sábado, 13 de fevereiro de 2010

A máquina que faz gostar das pessoas











Carta aberta ao valter
Querido valter

Porque te sei sensível e tanto, tenho medo de te magoar, mas se não te dissesse, penso, esta nossa amizade ainda nova não teria muito para onde crescer.

Fui ao lançamento da máquina, como sabes. Fui porque gosto do valter pessoa que antes já me encantara como escritor, porque me comove o que dizes e sobretudo como o dizes. Não acostumo ir a lançamentos de livros, salvo que sejam de amigos. Também não tenho hábito de acudir a conferências de escritores, salvo que a sua escrita seja tão poderosa como para me suscitar curiosidade, como foi o teu caso, e em boa hora. Gosto muito de ler, não imagino a vida, a minha, sem as leituras que desde a infância me acompanharam, já de antes de aprender as letras, quando minha mãe me lia histórias antes de dormir e quando o consolo de estar doente era o presente dum livro e água de limão. Pouco antes de morrer minha mãe, soube que a senhora Amparo, que estava de criada em casa quando eu era muito pequena, me chamava "a leona". E ainda hoje não consigo resistir-me a aprender a decifrar caracteres doutras línguas, porque são como chaves mágicas que abrem as portas da imaginação. Sou um bicho solitário, dá para perceber.

Depois de ler o remorso, quando comecei a máquina, ao primeiro desiludiu-me, parecia-me tão suave... mas enganara-me: no segundo capítulo já estava presa nas suas garras, duras e mansas. Seduzida. Com o corpo rendido ao fascínio das frases, da voz velha do senhor silva.

E preâmbulo feito, vou ao que ia. Gosto de ler. Não gosto de destripar literatura. Gosto menos de ouvir destripar literatura. Nunca gostei de aulas de literatura. E se não tivesse lido já a máquina, quando a professora iniciou a sua dissecação, deixando-as entranhas espalhadas pela mesa e mal-lendo parágrafos como quem assalta um documento desprovido de ânima; se não tivesse feito cento onze quilómetros com o fardo da anemia às costas para ouvir o valter, o que o valter tinha para partilhar; se não tivesse tão poucas oportunidades de ouvir a voz serena, o equilíbrio perfeito em que o valter combina a tristeza e a alegria para me apanhar de repente —depois de me despenhar o espírito ao abismo— quando estou para bater contra o chão... não tinha aturado aquilo nem um quarto de hora.

O pior é que não fui a única a sentir isso. Na plateia à minha volta as pessoas levantavam-se das cadeiras, falavam baixinho, entretinham-se com o telemóvel, saíam e tornavam a entrar na esperança de que nalgum momento a máquina de destripar romances acabasse e falasse o valter, ou nem sequer voltavam já, cansadas. Quando ela terminou, muitos à minha volta negaram-lhe os aplausos, descontentes. Também eu. E aplaudiram com força, força e calor, as mãos a arder, quando falou o valter, o escrevedor de romances-poemas.

Ai, valter, peço-te, não sofras por isto, que eu te sei vidrinho, vidrinho de cheiro como sou eu, que dizia um meu amigo que uma vez me quebrou.

Houve coisas muito, muito boas. Tudo o resto foi bom de mais, divinamente humano: as fotografias, os quadros, a magnífica voz do Adolfo que era o próprio antónio silva que eu ouvira página após página. E tu, claro, que nem bonito és e mesmo assim, és a beleza.


Beijo como um universo de palavras

P.S.: Ainda bem, nestes papeis digitais, as bágoas não esborratam as palavras.

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Ai, que já ia esquecendo: a frase aquela das histórias de pedrinhas que cito prometendo esclarecer de quem é é, é claro, da máquina do valter; a pedrinha é que não.

14 comentários:

Anónimo disse...

Então o problema foi não o valter hugo e o seu livro mas uma professora imbecil que f... uma apresetação.
Achei que era algo grave

Sun Iou Miou disse...

O problema foi que a persoa que foi presentar a novela a contou de cabo a rabo, Kaplan, que estivo unha hora a falar e que cando rematou, nin o público nin o valter tiñan forzas para máis nada. As persoas que non a leran aínda deberon saír contentas...

Estiven dubidando se publicar esta carta, que en principio foi privada, pero ao final, non teño escrito máis nada estes días, e creo que ao livro, a toda a literatura do valter, pola importancia que ten na miña vida, lle corresponde estar aquí.

condado disse...

Ate eu que son Leo mais non León prometo ler a máquina esa de facer españois... Depois xa veremos si pasamos ao Viva o Valter! que sona ben, republicano, si... Veremos

Xan disse...

Falas con tanta paixón da lectura que debesen nomearche embaixadora dos libros coa obligacion e supoño que o pracer de espertar ese Universo magico( o da lectura)en todos os colexios.
Un saúdo

Sun Iou Miou disse...

Antes de ler a máquina, Condado, eu sempre recomendo ler o remorso do baltazar serapião. Despois falamos.

Sun Iou Miou disse...

Tras ese eloxio, Xan (tomeino como un eloxio, se era ou non tanto ten), só podo dicir unha cousa. Non che me importaba nada, pero non vallo para mestra. Quen me dera! Creo que ese labor, o de inculcar o amor pola palabra, lles corresponde aos mestres de lingua; o mesmo que aos mestres de matemáticas, compartir o seu entusiasmo polas matemáticas; aos física, falar da física con paixón... e por aí adiante.

Claro que para iso TODOS os mestres deberan ser mestres porque lles gusta aprender (nos dous sentidos) e non porque aprobar unha oposición sexa garantía de choio fixo para a vida. En fin, utopías.

Ala, xa o dixen: agora mallen en min.

Xan disse...

Era un eloxio pola paixón que desprenden as súas palabras

Sun Iou Miou disse...

Ai, xa o sei, Xan, xa che entendín, e agradézocho un mundo, porque é verdade que sinto paixón cando leo algo que me gusta (que é sempre, porque non leo nada que non me guste... salvo por traballo, pero iso é como prostituírse, cóbrase, non conta).

E non creas, ás veces, gustaríame ser capaz de transmitir esa paixón... oralmente, pero non me sae. Non sei falar, por iso non quixen ser mestra. :)

(Curiosa expresión esa, "non creas", que significa o contrario do que parece.)

Kapikua disse...

deixas-me copletamente arrepiado!

A verdade pode doer mas expelir o que nos entope as artérias faz muito bem!

Beijo forte como tu!

Sun Iou Miou disse...

Para que queremos a escrita, Kapikua, se não nos permite estes desabafos? Poupa-se em divãs e confissonários. ;)

Forte? Tomara!

Beijo desentupido! :)

Oscar disse...

Já gostava do valter hugo mãe, mas depois dessa tua carta aberta, ele subiu mais um degrau na minha consideração, um degrau desses que não têm nome, porque temos de inventá-lo para elevar aqueles que mais gostamos. Saudades de ti, m'nina! :-)

Sun Iou Miou disse...

Também eu tenho de ti muitas, muitas mesmo, Oscar. E não esqueço que te prometi a máquina, só que ainda não tive tempo de ir comprar. Tem paciência. :)

Ana disse...

Tb não gosto que analisem os livros. Ou melhor, que os analisem demais. Não gosto de saber que muitas coisas belas viram a luz do dia à sombra de uma data de regras e estilos literários! Gosto de me iludir com a imaginação do escritor.

Sun Iou Miou disse...

E menos te deverá gostar, imagino, Vani, que te tirem o prazer de descobrires o que é que é a máquina da fazer espanhóis, por exemplo, independentemente de que nos livros do valter o que conta realmente é como conta. ;)