e o aroma, e declama cada um o seu, de seu nome, um copo de leite, em letras pequenas de todas as cores: algum dia o mundo será um continente onde a gente possa caminhar, em linha quase recta, sem perder nunca o pé.
(Esta garatuja até poderia estar desenhada em verso lá no Fragmentos, mas ficou aqui feita traços de "prosia" para quem quero e sabe, mulher-pessoa sem fronteiras nenhumas, ilha navegável.)
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Em papel de jornal
Ali dizem-me de autora, mas já também nem há nada que são uns dias houve quem me disse de grandíssima puta e intelectual de meia tigela ―isto último que eu até agradeci, porque deve ser bem pesada uma intelectualidade de tigela inteira; puta, mais em grau superlativo, imagino, exigirá, dedicação exclusiva e a fundo, as meias de fantasia e de par em par, nunca tintas―, por isso convém não fiar muito em adjectivações substantivas, que afinal são apenas olhares avessos transformados em chocalhada que só com muita sanha e carinho se combatem. As palavras, já se sabe, leva-as o vento e o caruncho.
Esta léria era só para eu anunciar que está no mundo real (o virtual deverá aguardar ainda) o nº 96 do Novas da Galiza, com alguns dos cadáveres que me aparecem no quintal. Ao pessoal de "A Revista" do NovasGz, nomeadamente ao Alonso Vidal, a minha gratidão por os arejarem antes que apodrecessem.
E pronto.
Esta léria era só para eu anunciar que está no mundo real (o virtual deverá aguardar ainda) o nº 96 do Novas da Galiza, com alguns dos cadáveres que me aparecem no quintal. Ao pessoal de "A Revista" do NovasGz, nomeadamente ao Alonso Vidal, a minha gratidão por os arejarem antes que apodrecessem.
E pronto.
Equilíbrio
Com certeza perdi faculdades se já não me espatifo como antes. Na primeira aula de hóquei desta temporada não afocinhei uma única vez.
Isso na pista, é claro. Fora custa bem aguentar-se nas curvas e nem sempre se consegue travar a tempo.
[Nada diria se assim fosse preciso. Felizmente aqui não se diz, antes (ou depois) escreve-se, e a escrever(-se) bem se pode alinhavar quaisquer nadas com algumas substâncias ou that's alls que só são recomeços algures.
Ora pensar niente é que não: quem dizer que pensa niente, mente. Nem que esses pensares depois nada sejam, ou ar, até-ar monóxido de carbono, adormecer. Pirar(-se) nem malagradecendo.
Ando a fazer uns belos manguitos à velhice: segunda aula de hóquei de estique nos dentes depois do intervalíssimo verão. Só isto já merece um regresso à vida. E gostar muito do que não se vê.]
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
terça-feira, 16 de novembro de 2010
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Tamén do meu silencio
Do silencio como arma que se vira contra o señor Stevens ou contra min: o dominio dos sentimentos, refreados para non afastar (velaí a inxenuidade!) o que se quere ter, mesmo sen sabelo conscientemente. Apréndese tarde, case sempre, que nunca se debe adiar a voz e/ou o xesto precisos.
Máis ben era coma se un tivese à disposición un número interminable de días, meses, anos para resolver as veleidades da súa relación coa señorita Kenton; un número infinito de eventuais oportunidades nas que remediar este ou esoutro malentendido. Daquela non había, con certeza, nada que indicase que tales incidentes manifestamente pequenos ían tornar imposibles para sempre soños enteiros.
Kazuo Ishiguro. The Remains of the Day
Porque no fin será iso o que reste do día: saudades de futuro.
(Subliño que a novela ―digo excelente― é moito máis ca esta pincelada. Deséñase nela un home a desvendarse sobre un escenario moribundo, decote cunha palabra, dignidade, empuñada en van. É, en definitiva, a introspección en voz alta que dá en exhibir a alma coma quem descasca unha cebola ―prosaica mente, a miña― para encontrar na última capa nada ou lágrimas. Lágrimas.)
A dessemelhança da imagem
Ponte Internacional da Amizade
Goián - Vila Nova de Cerveira
Varreu o vento a chuva e as folhas mortas. Sobrou só o silêncio. E uma réplica do real, irreal, fora do alcance das mãos.
Pontes de água que ruem quando a gente as afaga com um sopro, alento último dos pés descalços.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Bom apetite!
Hoje há filme no Poleiro. Para mim vai ser um dejà vu. Entregar-me-ei à observação zoo-ciológica dos animais acomodados nas poltronas.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Espuma
TEMPO quase a roçar o nada, espaço que aos poucos em areia se vazia. Um castelo de borbulhas desaba, esvaece. Sal e água, efervescência em ondas que permanece distinta, nos lábios. Mergulho em mim, lutando-me. Branco, e um fundo azul roubado... ou será verde?
Verde, é verdade: as camélias de Aveleda e nós, todos. Transparências.
sábado, 30 de outubro de 2010
Afinal era só para dizer que hoje me trataram por...
As folhas nas vinhas estavam vermelhas, ainda não ocras. Viam-se bem da auto-estrada e sugeriam outonos que nunca viriam como eu gostaria que viessem. Tive vontade de encostar para tirar umas fotografias, retê-las num rectângulo como se fossem ramos de camélia apanhados um por um, os mais verdes, a enfeitar a pedra, escura ―nada se quer saber daqueles outros amarelinhos, carentes de magnésio ou ferro, como a gente, às vezes, de afecto. Mas ninguém que tenha juízo pára na berma da auto-estrada a tirar fotografias de vinhas vermelhas, nem verdes, nem sequer de vinhas sem folhas.
Por isso continuei caminho, desatenta já ao chamado da paisagem, centrados os olhos nas linhas brancas que delimitam, centrado o pensamento entre a memória e o nunca, assim também delimitado. Estreito. Até que saí.
Numa dada altura sai-se sempre. Até porque é preciso sair para entrar num mundo diferente ou no anterior que já não será o mesmo. Paguei a portagem, claro. Ninguém atravessa a fronteira do esquecimento se não levar a moeda na boca para o barqueiro. E então aconteceu o que ninguém esperava. Foi na rotunda. Mandaram parar e encostei, desliguei o aparelho de música onde tocavam cravos talvez de Bach e abri a janela ao guardinha:
―Bom dia. Tem os documentos, faz favor, os pessoais e os do carro?
―Tenho. Muito bom dia. Um momento. Ora, a carta de condução está aqui. Faz favor. E os documentos do carro...
―Mas afinal a menina é portuguesa ou é espanhola?
Diga-se de passagem que sorri e nem me pareceu a partir de aí que o céu fosse tão cinzento. Digo mais, abriu-se um clarão que durou até o início do regresso.
Por isso continuei caminho, desatenta já ao chamado da paisagem, centrados os olhos nas linhas brancas que delimitam, centrado o pensamento entre a memória e o nunca, assim também delimitado. Estreito. Até que saí.
Numa dada altura sai-se sempre. Até porque é preciso sair para entrar num mundo diferente ou no anterior que já não será o mesmo. Paguei a portagem, claro. Ninguém atravessa a fronteira do esquecimento se não levar a moeda na boca para o barqueiro. E então aconteceu o que ninguém esperava. Foi na rotunda. Mandaram parar e encostei, desliguei o aparelho de música onde tocavam cravos talvez de Bach e abri a janela ao guardinha:
―Bom dia. Tem os documentos, faz favor, os pessoais e os do carro?
―Tenho. Muito bom dia. Um momento. Ora, a carta de condução está aqui. Faz favor. E os documentos do carro...
―Mas afinal a menina é portuguesa ou é espanhola?
Diga-se de passagem que sorri e nem me pareceu a partir de aí que o céu fosse tão cinzento. Digo mais, abriu-se um clarão que durou até o início do regresso.
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Caravel negro
Para o Marcelino Camacho
Sabes? Eu, que non entendo nada de economía, nin sequer da miña (tento apenas non escribir por riba da miñas posibilidades), creo, estou convencida, de que isto que agora nos acontece é unha confabulación perversa dos amos do diñeiro, paranoias miñas. Crise. Hai crise. Pero a crise non a provocaron os que nos vendían (ou deberei dicir antes “nos compraban con”?) unha ilusoria felicidade a prazos, un ídolo-boi de ouropel a prezo de ouro? Crise. Hai crise. Daquela imos todos facer o gran sacrificio do boi: choiar máis, gañar menos e repetir unha e outra vez a cantilena: aínda ben, aínda ben, aínda ben... Ollamos arredor: longas filas de persoas sen emprego, filas longas de persoas con fame. Aínda ben, eu teño aínda un salario que rebaixar, horas de traballo que aumentar, repetimos, obedientemente. É a crise.
E entón, imos recuar e perder dereitos laborais, eses que tanto sacrificio (e privación de liberdade) a ti e a túa familia custou ―e a tantos, a tantos sen nome.
Imos recuar, que hai crise e é preciso encher máis e máis os petos dos poderosos, en tanto o caravel vermelho se tinxe de breu.
Morrer será regresar ao punto de partida?
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
O sorriso da bolboreta
Non é imaxe, senón corpo que se procura nas saudades. Isto é: non se ve. Asómase tentando sorprender o espelho, pero o vidro cala sen revelar nada. Nada? Nada que interese, digo, a quen pretende desvendarse nel. Porén, os intereses poden ser creados. Xoán Lobo Vieira centra entón a vista nun punto e aparece ela, bolboreta arredor da luz da lámpada apagada nun sensentido de direccións ocultas, as cores abafadas, as asas que axitan o mundo (disque) e o silencio... Alguén reparou no silencio do voo das bolboretas, como non querendo alertar a morte tan próxima da súa presenza? Nisto matina XLV, porque sabe que a morte non distingue cores: a bolboreta no espelho esplende fábulas dun ollar incompleto.
Ao fundo está o cepillo de dentes, o tubo compañeiro, contraído, como unha cobra atropelada sobre o asfalto, mármore negro, sangue branco, espeso, espuma. E XLV sorrí, que aínda conserva para iso os dentes, todos, intactos e descarnados: limpeza bionecrolóxica. A borboleta confunde cepillo con flor e desenrola a trompa: absorbe o néctar mentolado e move as patas, repetidas veces, para as impregnar de pole-sarrio. Sae a voar pola fiestra fechada para iniciar a posta de ovos e o ocaso, mentres XLV continúa parado, pasmado, ante o espelho, imaxinando o sorriso que virado para fora, non obstante, vese por dentro apenas.
E o corpo? Non está senón deitado. Por iso o espello, nun plano (nin cóncavo nin convexo) superior , o desencontra. (Hai en toda horizontalidade terrestre unha curva-parábola á que ninguén, nin sequer durante o sono, foxe.) A bolboreta, en tanto, petrifícase en pé, repregadas por última vez a trompa (sabor ao mentol aínda) e as asas, libro que se fecha abertamente. XLV sae a camiñar pola mesma fiestra e apaña con delicadeza no ar a bolboreta morta, póusaa no ombro nu e sorrí.
Ao fundo está o cepillo de dentes, o tubo compañeiro, contraído, como unha cobra atropelada sobre o asfalto, mármore negro, sangue branco, espeso, espuma. E XLV sorrí, que aínda conserva para iso os dentes, todos, intactos e descarnados: limpeza bionecrolóxica. A borboleta confunde cepillo con flor e desenrola a trompa: absorbe o néctar mentolado e move as patas, repetidas veces, para as impregnar de pole-sarrio. Sae a voar pola fiestra fechada para iniciar a posta de ovos e o ocaso, mentres XLV continúa parado, pasmado, ante o espelho, imaxinando o sorriso que virado para fora, non obstante, vese por dentro apenas.
E o corpo? Non está senón deitado. Por iso o espello, nun plano (nin cóncavo nin convexo) superior , o desencontra. (Hai en toda horizontalidade terrestre unha curva-parábola á que ninguén, nin sequer durante o sono, foxe.) A bolboreta, en tanto, petrifícase en pé, repregadas por última vez a trompa (sabor ao mentol aínda) e as asas, libro que se fecha abertamente. XLV sae a camiñar pola mesma fiestra e apaña con delicadeza no ar a bolboreta morta, póusaa no ombro nu e sorrí.
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Eu vinha (mais uma vez) falar da morte
Fiquei perplexa, indignada, irritada. Eu nem deveria falar nisto, mas é Portugal o primeiro que vejo cada manhã quando abro os olhos, o último que vejo à noite antes de os fechar. Dói, dói. Até parece que, desde Lisboa, Portugal é só Lisboa e, mercê que desde ali fazem, um pouquichinho do Porto, esse lugar ao norte, que não é norte, onde nem falar, ao que parece, se sabe. E falando em norte, eu vinha falar da morte. Norte foi o que faltou, no programa do Prós e Contras sobre o testamento vital. Sobre o testamento vital?!, disse. Não. Falou-se de muitas coisas, falou-se de morte ―alguns até de boca pequena, que dizia minha mãe, quer-se dizer de costas―, de testamento vital quase nada. E até as tentativas da Laura Santos, que desesperava na cadeira e nos gestos, em reencaminhar o debate encontraram a oposição da moderadora que achou, sem pudor, que o povinho não iria compreender pormenores. E eu que nem sou muito de defender povinhos porque sempre tive pânico de massas, tenho capacidade de discernir entre povinho e Zé Manel, o vizinho com nome, corpo e alma, que compreende, minha senhora, porque nunca viveu de costas à morte e tem medo não de morrer, mas de morrer como um cão, como morreram sempre os pobres (não tanto os cães...). Estamos a misturar alhos com cebolas, pois não? Cuidados paliativos com testamento vital?
O testamento vital é um acto de amor. De amor pelas pessoas que deveriam tomar decisões duríssimas por nós quando chegar o momento, se nós não as tomarmos antes por nós, previdentemente até quando estamos saudáveis, mens sana in corpore sano, não por força só quando estamos a ver-lhe o cu a coruja! E digo sempre "quando", não "se", reparem. O matiz é importante. Porque se eu, em plenas faculdades mentais (e não por força doente, muito menos terminal) tenho o direito e a possibilidade de decidir o tipo de tratamento que quero ou não quero que se me aplique quando chegar o momento da agonia (e eu, aqui, onde moro, albíssaras!, tenho essa possibilidade e esse direito) libero as pessoas que me querem (algumas há para aí, eu sei, acreditem) de tomá-la por mim.
Assinar um testamento vital, senhor jornalista da plateia, não é desistir de lutar quando o prognóstico me diz que posso lutar e até quando eu quero lutar mesmo que não mo diga, que a Medicina não é uma ciência adivinhatória, embora os avanços permitam, fora milagres, cálculos mais ou menos certos (e eu sei do que falo, quem me conhece sabe que sei). É antes deixar a morte entrar em mim em silêncio quando chegar o momento. É evitar sofrimento não só em quem assina mas também nas pessoas que nos querem e queremos, nos médicos que nos acompanharam (e enfermeiros, auxiliares, pessoal da limpeza e do serviço de comidas...)... e aqui é onde entra a necessidade dos cuidados paliativos, só aqui, e não tem tantos por centos.
Eu, digo-vos, isto é mesmo milagre, até tenho dias em que vou para a cama com respeito por algum padre.
E agora vou trabalhar, me desculpam, eu por mim ainda falava muito e mais nisto, mas não tenho pensado morrer ainda e é preciso fazer pela vidinha e por levantar o país, um país qualquer.
(O desabafo contra os salteadores de caminhos fica para outra hora.)
O testamento vital é um acto de amor. De amor pelas pessoas que deveriam tomar decisões duríssimas por nós quando chegar o momento, se nós não as tomarmos antes por nós, previdentemente até quando estamos saudáveis, mens sana in corpore sano, não por força só quando estamos a ver-lhe o cu a coruja! E digo sempre "quando", não "se", reparem. O matiz é importante. Porque se eu, em plenas faculdades mentais (e não por força doente, muito menos terminal) tenho o direito e a possibilidade de decidir o tipo de tratamento que quero ou não quero que se me aplique quando chegar o momento da agonia (e eu, aqui, onde moro, albíssaras!, tenho essa possibilidade e esse direito) libero as pessoas que me querem (algumas há para aí, eu sei, acreditem) de tomá-la por mim.
Assinar um testamento vital, senhor jornalista da plateia, não é desistir de lutar quando o prognóstico me diz que posso lutar e até quando eu quero lutar mesmo que não mo diga, que a Medicina não é uma ciência adivinhatória, embora os avanços permitam, fora milagres, cálculos mais ou menos certos (e eu sei do que falo, quem me conhece sabe que sei). É antes deixar a morte entrar em mim em silêncio quando chegar o momento. É evitar sofrimento não só em quem assina mas também nas pessoas que nos querem e queremos, nos médicos que nos acompanharam (e enfermeiros, auxiliares, pessoal da limpeza e do serviço de comidas...)... e aqui é onde entra a necessidade dos cuidados paliativos, só aqui, e não tem tantos por centos.
Eu, digo-vos, isto é mesmo milagre, até tenho dias em que vou para a cama com respeito por algum padre.
E agora vou trabalhar, me desculpam, eu por mim ainda falava muito e mais nisto, mas não tenho pensado morrer ainda e é preciso fazer pela vidinha e por levantar o país, um país qualquer.
(O desabafo contra os salteadores de caminhos fica para outra hora.)
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Um minuto de silêncio
Vinte e cinco anos sobre o mármore estendidos, nenhum tapete a absorver o impacto do corpo que desmaia. Ferraram-lhe um tiro no pescoço, que sangra, esguicho vermelho, fonte de morte. E são oito e meia da manhã apenas. Os olhos mais fechados do que a ferida, talvez ainda encravada na pele a saudade dos lençóis, talvez o sabor do café com muito açúcar ou pão com tomate, azeitonas e sumo de laranja. O derradeiro pequeno-almoço sem apóstolos em volta. Morte em horário laboral. Um minuto institucional de silêncio. Luto doméstico sem horas certas.
domingo, 24 de outubro de 2010
Onde o mar começa
Começo onde acaba a tranquilidade
e termino onde o mar começa
Ademar Santos. Descansando do Futuro
Sei lá, talvez, era mesmo, afinal, de emoção que eu tremia e por isso não senti o frio a agarrar-me nos ossos.
E na sexta levarei contigo os ramos verdes de camélia ao breve território da espuma. Nenhuma flor.
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
Sobre a ignorância constroem-se poemas
Depois há quem diga, ai, e que tal, a doença fez-me melhor. Não, digo, a doença não fez nada ou faz, faz a gente mais lúcida, mais atenta ao espaço, às horas, aos gestos. A doença faz crescer dentes na alma e papilas gustativas nas plantas desarraigadas dos pés (também, por acaso, muitas nano-línguas nas retinas).
Nisto haverá discrepâncias. E eu talvez esteja errada, com certeza, não tenho dúvidas. Tenho é dias (e as suas noites, como se verá), mas bondades nenhumas. Ainda não compreendi porquê aprecio o olhar fundo dos meus cães e o pêlo, diferentes em cada um deles. De maneira simples, é só que...
Ando de coração quebrando-se-zinho, o peito em labaredas, as noites mal-dormidas (pois, nada novo). De aí. E receio ainda dos exames médicos. Se disserem, quando tiverem de dizer de aqui a uns tempos, minha senhora, isto afinal são gases, lá vai o lirismo (e a tragédia) por água abaixo.
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Espectador do infinito
Quem sustém a respiração antes de mergulhar o olhar ultrapassa a linha onde (não) termina o oceano.
E regressa com peixes de coral, borboletas marinhas e flores de sal e espuma a transbordar as algibeiras.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
terça-feira, 19 de outubro de 2010
Negócio de futuro
Procuram-se delegacias em Portugal (continente e ilhas) para a distribuição e venda às portas de escolas, centros de lazer e saúde a preços sem concôrrencia de sumos, néctares e leitinhos com chocolate. Material de contrabando de primeira qualidade. Elevados rendimentos garantidos.
E... vive la France!
E... vive la France!
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Proba superada
Unha vez iniciado o ascenso pola escaleira empinada e estreita xa non é posible recuar. Chégase a unha porta, tócase o timbre e accédese a través dun corredor psicoquimicamente interminable a unha sala en exceso iluminada: os rostros pálidos, as mans inquietas, renxer de almas coma grilos no final do verán. Son oito cadeiras baixo o fío musical que imita un tendedeiro de punta a punta do silencio finxido, o rapaz entretense nunha revista de viaxes, o home conta os cabelos que lle caen ao chan, a muller devora as uñas e un manual de matemática aplicada a partes iguais, a meniña invisible chora inaudita nun canto. Rexístrase tamén unha alfombra de tons laranxas, cadros con imaxes do deserto (fermosos), unha colección de helicópteros e avións en miniatura protexidos en vitrinas contra o po e os dedos, un calefactor apagado, cinco lámpadas no teito, un revisteiro, unha mesa de vidro e aceiro cromado, un centro de mesa laranxa no centro da mesa, dúas plantas, o recordo duns ollos ferrado con catro cravos dolorosos ao maxín... No vidro da ventá, sobre o remedo decimonónico de farol e as pólas prisioneiras dos negundos que o vento axita, debúxase unha voz vestida de branco.
Hai unha cadeira reclinable reclinada, a luz que fecha os ollos e abre a boca. A entrega. Un vaso e auga, un pano de papel, unha cita para dentro de seis meses. E baixar voando as escaleiras. Tampouco paguei desta.
domingo, 17 de outubro de 2010
E depois?
A gente ―tem dias― descobre-se à espera (à espreita) da leitura definitiva: aquela que permitisse pôr fim a todas as leituras, pôr fim.
Sumir.
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
É o país!
Notou a humidade no pé esquerdo e sobresaltouse. Pousou o dereito, mollóuselle tamén. Ósperas, a casa alagada. Abrasoulle unha punzada o peito. Espertou de vez. Prendeu a luz. Unha lámina de auga lamacenta cubría o sollado. Raio de canalizacións! E tiña que saír escopeteado ao choio, era tardísimo. Nin café, de pronto, lle apeteceu. Subiu a persiana. Alborexaba xa, o ceo víase limpo, nitidamente recortados os montes ao lonxe. Presentíase vento norte na transparencia do ar, un frío lixeiro. Entreabriu a ventá para confirmalo e confirmouno. Nin unha nube. Un arreguizo, coma unha trallada sutil, na espiña. Foi para o baño chapuzando. Chof, chof. Polo sumidoiro da ducha cantaba de bico en alto un perú sobrio, agónico, gluglú-gluglú, un borboroto de manancial case idílico, non fose o fedor á cloaca que lle torceu o nariz. Do resto, a casa era un silencio de paxaros mortos que lle lembrou o enmudecemento insólito na parede. Estremeceu por segunda vez. Virouse á procura da hora exacta no reloxo da sala. O péndulo estático en equilibrio diagonal calaba o tic-tac, os punteiros diríanse, porque estaban mesmo, suspensos tras o vidro embazado. Correu ao teléfono enchoupando os baixos do pixama. Corría e renegaba. Renegaba e bastante. Marcou o número do fontaneiro. Comunicando, comunicando. Nin contestador para urxencias! Merda, merda, merda! O Pedro, o Pedro. O Pedro estaba no paro. Chamo polo Pedro, igual mo soluciona el.
―Diga?
―Perdoa, Pedro, xa sei que é moi cedo. Son o Xocas. Esperteite? É que teño a casa inundada. Algún cano que rebentou, que sei eu! E teño que ir para o choio. Non podías...?
―Non che rebentou nada aí, Xocas. Non é a túa casa. A min chégame a auga ao pescozo... Deume por abrir a porta da rúa e... ―falaba coa calma de quen se deixa afogar, rendido.
―O que?
―Que non abras a porta da rúa, Xocas. Que poñas farrapos diante da entrada. Non é a túa casa. É por todas as partes. Vén de aí de fóra. Está todo a meter auga. É o país!
―Diga?
―Perdoa, Pedro, xa sei que é moi cedo. Son o Xocas. Esperteite? É que teño a casa inundada. Algún cano que rebentou, que sei eu! E teño que ir para o choio. Non podías...?
―Non che rebentou nada aí, Xocas. Non é a túa casa. A min chégame a auga ao pescozo... Deume por abrir a porta da rúa e... ―falaba coa calma de quen se deixa afogar, rendido.
―O que?
―Que non abras a porta da rúa, Xocas. Que poñas farrapos diante da entrada. Non é a túa casa. É por todas as partes. Vén de aí de fóra. Está todo a meter auga. É o país!
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
A mochila inocente
A miña mochila vai comigo, díxenlle. Se ela non entra, non entro eu. O garda de seguridade mirábame com cara de risa, rebentando as costuras do uniforme paramilitar. Se tiveses correr atrás de min, ría eu por dentro, non me collías. Douche unha ficha para a consigna, ofreceume. Non quero fichas, quero entrar coa miña mochila. Quero presunción de inocencia para min e a miña mochila se vou deixar aquí diñeiro. Non teño por que deixar fóra a mochila e exporme a que ma rouben. Non teño porque entrar aquí coa carteira na man. Hai señoras por aí con bolsos moito meirandes ca a miña mochila, e sinalei para unha cun bolso onde cabía media tenda. Son ordes. Ordes estúpidas. Quero falar co encargado, quero pór unha reclamación. Son ordes de arriba, repetiume o encargado. Ordes estúpidas. Prexuízos arrevesados. Asentiu. Menos mal. O encargado foi falar cun xefe. Matinei: isto non é un servizo público no que estea obrigada a entrar. Nada me obriga a mercar nada aquí. Dille ao encargado, avisei a unha empregada entón, que non perdo medio segundo máis, sobran tendas onde comprar, poucas as grazas. Marchei.
Cando estaba no estacionamento xa co casco posto, apareceu o encargado. Que volvas, que falei cos xefes, que podes pasar coa mochila. Non paso, non. Hoxe paso e o próximo día terei o mesmo problema. O encargado asentiu comprensivo. Unha macrotenda de deportes e non deixan entrar con mochila! E a xente traga. Se chego a ter faccións árabes e un acento gutural de vogais fechadas igual saltaban as alarmas antiterrorismo e destas horas estaba cunha manda de paus ao lombo.
__________________
Non vou citar o nome da tenda porque non lle quero facer propaganda, nin boa nin mala. Pero digamos que empeza por d acaba por n e ten un th polo medio.
Cando estaba no estacionamento xa co casco posto, apareceu o encargado. Que volvas, que falei cos xefes, que podes pasar coa mochila. Non paso, non. Hoxe paso e o próximo día terei o mesmo problema. O encargado asentiu comprensivo. Unha macrotenda de deportes e non deixan entrar con mochila! E a xente traga. Se chego a ter faccións árabes e un acento gutural de vogais fechadas igual saltaban as alarmas antiterrorismo e destas horas estaba cunha manda de paus ao lombo.
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Non vou citar o nome da tenda porque non lle quero facer propaganda, nin boa nin mala. Pero digamos que empeza por d acaba por n e ten un th polo medio.
terça-feira, 12 de outubro de 2010
De violências verbais
[Repórter TVI: O céu visto da terra, de Ana Leal]
Escultura de Buciños
Morto pela sua própria sombra?
Não gosto de censurar o que acontece em terras em que não moro, mas por vezes desata-se uma revolta cá nas tripas de moi même pelo vejo e ouço que nem sempre dá para um poema, antes dá para fazer abrolhar em mim reacções duma brutalidade em que não me reconheço. Verbi gratia, ontem ouvi num programa de televisão falar uma senhora ministra da Ignorância e a Insensibilidade com tal arrogância e desprezo pela dor, pelos sentimentos, pela vida e a morte das pessoas ―pessoas com rosto, pessoas com lágrimas secas sobre a pele seca― que me veio aos dedos uma vontade sinistra de se fecharem em punho, um desejo do punho de se transformar em trompada contra a fuça da senhora, uma trompada única e contundente que lhe partisse o nariz e lhe escachasse os óculos, pelo prazer de ver, depois, o sangue a rebentar-lhe pela boca dentro e o queixo abaixo e os vidros estilhaçadinhos espetados nos olhos inúteis dela... sem anestesia.
Escultura de Buciños
Morto pela sua própria sombra?
Não gosto de censurar o que acontece em terras em que não moro, mas por vezes desata-se uma revolta cá nas tripas de moi même pelo vejo e ouço que nem sempre dá para um poema, antes dá para fazer abrolhar em mim reacções duma brutalidade em que não me reconheço. Verbi gratia, ontem ouvi num programa de televisão falar uma senhora ministra da Ignorância e a Insensibilidade com tal arrogância e desprezo pela dor, pelos sentimentos, pela vida e a morte das pessoas ―pessoas com rosto, pessoas com lágrimas secas sobre a pele seca― que me veio aos dedos uma vontade sinistra de se fecharem em punho, um desejo do punho de se transformar em trompada contra a fuça da senhora, uma trompada única e contundente que lhe partisse o nariz e lhe escachasse os óculos, pelo prazer de ver, depois, o sangue a rebentar-lhe pela boca dentro e o queixo abaixo e os vidros estilhaçadinhos espetados nos olhos inúteis dela... sem anestesia.
domingo, 10 de outubro de 2010
sábado, 9 de outubro de 2010
E a luz agora é da tua cidade?
Leio algures que Cidadeabertaaomar tem uma luz invulgar ou coisa do género, do género extraordinário, dia sim dia não. Que ontem, que era dia sim, na hora do entardecer a tal cidade era dona absoluta e senhora duma luz laranja não de artificial poste que para si quiseram as hecatombes e os juízos finais com redobre de tímpanos e pífaros, antes resultado do seu magnético engodo (engasgei no vaidosismo) para os fenómenos lumínicos exclusivos. Ai tinha? E então isto que cá havia pelas mesmas horas a me amarelecer nos olhos e nos carvalhos, nos azevinhos (em angular menage à trois de duas por um), nos bordos vários e no desacompanhado magnólio, no zimbro, no sobreiro, na figueira-da-índia-galega, nas ameixeiras e nos mirabéis, nas macieiras e nas pereiras (as autóctonas e a japonesa já também raiana), na cerejeira, na romãzeira (que tem cinco romãs primogénitas amadurecendo), nos liquidâmbares e nas gardénias, nos hibiscos, nos buxos, nas roseiras, em saramagos e noutras muitas e adversas-diversas ervas humílimas (vítimas de anonimato pela minha ignorância aprendiz), no monte da Pena, no do Cervo e no do Meio-Dia, na Cabra Fanada e no Ninho do Corvo e, também, no canto emudecido do melro e nos cagalhões dos cães... isto, pergunto, foi surripiado à supradita? Aiué...
Mágoa da minha imperícia infotográfica ou agora tinha eu aqui alguma para vos mostrar, sem photoshopismos, como é que a luz é do mundo-universo e não património dos urbanizados olhares seduzidos. Mágoa ou aiué...
Mágoa da minha imperícia infotográfica ou agora tinha eu aqui alguma para vos mostrar, sem photoshopismos, como é que a luz é do mundo-universo e não património dos urbanizados olhares seduzidos. Mágoa ou aiué...
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
“Testamento vital” do PS: só para pessoas já doentes?
Por Laura Ferreira dos Santos
Sexta-feira, 08 de Outubro de 2010
Opinião
A experiência holandesa diz-nos que, com a ajuda médica, os “testamentos vitais” não melhoram significativamente
Quando muitos esperariam que, depois das críticas ao projecto do PS de Maio de 2009 que, entre outras coisas, legalizaria a elaboração de Declarações Antecipadas de Vontade (DAV), o partido enveredasse por um projecto diferente, apenas dedicado a essas directivas ou ao chamado “testamento vital”, acaba agora por nos revelar um projecto quase idêntico. Assim, mais uma vez, dos 23 artigos dedicados aos Direitos dos doentes e ao consentimento informado, apenas seis têm que ver com as ditas DAV.
Detenhamo-nos no n.º 5 do art. 13.º: “A eficácia vinculativa da declaração antecipada depende, designadamente, do grau de conhecimento que o outorgante tinha da natureza da sua doença e da sua evolução; do grau de participação de um médico na aquisição desta informação; do rigor com que são descritos os métodos terapêuticos que se pretendem recusar ou aceitar; da data da sua redacção; e das demais circunstâncias que permitam avaliar o grau de convicção com que o declarante manifestou a sua vontade”.
Já li outras legislações sobre este assunto, mas nada que se equipare a estas exigências, exceptuando a legislação austríaca (de 2006), país em que a classe médica possui um estatuto social intocável.
Algumas considerações.
A) Qualquer cidadão capaz deve poder efectuar uma DAV, independentemente do seu estado de saúde. Nesse caso, qual a necessidade de exigir que evidencie (como?) o grau de conhecimento da sua doença? E se não está doente? B) Embora, idealmente, se pudesse pensar que a DAV feita com a ajuda de um médico melhoraria a sua qualidade, a experiência holandesa diz-nos que, com essa ajuda, as DAV não melhoram significativamente: como até os médicos holandeses, tidos por pouco parentalistas, não desejam ver-se mais tarde vinculados a uma DAV, não investem muito na sua elaboração; e como tão-pouco querem um dia sentir-se “estorvados” por um procurador de cuidados de saúde, tão-pouco fazem sentir ao utente a necessidade de o nomear. Por outro lado, o Código Deontológico dos Médicos portugueses prevê, no seu art.º 49º, que à recusa informada de tratamento por parte do doente pode o médico responder com a recusa de continuação de cuidados, não se falando, ao longo do código, da necessidade de concertar sempre com o doente planos terapêuticos alternativos. É a estes médicos, tão mal preparados para aceitarem a recusa de um tratamento, que se vai pedir que ajudem a elaborar uma listagem que é sobretudo de recusas? Não se vê o constrangimento em que se coloca o cidadão? E quantos portugueses têm médico de família? C) Para além de provar o grau de conhecimento que tenho da natureza da minha suposta doença, para fazer uma DAV vinculativa tenho também de provar com que grau de convicção a fiz. Como? Há “convictómetros”? Vou estar mais uma vez dependente de um médico? Do Ministério Público? Porquê este “encarniçamento hermenêutico” infantilizante e policial? D) Deve-se dizer claramente se uma DAV é válida até à morte ou tem de ser renovada com uma periodicidade fixa, não deixar isso ao livre arbitro de um médico. E) Para ajudar a identificar e a pensar no que se recusa ou não, e em que situações clínicas, essas situações e respectivos tratamentos devem estar discriminados (necessidade de formulários bem feitos, como os da Andaluzia).
Como já escrevi, o “testamento vital” deve ser instrumento de uma democracia maior no domínio da defesa das convicções pessoais no âmbito da saúde. Pelas limitações que apontei, não vejo como este projecto possa cumprir esse objectivo.
Docente de Filosofia da Educação da Universidade do Minho e membro da Comissão de Ética da ARSN (laura.laura@mail.telepac.pt)
Sudoeste
Há ao fundo uma luz que reflecte espelhos. Vento quente. Alguns pingos (de chuva). Uma música que vai e vem desde o infinito à janela, como dançando ao outro ritmo. É um silêncio invulgar este, construído sobre murmúrios e fragrâncias, sobre tons cinzentos e verdes, pardacentos alguns já, e o sal que se intui.
Há um tapete de nuvens mágicas tecidas na luz a deslizar. Viajo nele.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Vale tingido de vermelho
Porque tudo é sempre seguro ―garantem―, a gente acredita para enxotar mais um pouco a hora da morte prematura: a hora em que a caução esgota o prazo de validade e as palavras se revelam fraude: um falho humano, sempre humano: errare humanum est: o artíficio é humano: humana a ambição, a exploração, a bondade.
Eis o preço na segunda-feira: dique, ruptura, vazamento, barro, sangue: silêncio.
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Negocio espiritual
Alúgase balcón por quiñentos ouros. Diñeiro negro en troca de vistas brancas, os ollos-espello da alma. Inclúese dereito a cama e almorzo con café e pastas (competencia desleal, chámase, á hostelería). E auga fresca a discreción (en pleno novembro, fresca, digo). Varanda para cinco ou seis persoas (carga máxima aproximada?). Negociable.
____________
Só para evitar os mal-entendidos do costume: Não sou eu quem tem varanda com vistas ao papa. Foi na rádio que ouvi o anúncio. Tenho de explicar tudo sempre.
Náufragos em terra
A carrinha como caixão colectivo, metaforicamente, transporte de cadáveres que se pensam vivos. O asfalto novíssimo da estrada tingiu-se de vermelho (sic). Ouvem-se sirenes. O sangue encardido que os bombeiros retiram do asfalto novíssimo. Detêm-se os curiosos na berma, os curiosos!, os não-mortos ainda, a satisfação por dentro (não fomos nós desta, não calhou a nós, isto não é connosco, jamais, nós somos passageiros noutra viagem, nós-outros). Traziam, diz-que, sal nos lábios, um cinzento-azul-verde de ilhas ao longe urdido nos olhos e cansaço. Em casa, há quem aguarde ainda a ensaiar o abraço, o beijo. Mas o quarto vazio já pressente a solidão e os gritos. A cama enorme. A noite mais longa. A voz pequena que interroga. O crucifixo castigado. O crucifixo apertado contra o peito. A raiva. O desespero. Corpos partidos, cortados, os dos vivos. Nenhum mar em que deitar a culpa. O sono. O excesso de velocidade a nenhures. A vida.
(O oceano devolve os cadáveres que não quer para si.)
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Intermitencias na sala
NO antes, a sala é a espera nun abanar de toses estereofónicas e voces caladas, case sacrílegas ás veces que se elevan sobre o sinal sonoro do silencio estrito, violando as escrituras, as leituras, olladas espetadas no chan coma cravos enferruxados de novo.
A cadeira é o sostén dos minutos.
No despois, a sala convértese en pasaxe, o corredor lento, un algo menos de hemoglobina, un algo máis de triglicéridos e colesterol, a conseguinte batería de análises, a extraordinaria cita para cardioloxía, as vísceras no lugar do costume aínda: o fígado inchado, a progresiva redución do cerebro descompasado do ritmo impertinente dos latexos.
A cadeira desocupada afástase.
domingo, 3 de outubro de 2010
Fiat lux!
ABRI os olhos para pegar num dia ave que de lá de fora me apagasse a noite, a noite réptil que de cá dentro me rasteja. Havendo claridade lá fora, julgava eu, também não seria tudo escuridão cá dentro. Julgava.
(Para entorpecer a fusão entre o de dentro e o de fora, ainda bem, inventaram-me a lâmpada incandescente.)
sábado, 2 de outubro de 2010
Algunhas maneiras dolorosas de compartir a beleza do mundo. Ensaio sobre a perversión
HAI quen experimenta pracer en arrancar unha flor ―das que medran en despreocupación crecente à beira do camiño, ofrecendo o néctar alimenticio á bichería que, en troca, espalla os xermes da descendencia potencial na veciñanza, en tanto soa ao fondo moito e etéreo chilrar de paxaros― co propósito, romanticamente canónico, de agasallar un amor de morte improrrogable.
Alguns, coma quen di, agoan, deseño de coitelo a man alzada, perante o inminente sacrificio da tenrura deliciosa dunha vitela (coellos e pitos ou xabarís novos valen tamén, só que coas multiplicacións mesiánicas consoantes) ―os ollos grandes, negros, a esculcar no verde prado calquera en que pasta mentres abanea os que xa nunca han ser tetos xenerosos, os cornos a abrollar contra o amencer mesto de neboeiro― para celebrar o que se di unha churrascada cos amigos, acompañada de viño (tinto) a esgalla, pan, cachelos e mais o cheiro ao fume que se ha de apegar na roupa, tan repugnante á mañá seguinte.
Outros gozan, en fin, insensibles aos efectos espectacularmente negativos que causan sobre terceiras partes tanto vivas coma inertes ao participaren en excursións masivas que cabalgan monumentos e museos ou paisaxes, e quebran a límpida sonoridade do espazo mediante exclamacións orais prescindibles, puntuadas de ais e ós, coma láminas de vidro escachando e ferintes contra o decorado.
Eu, porén, sei que acadaría unha éxtase case agónica se os dedos me cumprisen unha aspiración sinistra das que se queren inconfesas (quede entre nós, logo): o modelado dun poema sublime en forma de carta envenenada que na última liña ou verso provoque o óbito fulminante da paixón. Que bonito é soñar...
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Na véspera da estrea a modo de parabéns
Estrea de Limpeza de Sangue (o sangue fai ruído)
Sábado, 2 de Outubro · 20:30 - 22:30
Pazo da Cultura de Narón
SEI que lle debera desexar moita merda para o choio de mañá, pero à parte de noxenta considero a expresión desfasada, visto que xa nin na aldea vai ninguén en coche de cabalos ao teatro. Desexarlle moito dióxido de carbono sería mais axeitado pero vén sendo pouco ecoloxicamente correcto. E como a sorte, á parte de descartada ―disque a boa concita a mala, nun paradoxo dramático―, eu creo que é cousa do azar (isto é, primitivas e loterías afíns, que non son de desprezar, ollo) e non produto do esforzo e da vontade, mándolle por vía blogoglobeira directa un abrazo de lle estrullar os osiños todos e uns aplausos que lle estoupen os tímpanos, don Rubén Ruibal...
Mas as plumas uma a uma...
Contar carneiros não! Nunca ―disse categoricamente a doutora Teresa Paiva, especialista em sono e a falta dele, num programa nocturno da Antena 3.
EU quando (não) durmo tenho um ar de garça ferida até no pescoço ―que foi, agora nem parece, longo de tanto o esticar o orgulho. Penseis nada pela vossa conta, meus queridos, que já vos vou conhecendo, que haja aqui alguma poesia. Garanto-vos que não há nas noites mal dormidas poesia nenhuma. Há é chatice e alguma prosa. Mas dizia eu que tenho quando (não) durmo o ar contraído de quem sofre e sinto ao fundo de mim o galo que esgarça os músculos num relâmpago lento e intermitente extraviando o sono. Aparece-me aí desenhada na boca uma dor que não se percebe de fora e em cada osso há carne que se escinde e sangue plúmbeo e agulhas, agulhas que davam para vacinar contra a influenza, nos seus vários subtipos, todos os outubros.
Quando (não) durmo, eu não conto carneiros nunca. Conto as plumas que perco em cada bater das asas partidas contra o chão. Poesia, uma ova!
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