terça-feira, 29 de junho de 2010

Gravidez ectópica

Era sábado dum junho qualquer na outra margem. Estava calor. Sentada à sombra, sobrevivia ao post prandium com o copo ao alcance da mão direita, enquanto experimentava uma tumefacção interna crescente a medida que passava as páginas e bebia, inconsciente, água com gás. Nessas de inchar andava, quando se achegou a menina à minha mesa e a sua voz, quase num sussurro, expulsou-me de repente das entranhas da leitura.

―Perdona. Está ocupada? ―apontou para uma das cadeiras.
―Não, não. Pode levar ―respondi tão portuguesmente.
―Gracias.

A espanholita foi embora com a cadeira na mão. Eu fiquei com o ar preso na garganta, entre uma crise de tosse e uma sufocação. A seguir veio-me para cima uma pressão no esófago, como se fosse uma alma encarnada a fugir-me dos adentros, até que aos poucos uma espécie de ovo, julguei, começou a assomar-me pela boca. Às convulsões provocadas pela náusea expeli uma cabeça careca. Vinha de olhos escuros para o céu que me contemplavam como quem pede desculpa, sem exageros, pelo incomodo. Logo o reconheci. Peguei nele pelo nariz e puxei para fora o corpo inteiro, que vinha nu, todo babadinho, peganhento de sucos gástricos e, enfim, um nojo.

―Ó valter ―disse-lhe―, ainda bem tiveste a deferência de te parires de mim sem óculos.

Não respondeu. Pegou no maço de guardanapos que tinha esmagado debaixo do rabo e gastou-os todos em tentar limpar-se, mas só conseguiu acabar cheio de pedaçinhos de papel colados, como pétalas. Achamos engraçadíssimo e lindo, uma escultura no pedestal, mas nas costas sentimos confluírem as picadas dos muitos olhares dispersos pela esplanada, um resmungar invejoso que cortava as alegrias e alguns risos que soavam em notas acedas arrogantes, desprezativos. De modo que entrei no café e pedi um pano húmido. A empregada ainda me perguntou se era tudo.

Tirei-lhe aquela porcaria. Tinha um corpo arredondado e deixava-se mimar como um bebé. Quando terminei, fiquei a olhar para ele e pareceu-me um poeta nu bonito. Pedi-lhe, então, para descer da mesa e sentar como a gente grande ao meu lado numa cadeira. Obedeceu. As pernas penduravam-lhe tontas, sem alcançar o chão. Distraído na observação do movimento suspenso dos pés, falou-me assim, de cor:

―um dia apareceu um poeta sem pétalas, nunca tal se vira. sem pétalas, dizia-se, estava igual a nu, coberto de nada que o diferisse, como se ser poeta não trouxesse marcas à flor da pele. algumas pessoas riram-se nervosamente, e só por isso o estranho poeta se foi embora sem outra notícia.*

Não respondi. Ele levantou-se e partiu em direcção ao rio sem virar-se uma vez que fosse. Eu permaneci em silêncio, um bocado mãe, a vê-lo caminhar sobre as águas, esquecida de todas as línguas até hoje... em que acordei.
____________
valter hugo mãe. o poeta como nu. livro de maldições. folclore íntimo (2008: 1ª edição)

sábado, 26 de junho de 2010

Á noite nin todos os gatos son gatos








Para o F..., que sempre me arranca no final un sorriso

Saín de casa, no luscofusco, á procura dun conto. Non prevín que xa no camiño estreito que me leva á ponte me agardase, empoleirado sobre un valado, en corpo de gato. Gato, iso mesmo. Avanzo amodo, porque, xa foi dito, o paso é estreito, as curvas agochan enigmas, sustos que antes son medos. Vaise ben en segunda, o motor rosmando. A présa, ao cabo, é un estado de exaltación que non me cadra agora. Nin sequera cando o gato me salta sobre o ombro dereito. Os gatos son gráciles no salto e a cazadora protéxeme das farpas (o goretex furouno, supoño). Colócaseme diante, ollándome todo azul e o rabo nunha reviravolta enganchado á barra central do guía. Atravesamos a ponte, a lúa redonda pintada nun lenzo escuro, acelerándomos gato e eu a moto, até que se impón a noite: vinte e un minutos e trinta e seis segundos máis tarde.

Hai unhas luces violentas que anuncian un puticlú de estrada e sede. Paramos. Convido eu?, suxiro, interrogo. Os gatos nunca levan carteira. E sentamos na barra: na barra o gato, literalmente; eu, nun tallo alto, as pernas procurando, medias tontas, punto de apoio.

―Ponos dúas cervexas, por favor ―pido.

O gato envolve un porro de maría, colleita propia, explica, e ofréceme a primeira calada.

―A noite ―cóntame mixu-mixu e exhala, topicamente, o fume doce en volutas― ten tantas estrelas como palabras. Só a luz apaga as estrelas.

E nárrame até o amañecer, unha tras outra, eu só silencio e ouvidos, historias fantásticas que lle aconteceron con humanos.

Despois cala.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Desta doideira minha (flora intestinal)

Uma vez abriram-me a barriga. Tenho-vos para o corroborar uma cicatriz verticalmente ostentosa que sempre suscita curiosidades não trasladadas a perguntas, tal o horror, o horror inestético ao sol, entenda-se. Mas não era isso o que interessa. Nem também não isto: que me enfiaram as mãos dentro do abdome exposto para me destrinçarem a estenose que me estreitava a sarjeta (atenção: metáfora de estilo demagógico) por que os alimentos deviam continuar intestinamente o processo de absorção ou descarte. Tudo correu bem e dez dias após o ingresso hospitalário recebi a alta médica e licença para comer.

O que interessa é isto: o cirurgião, que se perdia muito em filosofias e paciências explicativas (um gajo porreiro ele), deixou-me esquecido no ventre um pensamento profundo. Vem tudo de aí.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Insulamento

Não devo poder morar numa ilha, julgo eu. Se morasse numa ilha estaria sempre a medir os passos com medo de me despenhar por uma falésia qualquer que se me aparecesse, súbita, após uma ausência desopilante de apoio compacto (ui, ui, ui!). Ou pior, atenção: com pânico de escachar ―quando já não mais tem a gente para onde descer desimpedida― contra uma rocha milenariamente desgastada em erosões a cabeça e, arrastado o corpo anexo no fluxo e refluxo maçante das marés, achar-me engolida pelas águas e cercada de peixinhos não aptos em medida para a venda legal, que me debicassem todinha, até o osso (pch, pch, pch...).

Por isso, vivo num continente de tamanho que chegue a acalmar estas agonias desconfortáveis. Mas não é tudo assim tão maravilhoso, pois não. Cá estou eu circundada de montes que me tolhem o olhar de imensidade, que me asfixiam os fôlegos de respirar as distâncias e não só. Está o rio, manso o quê?!, com as suas falas trapaceiras, a tentar seduzir-me para uma dança, e eu que não, não e não, chateia já tanto que fede. De maneira que afinal estou sempre feita ilha ao avesso, a cair para dentro de mim nos silêncios. Sem serviço de vigilância costeira que me ouça nem resgate. Quem sabe, um dia destes farto-me, passo as barbatanas de máximos a ferro e despido-me seriamente com uns manguitos de tanta firmeza terrena.

O gajo aqui ao lado na esplanada em sombra bebe golos de whisky barato com pedras de gelo em copo alto e coca-cola à mistura, fuma tabaco desparasitante e arrota, numa alternância sequencial cíclica e compulsiva. Depois ainda querem que eu escreva poesias bonitas?!

terça-feira, 22 de junho de 2010

Ánimos?

A Sanidade pública xa non é o que era. Onte, o especialista en internas medicinas recibiume tres minutos antes da hora marcada (interrompéndome as convulsións sobre un poema do Herberto Helder), sen fonendo ao pescozo nin bata branca...

―Raisopartan, doutor C, isto é maneira de recibir unha paciente? Onde van os protocolos?

Ao doutor C moito lle amola que o trate por doutor C en vez de polo nome de pía, que ao cabo xa lidamos moitas batallas xuntos e ímola virando. Pero hai que manter certas distancias a prol da cerimonia e a asepsia na arte de sandar. O doutor C, explícase todo azorado, está en camisa de riscas azuis e brancas, porque é xuño e nesa zona de consultas, aínda ben, o aire acondicionado non virou o mundo polo norte asasino. Para compensar, esténdeme o sorriso e unha man e recita o ensalmo:

―Que tal?
―Mal ―rímolle en verso coxo.

O doutor C levanta a cabeza e a perplexidade da listaxe obxectiva de cifras, onde se confirma que algo non vai, abofé, tan ben como debera. Seguramente, en todos estes anos, nin cando as vimos máis negras me saíu unha tal contudencia negativa na resposta. Interrógame cos ollos. Fálolle de e do corazón, do espertar último detallado en síntomas e temores, mentres el, aplicado no reconto de triglicéridos e colesterois, suma e resolve.

―Vas facer un electrocardiograma e se notas dor no peito corres a Urxencias. E nin se che ocorra morrer antes de eu me xubilar.
―Xa lle vale, doutor, que egoísmos! Deixe que me xubile eu tamén, que me quero estrear nas viaxes do IMSERSO...
―Ai, perdoa, perdoa, é que pensei que eras máis vella ca min...

E aí é que case o ía matando...

sábado, 19 de junho de 2010

No día da morte do José Saramago houbo...

...coma decote algunha prea a asomarse á luz intermitente das cámaras que inzan os espazos da opinión publica para delatarse, ignara e estulta (que son dous adxectivos de elevadas prestacións), nunha necrolóxica adversa: nunca se debe cuspir contra o vento. Non busquedes nomes, pois non merece que conste aquí a rubrica con que asina os seus exabruptos convulsivos. Só reteño a queixada amarela que arregañou para mostrar os dentes longos, quebrando a cotra reseca dos vómitos, ávido de protagonismo no noticiario da maior audiencia, empoleirado o seu tamaño escaso sobre os zancos efémeros dun micrófono. Desprezar a quen gañou a pulso e letra firmes a eternidade na terra non é só cousa moi-moi fea, que en calquera manual de urbanidade se recrimina, senón síntoma inequívoco de ruindade moral e mental.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Oficioculto do profano

Hai un prólogo a modo de explicación das escrituras sagradas ou poesía: a voz amplificada, descendendo polo corredor central do patio de butacas, preventivamente advirte sobre os fins que se perseguen a porta fechada ―mentres os imbéciles pasean a pel de ovella polas sendas da transhumancia mansa― para dourar as vaidades dos elixidos, de entrada paga e butaca quente. Rolan os títulos de inicio e imponse, co repenique da campaíña da consagración, o silencio e as tebras na sala. Recita o oficiante de costas ao público e danza as palabras, contra un reflexo que se tece en seda de araña e chuva de pratas, unha ave triste que se recrea en muller-casa-e gato a desaprender as leccións elementais do voo.

Hai unha coreografía coral de dicentes que se alternan sobre a estampa apocalíptica que na sublimidade dos paneis se deseña. E no fin do texto, o sumo sacerdote deposita un beixo cómplice: o evanxeo segundo Cesariny. Contigo profanamos.

(Máis tarde renuncio a escoitar guitarras electrificantes, só cismo: tamén eu podía desatar un día destes a versificar en inglés as miñas ignorancias para me elevar sobre andaimes ocos co pretexto de exportar ao universo as texturas opacas da mediocridade. Fecho paréntese cun sorriso cínico que apenas se me esboza na comisura dos labios.)

Teño sono e medo de o-fender cun ronquido porcino a penumbra... E de súpeto, esperto! Polo menos haberá que concederlle ao espectáculo de calcomanía ese mérito. Non máis. Arrisco a desprenderme da etiqueta de hiperposmoderna. Non é isto o que me seduce, esa noite, non; e talvez nin nas vindeiras.

Termina o Isaque en grande, enorme, como entrou, chantado na platea, só co altifalante agora da potencia da voz e a forza da palabra espida na memoria. Ao Luiz Pacheco recomendaríalle, con todo, irreverente e acronicamente, algún método anticonceptivo, unha simple vasectomía que aforrase fames na descendencia... mesmo que a profilaxe nos privase da acidez soberbia con que apercibe contra o veleno da esperanza, ese bicho, ese bicho falsario.

No vestíbulo, durante o intervalo, róldame o maxín un experimento malévolo. Se me virase de costas a vós todos contra un canto e proferise un grito, o que me reclama a distancia ruín que me separa da vosa alegría, un único berro grave e seco, de animal ferido, que me escindise a gorxa e vos paralizase a leria incesante, aplaudiriades a intervención ou pediriades, os móbiles áxiles, unha ambulancia?

Poesia, amor, liberdade disme, e eu respondo amén, amen. E voume en paz, a cruzar serena a Serra d'Arga, na noite alta.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Café à sombra em que vence à Salomé o Jodorowsky










Desviei a derrota com propósito de almoçar na Póvoa, mas fui indo-me sempre em frente e foi na Vila que descavalguei. Arrisquei num tasco qualquer que me pareceu bem, pequeno, à minha medida, e não sendo mau, nem grande, nem desmesurado, esqueci apreender o nome para não programar regressos. Rumei mais tarde na procura dum aroma turvo, cor castanha ao lusco-fusco, centrípeto, à sombra duma esplanada e mar de fundo em todos os sentidos. Pequei, sim, pequei contra mim própria e quando acheguei às narinas a chávena morna, quase ia desmaiando de prazer: só o pudor e a falta de mordaça me abafaram o grito entrecortado.

Eis-me sem borbulhinhas de Pedras fresca coma cócegas na boca que me façam rir-te. Eis-me sem ti para me protegeres do assalto dos pedintes que brandem como carta de referência o deus desleixado de que descri uma tarde qualquer sumida no remorso duma culpa não minha, como agora sumo numa alternância de vozes de impulsos contrários até que enfim me vence a palavra antiga do náufrago enquanto afogo a da esperança luminosa que não mais me cega.

Perla sola
La voluntad de crear al mundo
no es tuya,
es una culebra que desciende
de la impensable bruma
para inocularte
por debajo de la mente
el veneno de los números,
sueños sin límites, balbuceos de niño,
océanos muertos, cometas epilépticos,
esqueletos más líquidos que el agua,
mil láminas de mustios universos.
Todo esto
consolidando el sufrimiento
crea una perla.
Inmensa perla
que a altas horas de la noche
mientras te esfumas dormido
cae de tu boca y gira
en la oscuridad
gestando el engaño
del nuevo día.

Alejandro Jodorowsky, Pasos en el vacío


e bastava isso para que todo o meu corpo
se estilhaçasse

Ana Salomé, excerto de "Ode veloz", em Odes

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A viaxe

Dicides de min que sempre tardo, e tardo. Non é no destino onde se me espera, senón en cada reviravolta e desvío do camiño, na beira da estrada, ao pé das nubes que se tocan, mergullada entre espigas ou papoulas, apegando na pel o cantroxo, a lavanda, o tomiño e a resina, aceptando ―con reparos― o túzaro recibimento dos cardos, ou ergueita sobre a atalaia calcaria inestable en que me equilibro para aprehender o instante efémero de luz e recendos.

Dicides de min que sempre tardo e é só que xa nunca alcanzo o destino cando regreso: morreume a infancia.














































segunda-feira, 14 de junho de 2010

Alecrim e angustura

Não é estômago para todos, avisei, não me venham reclamar, que cá não tem livro disso nem entra a ASAE. E não vou despedaçar por mais que peçam, vou menos é desvelar para os vossos olhos o véu que esses, se fossem curiosos, deveriam por si e por vocês levantar e, mergulhando, (de)gustar: a ascensão às profundezas da aprendizagem para a subsistência e mantimento ou a metamorfose de Raimundo Nonato em Nonato Canivete.

Direi, sim, para vos escancarar ou estrangular os apetites, que tem muitos sabores dentro, muitas texturas e até cheiros sugeridos que não descuidam a imaginação: tem peixe, tem carne crua ou assada, galinha, tem arroz e batata e feijão preto, farofa, queijo bolorento e goiabada, cebola ―muita, constante―, cebola picadinha e unhas; alecrim no que se mastiga e no que é para beber, angustura. Mas tem bicho também que, existindo, não presta: barata, vareja, formiga, ratazana, mulher e homem, toda a gente na mesma luta dos vários comeres, bunda ou filet mignon. E um pre-fim de corte redondo que é para ver de olhos fechados enquanto o óleo crepita na frigideira. ('Tàputaquiopariu! Hihihi!)

Estava sentindo no regresso que nunca mais perdia o sotaque da pronúncia mental. Mas já lá foi.

sábado, 12 de junho de 2010

Avuvuzelada









Nunca resistín a colocarme, à mantenta, xustamente e sen rede, no cordel dos equilibrios agudos que a curiosidade me brinda sobre mares de tiburóns ou vénuses papamoscas: a vida é estes riscos que nin sempre respectan as distancias e os medos, xamais a miopía. Será mellor isto, dígome, que o sosego dos muros altos e as arameiras electrificadas que abrasan moscas e estorniños. Do que se fala hoxe e tanto se vai falar nin sei nin me interesa, fóra o seguinte. Recibo a dose matutina e flipo a cores sen bandeiras. O intrépido xornalista, desprazado miles de quilómetros, felicítase de non ter que pisar a rúa nin enfrontar os ollos delincuentes e viciosos dos desprotexidos, do hotel para o estadio, do estadio para o hotel, acomodos idénticos aos que podería ter no salón da casa en pantalla plana e conexión satélite, con muito, dito sexa de paso, menos gasto dos erarios públicos para alivio dos meus ouvidos cansos. O outro comenta con orgullo patrio, desde o reduto rúgbico e de aí branquísimo e coloradote, de fala enxertada que raña na gorxa, como até o céspede para o campo novísimo e adhoc dos adestramentos futboleiros dos vermellos se importou en prácticos tepes das españas nun avión cargado de despropósitos. E eu insístome, en fin, descansa, non te esixas comprensións que te fritan as conexións sinápticas, rapariga (hoxe falo galego e, con todo, podía non), que aínda tes que lidar coa serie dos réptiles invasores e malísimos.

Namentres, entre cantigas exultantes, zunidos plásticos en demostración de potencia viril e moito abanar de farrapos identitarios (só hoxe souben, con atraso relativísimamente breve, a través dunha fenda de conciencia nos noticiarios), vinte e seis anos despois!!!, dítase sentenza: uns nove mil euritos de multa e dous anos de cárcere zafados con fianzas liberadoras duns centos de patacóns por cabeza de delegado autóctono. Non é mal choio, non, o da neglixencia criminal sobre a miseria. Bhopal apenas é un punto redondo nos mapas de papel... sen vuvuzelas que o asistan. E eu ao meu, que é mudarlle as pilas ao teclado.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Aínda (aló no alén) hai clases

Non sei que me desacouga máis: a hipótese (que outros chaman dogma de fe) de que haxa no inferno categorías distintas de condenados sobre os cales os funcionarios do tridente deberán aplicar cadanseu e senlleiro método e grao de tormento e perversión ou que até no paraíso existan desigualdades. Pensaba eu que isto do val do lágrimas compensaba minimamente se no ceo a gloria estaba non só garantida senón ben repartida (xa nin esixiría o premio de cen homes maduros, sabios e experimentados para completar orgasmos celestiais), pero agora resulta que non, que vai haber prebendas e privilexios como aquí, (in)xustizas diferenciadas e aínda para máis eternas, sen o consolo da redención e unha morte certa á vista. Onde é para desapuntarse?

(Grazas por me facer caer da burra a tempo, don Rubén Ruibal.)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

De sortes e azares









Eu dígovos que son afortunada. Mesmo, mesmo. Vós crédeme. Levo, calculo que, catorce anos nesta casa e sempre sempre limpei a parte do camiño que corresponde ao meu valado, coma calquera outro veciño, sen máis remedio nin mérito. Botei parte considerable (adxectivo subxectivo) da fin de semana a cortar a herba no eido e só non cortei e limpei por fóra porque ese é labor para a rozadoira, que emprestei e aínda non me devolveron (xa vos estou vendo, non me critiquedes isto que non é a cuestión senón a salvación). E non foi que esta mañá apareceu unha cuadrilla con rozadoiras a limpar o camiño?

Non fose polo abenzoado que non me devolveu o trebello, estábame eu suicidando un pouco neste momento!

sábado, 5 de junho de 2010

Apuntamentos fílmicos montados sobre catro escenas

Non escribo sobre todas as películas que vexo, non me esixan para iso as razóns ningunhas de que carezo. Desvarío, se cadra, sobre unha infumable sucesión de fotogramas coa que me castigo, nunha noite de paciencias infinitas ou masoquismos duros; exáltome, tamén se cadra, ante belezas que ninguén máis ve e desprezo as risas dos insensibles que deberan, penso por min, ser estremecemento ante a miseria allea, igualciña á de calquera un outro eu.

Da da semana pasada direi que non me pareceu mal. Tampouco foi nada que rebordase o común e isto só porque o Fatih Akin xa conquistara antes o meu respecto e, peor, o interese, pero prefiro non os finais felices, e isto, xa sei, xa sei (aí vou eu barrenando nas miñas psicanálises), é carencia e incredulidade adquiridas por causa da morte dos afectos, eses inventos que esturran nos fogóns a alma.

A de onte encheume (no sentido de fartureiro, non de farto) mais, aínda-aínda e malia o final tamén felicísimo para os vivos, con rescate e rumbo a un sur calquera marcado no mapa das esperanzas para os detentores de paraísos fechados que se adaptan ao desterro, e inmolación dos covardes en descarga eléctrica, fuxida a ningures cando os muros de finas láminas plásticas rectangulares esboroan, por amor... por amor propio.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Divagações para as sobrevivências

A primeira era uma visita de índole burocrática a um primeiro andar. Uma vez por ano tenho de lá ir para renovar o cartão que me dá acesso a muitas economias em matéria de gasto farmacêutico. Possuidora feliz do cartãozinho, pago só um 10% do PVP (até um máximo de quatroeurosetalcoisa) dos medicamentos de dispensação não hospitalar que necessito. E isso é bom. Os meus parcos rendimentos de tradutora e eu estamos gratos ao sistema. Não percebo é por que se tenho uma doença crónica sem mais cura possível por enquanto do que a morte devo é lá ir uma vez por ano. Ninguém poupa nisto. Não poupo eu, que podia ser uma linda reformada a viver duma mísera pensão mas não sou e por tanto tenho de me deslocar, perder de trabalhar e de olhar para o ar, nem poupa o organismo autonómico encarregado da gestão na pessoa da funcionária pública que tem de preencher a mão com letra legível o documento e a seguir acossar a inspectora médica até obter a sua bela e cara rubrica estampada no dito, deixando ambas de atender assuntos de certeza mais prementes e/ou satisfatórios.
Perguntem-me vocês, "Será que deves lá ir para provares que continuas viva?", que eu responderei, "Mas para que precisava eu morta dum chorudo desconto em fármacos?". Ponto.

A segunda visita é num rês-do-chão. A máquina, sem me desejar bom dia nem boa tarde e prévio reconhecimento do código de barras, cospe-me uma folha que me confere uma clave de cifras e letras, o número duma consulta e uma cor. E lá vou eu a procurar pelas paredes a franja verde que identifica o meu corredor de espera, paradoxos da arquitectura sanitária para os planos da assistência ambulatória. Abro o JL 1035 pela página 13. Leio:

Os meus mortos levaram consigo, de mim, palavras, memórias, dias, lugares, desígnios, incertezas; os seus olhos guardam para sempre o meu rosto, os seus ouvidos a minha voz. Também eu morri com eles, e também eu, o que fiquei, me perdi fora de mim. Onde quer que eles estejam agora, quem quer que sejam, estou, pois, junto deles. E pertencem-me, tanto quanto provavelmente lhes pertenço.*

O ecrã anuncia o meu número. A médica recebe-me com um sorriso, dois beijos e uma voz estruturada como para falar a crianças sem cérebro. Pergunta-me se está tudo bem. Eu respondo, educadamente, com um está tudo óptimo aparelhado dum sorriso consoante ao dela, como quem se deixa fazer criança sem cérebro. Se fosse o meu médico de sempre, ele leria-me nos olhos bolas não, não está nada óptimo, está é tudo uma santíssima merda. E aconselharia-me um lexatin engolido demoradamente com um copo de bom whisky ―eu ficaria-me só pelo último. Mas o meu médico de sempre reformou-se e a substituta, que é nova e bem disposta, que tem o sorriso nos lábios e fala com a voz com que se fala às crianças sem cérebro, não lê além dos parâmetros analíticos que confirmam as minhas palavras: está tudo óptimo. E manda-me embora com cita e bateria analítica marcadas para dentro de seis meses num papel, o cartão que me certifica viva para o sistema sanitário na carteira e o eco duma conversa na cabeça:

de María para iMac Ademar: Gostei muito do "À mesa da usura", não tanto pelo que diz, que afinal é discurso repetido, mas pelo como. Tem portugueses para aí que escrevem bem, sabia, professor? Alguns dias penso que deveria virar portuguesa só para ser capaz de escrever assim. Alguns dias não, segundos só. Gosto de mim assim, nada perdida de amores pátrios.
de iMac Ademar para María: O Pina, além do mais, é um poeta interessante. Podes procura-lo na Antologia.

_______________
*(Excerto dum artigo do Manuel António Pina publicado pela primeira vez em Visão, 14.06.2001)

Ángulos obtusos

Digan se non hai que ter puntería para estamparse co queixo propio contra un cóbado alleo?

terça-feira, 1 de junho de 2010

Lapso temporal

Tiña a consulta de Rehabilitación ás 17.45. Era un ir e vir, porque total xa o outro (que outro?!, ele!!!) me dixera que non había nada que facer. Ía con tempo de sobra, pero cando entro polo corredor adiante soa a campaíña e na pantalla aparece o meu código (agora non temos nome, senón código, pero non me queixo: o sistema é eficaz).

―Que rapidez. Nin tempo me deu a sentar.
―É que non había ninguén e fun chamando. Mellor non?
―(Sorriso)
―(Sorriso)

Cóntolle telegraficamente o que me pasaba e xa case non me pasa. Porque os ósos nestes tres meses deixaron de doer (tantísimo) e os xeonllos andan que nin os coñezo, lubricados. Resúmolle ametrallado o meu historial clínico: faime a ficha, apálpame, mándame facer forza coas pernas. Sorrimos.

―De calquera forma, se ves que che doe outra vez, pides cita ao médico de cabeceira e volves ―sorríe.
―(Sorriso)

Vexo o reloxo da moto. Son as 16.43. Algo está mal aquí penso. Entón eu tiña cita ás 17.45 (confirmo vendo no papel), a min nalgún lugar cruzóuseme un cable, vin unha hora e cuarto antes, polo si ou polo non (o cuarto a máis era para ler un chisco na sala de espera!, cousa que non...) e atendéronme?!

Definitivamente, teño que ir mirar a cabeza... aínda que sospeito que para isto non hai remedio tampouco.