No mesmo dia em que descobri que estava já, já!, no tecto "pital" da maralha pita, nem que nunca tenha proferido um grito histérico, encontrei, com poucas horas de diferença, o meu primeiro fã, que também não gritou nem histérica nem gravemente, mas olhou para mim com uma admiração que nunca me julguei capaz de suscitar em ninguém, menos numa pessoa de tamanho tão enormemente pequeno.
Fora feriado aqui dia inteiro e imaginei a invasão no jardim, na outra margem do rio, por isso fui um bocado mais tarde do costume. Todavia, ainda havia lá galegos para dar e vender (se houvesse quem comprar...). Suspirei. Vamos ver se não atropelo ninguém, vai estar difícil, disse para os meus botões, que não responderam. Ao rematar, balanço feito, somei alguma travada brusca, mas nenhuns mortos nem sequer óculos partidos.
Já no final, aproveitando que apenas sobraram seres humanos na contorna, pus-me a praticar a marcha atrás e os giros. Reparei num puto duns sete anos (digo eu, que sou incompetente nisto de cálculos que não sejam renais) quieto a um lado do trilho. Acabou por sentar na relva, o corpo afincado sobre um braço, as pernas ligeiramente dobradas, baixo os cabelos curtos, louros, o olhar triste e doce, o rosto pálido, redondo, de bochechas coloradas, a seguir-me os passos. Sorri para ele e falei-lhe em galego, quer-se dizer, não me perguntem, mas notava-se que era galego.
―Gústache patinar?
Acenou afirmando, tímido, movendo um quasemente a cabeça.
―É divertido, non é?
Sorriu.
Eram horas e decidi que chegava de piruetas. Fui para a mota, o puto atrás de mim. Falamos. Perguntei-lhe se tinha patins. De duas rodas não, respondeu, daqueles outros.
―En liña?
―Iso.
―Xogas ao hóquei?
Sacudiu a cabeça, a olhar-me ainda, de fite, desde ali em baixo, frente a mim, os dedos roçando a mota.
―Tes que practicar moito para despois xogares ao hóquei. Vas ver que ben que se pasa.
―E vas montar na moto así cos patíns? ―atreveu-se-me a perguntar baixinho, case num murmúrio.
Ainda falamos um bocado, apareceu o irmão mais velho, mais loquaz também, muito diferente, morenote, forte, cabelos de ouriço-cacho, a tratar-me de "vostede". Perguntei-lhes de onde eram. De Pereira, respondeu o pequeno, como se Pereira fosse o centro do mundo, o centro do seu orgulho. Pereira? Ourense, esclareceu o mais velho. Ah, Pereira de Aguiar. Xiça, isso é longe. Pois é. E fazem aqui ainda o quê? Pus cara de gente que finge seriedade. Não têm escola amanhã?
Sacudiram os dois a cabeça. Estavam tristes. Não tinham escola. Fiquei sem saber porquê. Depois continuamos a falar de motas, de bicicletas, e os sorrisos voltaram. Apareceu a avó a chama-los para irem embora.
―Cóllenos aquí ―pediu o mais velho.
A avó chegou logo ao volante do carro.
―Espera máis un pouco ―voltou pedir o mais velho.
―Se estades á espera de verme saír a facer caballitos, ides dados. Nunca souben facer caballitos... nin na bici.
Sorriram com todos os dentes. Cavalinhos era coisa que eles sabiam fazer. Eu vai ser difícil que aprenda já, estando, como disse, no tecto "pital" da maralha pita, mesmo com a admiração ingénua e meiga dum puto de sete anos capaz de me ensinar.
10 comentários:
Ah, adorei essa do tecto "pital" da maralha pita! (chuif, chuif, buá, buá, já não pertenço a esse fantástico grupo)
Li o texto futebolístico, mas pronto, também fui apanhar bonés! Se já estou no telhado... :D
Mas nunca é tarde para termos fãs! E esses rapazes de 7 anos ou coisa, que sabem fazer os "cavalinhos" na bicicleta que tu não sabes, nem aí nem na mota, já são um bom começo!!!
Beijoquitas sorridentes para ti!
Delicioso texto!!!! liiiinndo! Vejo a cara da criança miúda... Beijinhos.
Foi ler essa frase e soube que tinha que enfia-la nalgum texto, Teté. O Besugo tem algumas boas, quando quer. E não escreve só de bola. Tem escrevinhadas que merece muito a pena ler.
Fez bem a esta "ancianita en patíns" o olhar rendido duma criança. :)
Obrigada, pau. :)
Se escrevi isto foi para não esquecer a carinha dele.
Não sabes fazer cavalinhos? Depois admiraste de não jogar grande coisa no hóquei...
Tenho de te mostrar o que sei fazer com o estique, ó Rafeiro?! ò_ó
Fã é fã, é o que interessa, não se pode ser esquisito :P
Já agora em que jardim foi isso, visto que ao que parece foi na margem esquerda do rio Minho?
É que estou a achar os miudos muito atinadinhos e dóceis, o costume seria roubarem-te a mota, o dinheiro, espetarem-te uma naifa no bucho, e depois fugirem de patins, skate, ou outra qualquer coisa que role.
Mas não ligues, estou a sair da andropausa, na qual entrei há 50 anos atrás.
Saudações do Marreta.
Esquisita eu, Skynet? Se todos os meus fãs futuros fossem como aquela criança... :)
Marreta, Marreta, onde é que tu moras/vives?
Como eu te compreendo. Sair da andropausa é sempre uma ebulição de hormonas. Vê lá se arrefeces o sistema com umas pedras de gelo e... líquido à vontade. ;)
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