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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Poesia e copos de água

Isaque Ferreira e João Gesta na Fundação Cupertino de Miranda de Vila Nova de Famalicão. "Contribuição para a confusão geral".

Nem só palavras...





As mães sopram as manhãs
e elas ardem



mãe. E leva os filhos nos olhos como se os levasse pela mão
Nuno Higino (texto). Alberto Péssimo (ilustração). Letras&Coisas. 2011

quinta-feira, 21 de abril de 2011

A carón do soportal azul...

 








Postal

Para escribir esta postal sentei na praza
a carón do soportal azul onde os vellos da vila
toman café e fuman mirándonos a nós, os estranxeiros,
cunha expresión de aburrimento sabio,
alén da curiosidade
e tamén do desprezo.

E cando escribía as follas das palmeiras
rozábanse coma coitelos. Este vento de inverno
é cálido e despexa a morte.

As palabras parecen fluír máis facilmente.
Poden facer algo máis que describir
o vento e os vellos e a cabalgada feroz dos días.
Recuperar algo que respira moi atrás,
alí onde non hai follas
afiadas coma coitelos.

Rabat, outono de 2007
Manuel Darriba. Os indios deixaron os verdes prados. Dep. Provincial da Coruña. 2010

terça-feira, 19 de abril de 2011

E nem a nós nos vemos










31. ELA

Não te vejo mas vejo
um qualquer fogo sobre mim pairar.
Se mais ninguém o vê, nem sequer tu,
que fazemos aqui, e escondidos de quê,
e que teatro é este em que nos movemos?
Nem o fogo nem nós: ninguém nos vê
e nem a nós nos vemos.

Que fazemos aqui, quando não sinto
uma força de carne
e um luar nos olhos?
Pedro Tamen. Um teatro às escuras. Publicações Dom Quixote. 2011

domingo, 10 de abril de 2011

O ogro mascarado de plácida leitora de poesia (3)

E não, não morreu ninguém. É melhor já saberem que o final da estória não foi nada uma carnificina, não passarem a agonia de a lerem para depois vir o desengano coma uma lâmina fria que decepa cabeças de olhar perplexo... Era, dizia, domingo de entrudo.

Numa crise de fastio, cheia daquela merda que nem para quincalha dava, a Fada Cor-de-Rosa (ou era uma princesa?!) renega de pedras e tesouros que não aparecem e enfia para a varanda que dá ao jardim da Biblioteca proclamando que vai fazer arcosiris com as serpentinas que ficaram lá enredadas, tentando persuadir os primos para se unirem a ela. Desprezada por estes, que preferem o amparo do muro... (não penseis mal, ó tarados!, estavam a brincar mesmo a encontrar tesouros, a abrir buracos entre as pedras), sem mais nem mais a Fada Cor-de-Rosa Helena perde subitamente a condição de ser sobrenatural.
―Ó mãe! ―diz ela― Quero fazer chichi!
E saltita nos bicos dos pés, as pernas muito, mas muito mesmo, juntas, enquanto a Minnie Marianna reclama que vá ali para onde eles estão fazer chichi...
―Ó Helena, anda cá fazeres chichi!
Eu abafo um brado num silêncio que me rasga, era já só o que (me) faltava. Mas a mãe reage, levanta-se rápido, arrasta a fada à casa de banho coma se fosse o mais comum dos mortais e quando regressam, as pernas já mais desembaraçadas de urgências, a família levanta-se da mesa e sai da esplanada, em direcção ao terreiro, deixando as serpentinas partidas em pedaços pelo chão, pelas cadeiras, pelas mesas, pela varanda... e o trabalho de apanha-las ao empregado, que não perde a pachorra nem o sorriso. Até que em fim tenho paz para continuar a ler... só que, hélas!, fiquei sem vontade. Pago o que devo e vou também embora, assanhando-me com os pneus ardentes da mota sobre uma esteira de arcosiris que agonizam no empedrado do terreiro.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A luz nas mãos





valter hugo mãe
Fundação Cupertino de Miranda
Vila Nova de Famalicão

segunda-feira, 28 de março de 2011

O ogro mascarado de plácida leitora de poesia (2)

Prova de que a poesia não me (nos) faz melhor(es) pessoa(s)

É, já foi dito, domingo de entrudo. Escolho o canto mais apartado, que tem por ali à solta duas crianças a engrinaldar tudo quanto é mundo com serpentinas ao tempo que a mamãe ralha nelas com inhóspita correnteza de voz e proveito zero (o pai, ao que parece, é felizmente surdo ou de espécie muda... e quase ainda bem). Porém (ei-lo, como previsto) terei azar. Chega agora a priminha com os pais ―beijos, alaridos e abraços― e os três putos resolvem deslocar a bagunça justamente (engulo cuspo, pigarreio para temperar a secura da garganta) por tris-trás de mim, para uma zona, sedutor o chão tapizado de seixinhos brancos, a que uma fita atravessada no vão sem porta supostamente veda passagem sob pena capital nenhuma (pena!, franzo o sobrolho, a alma encrespa-se-me...). O Huguinho e a Mariana, travestidos de punkie (com muletas) e ratinha Minnie (com orelhas), respectivamente, entretêm-se com a Fada (com chapéu) Cor-de-Rosa Helena a remexerem nas alvas pedras e procuram, sem pejo nem sigilo, tesouros!!! (vidralhada multicolorida, enferrujadas caricas finiseculares, alumínicos anéis de indegradáveis abrefáceis..), acompanhados pela gritaria já-se-sabe improfícua que a mãe arremessa por cima da minha paciência: que não fossem sujar as mãos, nem os vestidos, que era, aliás, aquilo em que o trio em venturosa impunidade se empenhava, aproveitando a parede que cega a materna pose vigilante. Entretanto, pugna o monstro em mim: sangue num ferve-não-ferve, blups-blups, babas que fermentam sob a língua, bafo a assomar pelas narinas fora, escamas que se excitam sobre a palidez verde da pele... Herodio-me.

sexta-feira, 18 de março de 2011

O ogro mascarado de plácida leitora de poesia (1)

Prova de que a poesia não me (nos) faz melhor(es) pessoa(s)

É domingo de entrudo. Almocei já, cedo hoje, mais do que é costume, meu. Estaciono (um falar) a burra sob a janela fechada da Biblioteca fechada, talvez ainda elas venham a aprender alguma coisa por contágio. Olho em volta. Está o ambiente animado. Toca fugir, pois. Pois. Não fossem os "porens..." que virão mais tarde. É preciso ter (a gente, eu) muita calma. Entro na pastelaria e peço, sff, para me levarem um bolinho de maçã e um chá bastante preto à esplanada. A esplanada são três paredes e nenhum tecto dum prédio antigo, enfrente, com vistas ao edifício e o jardim da Biblioteca, belíssimos, estáticos, calados. É para o que der, e dá-me, o lugar idóneo, numa rua próxima ao terreiro e afastada do seu bulício, em que pouso o corpo dolorido e lanho das páginas dum livro irregular de capa roxa poemas, imatéria dum poeta excelente se fosse mais crítico consigo ou tivesse um bom amigo que às claras lhe dissesse: olha, que isto aqui é merda, mesmo.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A imagem que eu queria

A encomenda do retrato vai bem. Após dia e meio (valha-nos, era fim de semana) a tentar a comunicação em balde, finalmente, quando já receava que aquele fosse um número sem dono, segunda de tarde consegui falar com ela. Expliquei-lhe quem era eu e o que lhe pedia, e como queria que fosse um retrato invulgar, fora dos tópicos da morrinha e da fragilidade, dos tons cinzentos, da mansidão... que a escolhera a ela, em primeiro lugar, porque era uma ilustradora infantil e gostava do seu jeito  para plasmar a vida em cores, que eu não fazia ideia muito bem do que queria mas que tinha claro, mesmo claro, o que não queria. A seguir coloquei-a no contexto. Para que era o retrato e por quê. Ela vacilou e fez uma daquelas perguntas parvas que se dizem retóricas porque não esperavam resposta ou pior, porque a esperam negativa. E eu sorri aí. Porque era nessa pergunta que estava a resposta que eu ansiava ouvir, sem saber: a imagem que eu queria. Ela, acho eu, sorriu também.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Palavra poética

Cá está um besugo que diz que não gosta de poesia e eu só penso (se é "pensar" este fluir de ideias soltas que me acontece num lugar estranho dentro do corpo) que de três uma, ou duas, ou as três: ou ele nunca se lê, ou se se lê não gosta do que escreve (nada abonatório isto para os seus gostos, que já a tara pela bola prejudica bastante mas, enfim, ele é que vende o seu peixe), ou ignora o que é poesia, que nem precisa de ir em linhas quebradas para ser-se como nos seus esguichos é. E onde diz "ou", pode-se ler "e" sem que a ordem dos factores possa vir a alterar o produto nem a palavra poética. Ainda bem... também.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Do meu ser não-ignorado e ignorante (e do Manuel Bandeira)




Arnaldo Saraiva, no interior da Porta Treze, debulha a "Poética" do Manuel Bandeira




Em convite a-solene animaram-me a entrar para a Porta Treze, mas quando fui tirar do armário o manto da invisibilidade para alindar-me num desaparecimento ténue, descobri que as traças deram (boa) conta dele e apenas uns fios, como raros cabelos de múmia pré-histórica e voraz, baloiçavam no cabide. E eu disse, ora, tem de ser. E foi. Fui, digo, como eu sou, de mínimo corpo inteiro. E já encontrei ali, na rua, afincado contra a parede dum treze inexistente que se fez real o Nuno Higino, apresentei-me, que eu sou quem sou e tal, e trocámos sorrisos, claro, claros. E logo a seguir estava o Antero, o professor que não me deixa chamá-lo de professor, ainda sendo ele professor mesmo, na mesma, e nem meio passo mais à frente as mãos fortes e os olhos luminosos do Luandino a acolher-me. Aí eu pensei, lúcida, será que as traças foram criadas há milénios para um fim concreto na minha vida?

Com certeza, eu estou a falar aqui de mim, este é o meu diário. Por isso irei também notar que permaneci quieta, a casa do cérebro este de portas e janelas escancaradas, a ouvir e ver como o Arnaldo Saraiva debruçava de palavra e gestos a sabedoria dele em volta do Manuel Bandeira sobre a minha ignorância, essa que quero conservar sempre para sempre e a cada pouco espantar-me na felicidade do muito que ainda, hoje e amanhã, tenho para aprender.


Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

―Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Manuel Bandeira

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Pestanejar na escuridão












A Poeta é incerteza, suma sacerdotisa do paradoxo ponto ela ou dúvida que arrasta à pesquisa dissecante pelo território trépido e fluido dos significados. Assim é que oscilando dissolve interrogações para atingir espaços acústicos que são ecos pelas margens dos ouvidos, espelhos nos horizontes dos olhos e no hálito pulsátil dos lábios, um tremor de oásis. A leitora segura-se nas velas páginas à distância pouca dos antebraços telescópios e enfuna em orgulho, vasto, a húmida estreiteza do peito (transido de nevoeiros) que estoira num foguetório sinfónico, por ser ali, numa página ímpar, nome que se escreveu em digressão e cursivo, por primeira vez, tinta em folha-papel de livro-poemas, sombra clara.

Obrigada, Suzana ―era sem tempo que eu dissesse.

: Descartes aconselhou-me a duvidar de tudo, mas duvido dele e apetece-me não questionar algumas vezes; e gosto desta dúvida ―dá-me uma espécie de asas; dói-me, contudo, aristocraticamente a cabeça e escuto zumbidos transversalmente ao silêncio e ao meu pestanejar na escuridão; pergunto-me, pergunto-me sempre: da própria incerteza. do sentido da dor. da subsconsciência dos sentidos, das ignorâncias, da ignorância da ignorância. do caminho da liberdade. da via do compromisso, dos trilhos do apego. dos desvarios do controle. dos sacrifícios dos orifícios. do que Deus estará a fazer. e fico incerta, insecta, zunindo em torno daquilo que julgo ser a minha cabeça
Suzana Guimaraens
"Dispersões insones" (excerto). Parodox.sou (2010)

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A preciosa inutilidade da poesia










A poesia não precisa de ser útil. É no valor imenso da sua inutilidade que se fixa a sua importância. As imagens que possa oferecer ―como quem diz, o dia que se inicia com jogos malabares de pedras, corações-calhaus a dançar no ar que a ninguém alcançam, a ninguém ferem, ninguém é ninguém que passa, o chão que os recebe, prontos para mais um amanhã: a circular persistência do sonho inatingível― podem ser uma verdade qualquer, e a verdade tem frases assim que tocam (música).

_____________
projecto de vida

de manhã
jogo calhaus ao ar e
faço o cômputo das pedras
que não ferem nenhum passante
os passantes não passam
as pedras estão no chão e
os calhaus cairam todos
novamente

Ana Saraiva. 19 de dezembro de 2010
(Versão para português de María Alonso Seisdedos)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

49: o presente

Uma cifra qualquer é o que é, um dia em que sempre chove desde há tantos anos, anos que agora, vistos de aqui, parecem nada: nada não como no tango, apenas nada como nada: o passado é um invento, uma criação necessária para segurar os pés à beira do precipício que dizem futuro.

O presente, porém, existe mesmo: foi-me oferecido e está aqui.

domingo, 28 de novembro de 2010

As palavras não voaram

Ou de como uma conversa privada virou pública

Era sábado de tarde, ontem, e fui a um encontro de que regressei de certa maneira desiludida. Ou não. Em qualquer caso, culpa minha, que decidi não renunciar ao passeio diário com os cães monte acima, monte abaixo e (uma) margem do rio e monte acima de novo: encostas. Perdi a melhor parte, que era o "Poetas na rua", com o Isaque Ferreira de coordenador, a quem já vi/ouvi várias vezes nas Quintas e (julgo eu que) é um excelente dizedor de poemas, o melhor que eu conheço, ai, isso é: não que o meu universo de dizedores de poemas seja amplíssimo, mas um número nem bom nem mau deles já ouvi. Cheguei, pois, só(-zinha), ao que supostamente era um lançamento de livros, mas foi apenas um desventramento (as palavras, dentro dos respectivos livros, não voaram), lições de teóricos do acto de poemar, estudiosos de vidas e obras, leitores-inquisidores de cartas alheias, já se sabe, e eu sem espingarda nem faca de matar porcos à faca (agora matam-se com pistola e, diz-que ―aos porcos ninguém perguntou nem depois de mortos―, é indolor). Não se assustem: são alergias minhas a aulas de literatura. Nada de grave para o mundo.

Depois estava o Adolfo Luxúria Canibal, que disse quatro ou cinco (ele disse que diria quatro, mas eu contei cinco, só que não contei pelos dedos e eu na aritmética perco-me) estilhaços-poemas do Cesariny (Mário), com piano (que teclava o António Rafael) e contrabaixo (a dedilhar, acarinhar, pelo Henrique Fernandes), mas a música, que era para ser fundo, passou a primeiro plano, abafando a voz. Aliás, estava lá muito público, e a menina Sun Iou Miou, que é meio metro e uma polegada de gente, deixou-se ficar para atrás: gosta de se encostar numa parede, pelo menos uma zona do corpo protegida de alentos e contactos afísicos indesejados, península.

Mas finalmente estive a departir com um casal de amigos (de amigos meus, ambos, digo, que enquanto casal ela é a mulher dele e ele, o homem dela) e apresentaram-me inúmeras pessoas ―a que dei a mão ou beijei, consoante a nada―, que nem irei lembrar a próxima vez que as vir, nem elas, seguramente, a mim. E convidaram-me para ir a Braga, ao Museu de Arqueologia, que haverá lá um recital no sábado vindouro. E eu irei, mesmo que me pese na lembrança demasiado o café que bebi ali, no dia da consagração, quase a correr (acabaste?), porque não se podia fumar dentro.

E foi bom, contudo, com tudo. As palavras afinal ninguém as prende.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Van acabar os paxaros

Leo poesía sen lentes, por iso non distingo o rostro da auxiliar cando pronuncia un dos meus moitos nomes na sala de espera do oculista por riba do balbordo de voces que incomodan nos acentos máis circunflexos do campo visual. O fundo do ollo está perfecto, consignan, e a miopía nas mesmas. Continuarei logo a ler sen lentes poesía, antes que acabe, desde o principio e até o final do mundo, cando se produza a temible restruturación da cadea trófica e os poetas se sirvan esmiuzados en forma de pastillas enerxéticas aos xogadores das seleccións nacionais de fútbol.

A poesía vai

A poesía vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: "Que fez algum
poeta por este senhor?" E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive de voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
―Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar?

Manuel António Pina. Ainda não é o fim nem o princípio
do mundo calma é apenas um pouco tarde (1969)


Quen sabe se é a poesía o que vai acabar ou as árbores. Anuncian chuvia pero a min estas nubes parécenme un decorado de cinema, posto aí por esixencias do guión, coma o falso nu dun actor recatado que non se mostra por diante ou se si, nunca suficientemente (non que me interese, mas están sempre eles ás voltas co tamaño, como se o grandor fose equiparable ao pracer e ao asombro ou estímulo crucial de humidades). Non chove, digo, e talvez acaben así as árbores e os paxaros para ocuparen o seu lugar os estiletes de cactos e mosquitos, tan incongruentes coa paz da pel e coa reciclaxe prevista dos poetas.

Aboia no meu eido un recendo teimudo à lavanda que agoira desemprego nos silenciados observadores de aves vivas.

domingo, 29 de agosto de 2010

Éramos poucos...










Sexta-feira passada, depois de matutar até o ponto de quase fundir o cérebro, achei que não devia limitar-me a espreitar e clicar em "gosto" pelo feisebuque fora. As palavras do Vítor Oliveira Jorge que entre delicados dardos contra os voyeurs (ai!) aludiam às revoluções internas, animando a rebentar esquemas, remoíam em mim num fervo não fervo quase incandescente que me queimava nos dedos. O que é que eu podia fazer nessa imensa montra de egos? Como quer que a ideia de entregar esforços a alimentar vaquinhas que nem se deixam comer não me enchia, optei por fazer o único que sei... mais ou menos: traduzir. Assim, criei nas "notas" um compromisso comigo para ir passando poemas de autores de que gosto (uns de sobra conhecidos, outros nem por isso) de português para espanhol e mesmo, vez por outra, com muito atrevimento, ao contrário.

Mais tarde ocorreu-me que bem podia expor esse trabalho (porque é um trabalho mesmo, ou pensam que enfio os poemas no tradutor-bimby do google, hein?!) além do círculo reduzido e selecto de amiguíssimos feseibuqueanos, criando mais um blogue com idêntico esquema, aberto ao planeta Terra e parte de Vénus, por enquanto. De certa maneira, uma ponte que se juntava ao que esta tem chegado a ser pouco e pouco.

E como se tratava de partilhar e havia um apartado do Abnóxio de Ademar Ferreira dos Santos de cujo contido e epígrafe sempre gostei... à maneira nasceu o título:


No blogue irei colocando os poemas que escolher para o féisebuque. Como quer que alguns já saíram lá desde Sexta-feira, aparecem agora n'O poema... com essas mesmas datas. Só a partir de hoje é que começarão, notas e blogue, a estar sincronizados.

Eu sei que há por aí algum amigalhaço que não aprecia poesia (e ainda bem, porque então, olhem que nojo, ele seria perfeito!), mas eu também te digo, meu caro, não lerás meia palavra a gabar bola neste tasco. Porém, isto será mote para outra postagem...

sábado, 31 de julho de 2010

Dunha e doutra nunha noite cálida

Está hoxe para completarse unha semana e nin vos falei do corpo dela cando canta, do movemento medido e pousado dos xestos, da voz tan súa que cabalga no ar as distancias e a mímica que engaiola a mirada e conxela a imaxe na memoria.






María Berasarte




Tamén non vos escribín aínda nin no vento destoutra, que é puro nervio e voz que abraza, grave e tenra de madurez fresca, acabadiña de estrear parece, a espertar na noite calor e aplausos que o río devolve nun eco líquido.






Carminho

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Presente de ar sonoro












Estícome nas puntas dos pés para alcanzar a caixa do correios e xiro, en lentitude de alento contido, a chave. Abro coma quen abre o cofre do tesouro posible. 'Coita! Se eu agora fose extrovertida veríanme os veciños atacar os primeiros pasos da danza das albísaras e gritar o contento, que por uma vez é o ar quen me escribe. Cáeme por fin nas mans o presente, hai séculos que son uma semana anunciado, como maré súbita de sonhos que me envurullase os ombros de alegriaciñas de seda, unha ducia delas, uma por cada música, a sumarse na alegría grandota do libro de partituras que as acompaña.

E agora escoito, de poros abertos e digo, digo, sinto: Tes beleza na voz e cantas como se as mans falasen agarimando brisas para nas vibracións delas atinxir no máis tarde e máis lonxe os interiores da xente con ouvidos por dentro das orellas. Para isto tamém se inventaron as neuronas, atentos. Imaxínote no silencio a escudriñar entre os versos as notas que ocultan, arqueólogo sabio que desentraña hieroglíficos nas fonduras da terra cun pincel en cada dedo: é maxia para min o que activa a engrenaxe desa arte que descoñezo. A música, a voz, a palabra crean o triángulo da emoción perfecta.

Aínda, os olhos de fóra recréanse nas fotografías e no modelado que deu ao papel o Luís Efigénio.










Sobre a palabra de poetas famalicenses:
musicou e cantou o Ivo Manuel Machado
tangueu a guitarra e arranxou o Carlos Carneiro
fotografou e deseñou o Luís Efigénio.

domingo, 11 de julho de 2010

Fatuidades (e não só) confessas










Gosto de espectáculos à borla, pois. Assisto a um concerto num anfiteatro ao ar livre, pré-instalada na insónia duma noite de verão, e gasto em poemas, ali mesmo na feira do Livro, o dinheiro que pagaria pelo bilhete. Vocês já sabem como eu sou fraca quando passo ante uma capa com um título a dizer come-me: abandono-me à tentação e ainda sucumbo à sobremesa. Além do mais, enfio na mochila os versos assinados, de costas leves por ter sabido engolir no ponto certo as vogais, na breve (breve, pronto, está bem) conversa que mantive com o autor, até conseguir que não desconfiasse do meu sotaque. E parece que deva bastar isto como justificação para o amanhecer de mais um dia.

Os deuses da pátria a cavalgar nos sonhos

Se eu tivesse segura a eternidade [como tenho as contas diárias
para pagar] renunciaria aos livros que ainda tenho para ler.
Nem poria os óculos que me tonteiam a realidade. Nem
ouviria o Peter Grimes que agora oiço -que me interessaria
o bramir da música contra os rochedos da poesia?
Se eu tivesse segura a eternidade [como a geada que esta manhã
me gelou os olhos] deixava-me dormir o dia inteiro
com os deuses da pátria a cavalgar nos sonhos. Talvez
inventasse um planalto qualquer, com uma pedra em forma
de destino e sentado esperasse os animais de Zaratustra
no seu aparecer alto e circular
O animal eólico do corpo. Nuno Higino


Mas há sempre quem julgue que 'gratuito' significa direito a entrar à hora que melhor lhe parece, sentar ao lado da senhora essa da câmara na mão que foi procurar um lugar bem afastado para ninguém a incomodar, falar em voz muito alta para se fazer ouvir perante a barulheira dos gajos que estão para ali à sua vida no palco, deixar às criancinhas aos pinotes e aos berros pela bancada. E eu estou com muito pouca paciência ultimamente. Nenhuma, digo, sou franca. Nem eu me aguento. De modo que, sem mais nem mais, virei-me para os pândegos vizinhos e ―presunções minhas, atingindo o nível avançado das indignações exprimidas naturalmente em língua alheia― mandei-os calar se faziam favor e não se importavam, que eu até a esguichar dardos tóxicos pelos olhos sou bem-educada. Fez-se, portentosamente, o silêncio. Quando mais tarde me lembrei deles, espantada da sua resistência em susterem a léria e as rédeas dos selvagens que criavam, tal qual deusezitos, à imagem e semelhança, descobri que foram pastar embora. Não digam a ninguém mas estou muito à vontade comigo assim intratável.